quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Alice no País das Maravilhas - 150 anos Depois



Obra infantil que alçou Lewis Carroll ao cânone universal ainda encanta e desperta polêmica.

Ocupando o terceiro lugar – depois de Shakespeare e da Bíblia – entre os livros mais vendidos em todo mundo, Alice no País das Maravilhas completa 150 anos. Celebrando a data, o livro ganha novas edições em nossas livrarias e é tema de documentário, produzido pela BBC.
Por César Alves

“Obras brilhantes podem ser concebidas por pessoas horríveis e não vejo problema nisso”, diz Will Self ao entrevistador, talvez irritado com sua insistência em focar a conversa mais no comportamento polêmico e moralmente duvidoso do autor do que nas qualidades estéticas e importância da obra sobre a qual teria sido convidado a dar seu depoimento, que completava 150 anos desde sua primeira publicação.
Autor de títulos brilhantes – pelo menos para este que vos escreve –, como Cock & Bull (Geração Editorial), a ficha corrida de polêmicas de Self talvez o faça, aos olhos de muitos “uma pessoa horrível”. Entre seus feitos, por exemplo, é conhecido o episódio, revelado pelo próprio autor, de que ele teria tomado heroína no banheiro do avião do primeiro ministro inglês, quando fez parte de uma comitiva diplomática, reunindo políticos e escritores britânicos, para a abertura de um evento cultural – transformando o ato de fumar maconha na casa da rainha, praticado pelos Beatles, uma travessura adolescente. Sua declaração poderia ser interpretada como defesa em causa própria, não fosse o livro em questão nada além do revolucionário, enigmático e surpreendente Alice no País das Maravilhas, seu autor, Lewis Carroll, e as duvidas e suspeitas que cercam sua relação com Alice Liddell, que teria inspirado sua personagem mais famosa.
A cena está em The Secret World of Lewis Carroll, documentário para televisão, produzido pela BBC, que vem sendo exibido desde o início de julho, como especial que celebra o aniversário do livro infantil que, desde sua primeira edição, nunca deixou as listas de mais vendidos em todo o mundo. Explorada e debatida por especialistas, psicólogos, biógrafos e outros, a fixação de Lewis Carroll, um homem adulto, na casa dos trinta, por sua musa inspiradora – na época com dez anos de idade – é, no mínimo, suspeita, claro. Porém tanto já se falou e escreveu a respeito, sem chegar a lugar nenhum, que a equipe do programa não vai além do mais do mesmo do jornalismo de fofoca, perdendo a oportunidade de desvendar o que faz a obra ser ainda hoje tão relevante e capaz de encantar crianças e adultos.
Como o objetivo do texto são os livros, Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, estrelados pela personagem, não é minha vontade entrar no debate se Carroll era ou não pedófilo, assim como não me interessa decidir se Bentinho era mesmo corno. Cabe ao amigo leitor decidir se o autor era mesmo “uma pessoa horrível”, mas recomendando que – ainda que sua conclusão seja “sim”, “ele era uma péssima pessoa” – não deixe que o julgamento, em relação a supostos desvios morais de Lewis Carroll, desmereça ou diminua a obra.

E, em se tratando da personagem clássica, criada por Carroll, nossas livrarias estão repletas de motivos para comemorar. Tanto o primeiro livro, Alice no País das Maravilhas, quanto o segundo, Alice Através do Espelho e o que Ela Encontrou por Lá, possuem excelentes edições nacionais, como a tradução e adaptação de Nicolau Sevcenko, da Cosac e Naify, e a de Pepita de Leão e Marcia Feriotti Meira, lançamento da Martin Claret.
Merecem atenção também a edição luxo de bolso, reunindo os dois livros, publicada recentemente pela Zahar; e Alice no Jardim da Infância, da Iluminuras, que também lançou Algumas Aventuras de Silvia e Bruno, obra do mesmo autor, pouco conhecida dos leitores brasileiros.
Verdadeiro primor é a edição especial  comemorativa publicada em parceria pela Editora 34 e Livraria Cultura, As Aventuras de Alice (No País das Maravilhas e Através do Espelho), traduzida por Sebastião Uchoa Leite, trazendo as ilustrações originais, que se tornaram tão conhecidas quanto o texto, de John Tenniel.

Seja através do desenho animado da Disney, a recente adaptação para cinema de Tim Burton ou apropriações de personagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come round here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, todo mundo reconhece Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Publicado na Inglaterra Vitoriada, em 15 de julho de 1865, Alice no País das Maravilhas já surge como obra revolucionária por sua explosão de criatividade, inovação narrativa e ousadia, deixando claro que, a partir dali, a literatura infantil jamais seria a mesma. Verdadeiro divisor de águas, a obra rompe a tradição da escrita para crianças – marcadas por uma mensagem edificante e pontuadas por um fundo moral – dos autores da época e, praticamente, inventa o gênero literário infantil moderno, mais voltado a estimular o intelecto – através de jogos de palavras, charadas, questionamentos – e incentivar a imaginação.
Mas Carroll – mais por acidente do que intencionalmente – foi além do universo infantil, chegando a influenciar a literatura adulta, sendo citado por nomes que vão de James Joyce a Jorge Luis Borges, passando pelos Surrealista e ícones da cultura jovem, como John Lennon.
Apropriações de passagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come around here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, através dos anos, fizeram com que todo mundo reconheça Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Grace Slick – primeiro, com seu Great Society; depois, na gravação mais conhecida, com o Jefferson Airplane –. assim como Dylan apresentou a maconha aos Beatles, introduziu Alice ao universo do LSD, nos versos clássicos de White Rabbit: “One pill makes you larger and one pill make you small. And the ones that mother gives you don´t do anything at all”. Desde então, a menininha curiosa e aventureira de Carroll nunca mais foi a mesma.
Cinematográfica de berço, ainda que nascida antes do cinema, não faltam referências à obra dentro da linguagem áudio visual, como no universo de Matrix, por exemplo. Mas, mesmo antes da adaptação em desenho animado da Disney ou de Tim Burton, a menina protagonizou suas aventuras, através da tela grande. A primeira foi Alice in Wonderland (1903), dos diretores britânicos Cecil M. Hepworth e Percy Stow e, desde então, do cinema mudo ao falado; do preto e branco ao Tecnicolor, o livro de Carroll serviu de base para dezenas de adaptações, em diversos países – o amigo aqui indicaria o experimental e lisérgico Alice in Wonderland (1966), de Jonathan “Wolf” Miller.
As ilustrações icônicas do original, criadas por Tenniel, inspiraram mais de uma dezena de artistas a dar seu toque pessoal ao universo de Lewis Carroll, incluindo Salvador Dalí e o parceiro de Hunter Thompson, Ralph Steadman.


Alice na Casa das Rosas
Como parte das comemorações, a Casa das Rosas promove o evento 150 Anos de Alice no País das Maravilhas, no próximo domingo, com intervenção e contação de história de Camila Feltre e Rafael Copetti, a partir das 15h.
O evento também conta com exposição de trinta e dois desenhos de Sir John Tenniel.

Serviço:
Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Avenida Paulista, 37, São Paulo, tel. 0XX11 3285-6986 / 3288-9447.








domingo, 27 de setembro de 2015

Peças Faladas - Peter Handke



A Palavra Encenada de Peter Handke

Chega às livrarias Peças Faladas, contendo quatro peças do autor austríaco até agora inéditas no Brasil.
Por César Alves

No alvorecer do que seriam os conturbados anos de 1960, um jovem e desconhecido cineasta alemão sentiu-se provocado ao assistir a montagem (se é que a palavra faz sentido em se tratando do texto em questão) de uma peça escrita por um dramaturgo austríaco, também ainda pouco conhecido.
O espetáculo, que rompia com tudo o que tradicionalmente entendemos por peça teatral, indo muito além do despojamento cênico e dramatúrgico, o atingiu profundamente, ao ponto de, logo após a experiência, o cineasta sair a procura de quem o havia escrito, o que acabou dando início a uma longa e produtiva parceria.
O Jovem cineasta se chamava Wim Wenders.
A peça, Autoacusação.
Seu autor, Peter Handke.
Autoacusação é um dos quatro textos de Handke traduzidos por Samir Signeu e reunidos na antologia Peças Faladas, que a editora Perspectiva acaba de publicar, em edição bilíngüe (Alemão-Português), para o deleite dos leitores brasileiros.
Focado na produção dramatúrgica de Handke em que o autor subvertia o ato da escrita teatral, abrindo mão de todos os recursos cênicos tradicionais, limitando ao uso da palavra, além do texto que aproximou o autor de Wim Wenders, completam o livro as peças Predição, Insulto ao Público e Gritos de Socorro. Todas, até então, inéditas por aqui.
Os textos que compõem este Peças Faladas causaram polêmica, como é do feitio de seu autor, desde as primeiras montagens, devido ao estranhamento que causavam no público e não é difícil entender o motivo. Provocador de carteirinha, ao criar suas peças faladas, Handke tinha como intenção eliminar todos os recursos de palco que, para ele, davam às montagens teatrais e à experiência cênica, uma condição sensorial ilusória. Suas peças, então, teriam como único instrumento criativo e condução cênica a palavra falada.
Aqui não há encenação de um drama, tragédia ou comédia; não há personagens, uma história sendo contada ou qualquer coisa parecida; é o próprio texto que protagoniza, desenvolve e provoca a ação dramática e experiência cênica. Como nos é informado em Insulto ao Público: “Vocês não verão nenhum espetáculo. Suas curiosidades não serão satisfeitas. Vocês não verão nenhuma peça”.
Tal proposta é levada ao extremo em Gritos de Socorro, onde toda a ação é composta de recortes que parecem extraídos de campanhas publicitárias, slogans, manchetes de jornais e revistas, com o único intuito de impedir que o público se divirta.
Poeta, romancista, contista, dramaturgo e cineasta, Peter Handke possui uma série de títulos publicados no Brasil, desde meados dos anos 1970. Apesar disso, o autor é mais citado como colaborador de Wim Wenders do que lido entre os brasileiros.
Fruto da relação entre uma austríaca e um soldado nazista, durante os anos de ocupação alemã da Áustria, só depois de adulto o autor foi conhecer seu pai biológico. Ainda criança se mudou com a mãe para Berlim, passando a infância e adolescência, entre os escombros de edifícios e casas, em um país dividido e arrasado pela guerra, pela culpa e pelos crimes megalomaníacos de Hitler e seus asseclas.
Handke obteve reconhecimento cedo, aos 22 anos de idade, com a publicação de seu primeiro romance Die Hornissen, em 1966, mesmo ano em que passa a fazer parte do Gruppe 47, coletivo de autores dedicado ao debate da educação, literatura e democracia na Alemanha do pós-guerra, do qual fizeram parte também Paul Celan, Hans Magnus Hezensberg, Gunter Grass e Heinrich Boll.
Autor de diversas obras importantes, entre elas O Medo do Goleiro Diante do Penalt e Kaspar, adaptado para a tela grande em uma de suas várias parcerias com Wenders, também dirigiu seus próprios filmes, passeando com desenvoltura pelas mais varias linguagens, da poesia à prosa, do teatro ao cinema e etc.


Serviço:
Título: Peças Faladas
Autor: Peter Handke
Tradução: Samir Signeu
Editora: Perspectiva
240 páginas


terça-feira, 8 de setembro de 2015

Duna de Alejandro Jodorowsky



Duna: entre o épico de Frank Herbert e o maior filme de ficção-científica jamais realizado

De volta às livrarias brasileiras, em novas edições da Aleph, Duna não só se tornou uma das maiores séries ficcional-científicas, como  também se tornou obsessão para Alejandro Jodorowsky.
Por César Alves

Um elenco de peso que incluía Orson Welles, Salvador Dalí e Mick Jagger, entre outros; trilha sonora composta exclusivamente para a película pelo Pink Floyd; uma super produção de ficção-científica, sob a direção de Alejandro Jodorowsky. Sugiro ao amigo leitor (a) que imagine como seria tal obra, pois imaginá-la é tudo o que se pode fazer, tendo em vista que se trata de uma das mais influentes e cultuadas obras cinematográficas, jamais realizadas: Duna de Jodorowsky!
Considerada um marco na produção literária de ficção-científica moderna, Duna, que inaugura a série épica, escrita por Frank Herbert, foi publicado originalmente em 1965 e ainda hoje ostenta o título de obra de ficção-científica mais vendida em todo o mundo.
Vencedor do Prêmio Hugo de 1966 – primeiro dos muitos que colecionaria durante sua trajetória –, Duna daria início a saga que viria a se tornar uma das mais longevas do gênero, sendo seguido por mais outros cinco títulos, que estão ganhando novas edições em português, através da editora Aleph – já estão disponíveis os livros que formam a primeira trilogia: Duna, Filhos de Duna e Messias de Duna.
Num futuro distante, muito depois do desaparecimento de nossa civilização da qual, embora praticamente esquecida, ainda sobrevivem, numa espécie de memória ancestral, conceitos e tradições religiosas e filosóficas, adaptadas ao novo ambiente, a história se desenrola durante a expansão de um Império Intergaláctico, dividido em feudos planetários controlado por Casas Nobres, sob a liderança da casta imperial da Casa Corrino.
O herói da trama, Paul Atreides, é filho do Duque Leto Atreides e herdeiro da Casa Atreides, tem seu destino mudado na ocasião da transferência de sua família para o planeta Arrakis, fornecedor e única fonte no universo do cobiçado Melange, especiaria cobiçada, espécie de alucinógeno ou droga capaz de proporcionar ao usuário poderes psíquicos e extra-sensoriais inimagináveis.
É na jornada de descobertas de Paul e outros personagens do universo expandido de Duna que Herbert parte para explorar a complexidade das relações políticas, religiosas e emocionais, passando pelo debate em torno da interação entre avanço tecnológico, exploração de meios naturais e seu impacto ecológico, muito pertinente na época de seu lançamento, o que explica o fato de a série ser ainda hoje apontada como uma das mais importantes e inovadoras obras de ficção e fantasia publicadas na segunda metade do século vinte.
Não é de se admirar que a série tenha se tornado uma das franquias literárias mais cultuadas da história e recebesse uma adaptação cinematográfica, o que aconteceu em 1984, sob a direção do não menos cultuado David Lynch. O filme de Lynch, no entanto, – pelo menos para este escriba – ficou muito aquém não só do original, como também da obra cinematográfica de seu diretor.
O que nem todo mundo sabe é que a aventura audiovisual de Duna não começa com Lynch, mas quase uma década antes, como uma obsessão quase religiosa de outro cultuado diretor, o chileno Alejandro Jodorowsky, rendendo uma obra que se tornou tão revolucionária quanto lendária, mesmo que nunca tenha sido concluída.

Duna de Jodorowsky



Na primeira metade dos anos 1970, o multimídia Alejandro Jodorowsky gozava de respeito quase devoto entre a nata intelectual e artística internacional. Entre seus admiradores e colaboradores estava o ex-beatle John Lennon, por exemplo.
Personalidade do primeiro time das vanguardas latino-americanas, passeando com desenvoltura nas mais diversas funções; entre elas as de ator, diretor, dramaturgo e poeta – também psicólogo ou “psicomago”, como prefere –, era como cineasta que seu nome ganhava mais atenção. Adepto dos experimentos estéticos do surrealismo, seus projetos cinematográficos sempre foram marcados por sua obsessão inquestionável de ter controle indiscutível sob cada detalhe da produção, escrevendo, dirigindo e atuando. Postura que tinha como princípio sua visão de cinema como algo além do entretenimento e mercado e sim como expressão artística máxima, mais de linguagem, uma experiência sensorial e religiosa.
Assim foram realizados filmes como Pando y Lis (1968), El Topo (1970) e A Montanha Mágica (1973) que, mesmo considerados de público restrito, relegados às sessões especiais, exibidos após a meia noite, ganharam reconhecimento da crítica e do público, que formavam filas para assisti-los, apesar do horário.
Reconhecendo tais qualidades e baseando-se no sucesso que seus filmes obtinham entre o público europeu, seus distribuidores franceses decidiram lhe oferecer carta branca e orçamento ilimitado para seu próximo projeto. Reza a lenda que, durante a reunião com seu produtor, Michel Seydoux, lhe foi perguntado o que ele gostaria de filmar. Olhando para a estante de livros, Jodorowsky teria apontada uma das obras e respondido:
“Duna!”
Ao que foi apoiado de imediato, tendo em vista o sucesso que o livro vinha obtendo nas livrarias e a quase certeza de se repetir na grande tela. O mais engraçado é que, segundo o próprio diretor, até ali, embora soubesse do que se tratava o livro de Frank Herbert, Jodorowsky não o havia lido, o que tratou de fazer no mesmo dia, já preparando seu roteiro.
Um castelo francês teria sido alugado para funcionar como sede da equipe de pré-produção e ao diretor foi dado total controle e liberdade para contratar quem bem entendesse. Alejandro abraçou o projeto como uma verdadeira missão religiosa, cruzada revolucionária em busca de corações e mentes que fariam daquela sua obra definitiva. Para a produção gráfica, criação de storyboards e figurinos, foram convocados os geniais H. R. Giger, Moebius e Chris Foss. Com o aval de seus produtores, Salvador Dalí foi contratado, mesmo tendo exigido receber como “o ator mais bem pago da história de Hollywood”; Orson Welles teria a sua disposição o chef de seu restaurante francês predileto, como cozinheiro particular, durante as filmagens; Mick Jagger colocou-se a disposição para atuar no filme, antes mesmo de ser solicitado, ao saber das intenções do diretor de incluí-lo na película, assim como David Carradine.

Jodorowsky chegou a dispensar o responsável pelos efeitos especiais de 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, por achar que ele não abraçaria o projeto como um apóstolo devotado e sim como um investidor financeiro, preferindo o, até ali pouco conhecido, Dan O´Bannion dos filmes de John Carpenter, futuro criador da série Helloween.
Reunindo-se com os integrantes do Pink Floyd, nos estúdios Abbey Road, durante as gravações de The Dark Sido of the Moon, ficou acertado que a banda assumiria a composição da trilha sonora.
Com tudo isso, não há duvidas de que estava pronta a estrutura que faria do Duna de Jodorowsky um clássico e chega a ser inacreditável nunca ter sido concluído.
O projeto caminhava bem até esbarrar na burocracia e visão mercantilista do braço norte-americano da produção. Para apresentá-lo aos grandes estúdios de Hollywood, um storyboard, com descrições técnicas, movimentos de câmeras, cenas desenhadas por Moebius e tudo o mais, foi criado e passou pelas mãos de cada um dos manda-chuvas da indústria, recebendo elogios, mas pouca disposição para arriscar em uma obra tão ousada. Além do mais, Jodorowsky não abria mão de concluir e exibir seu filme exatamente como o concebera, recusando-se a aceitar as mudanças sugeridas pelos magnatas da indústria e, muito menos, editá-la – o filme teria cerca de doze horas de duração!
O projeto acabou engavetado, mas sua influencia sobre tudo o que foi feito depois, ainda hoje, é visível. O storyboard, concebido por Jodorowsky e Moebius, acabou circulando como um guia nas mãos de diretores e produtores da indústria, sendo suas indicações de enquadramento, movimento de câmera, estética gráfica e, inclusive, cenas inteiras, aproveitadas em obras como Star Wars, Alien, Blade Runner, Prometheus e diversas outras grandes e médias produções de Sci-Fi até hoje.

A saga de Alejandro Jodorowsky e seu Duna, aliás, foi alvo de um ótimo documentário, Jodorowsky´s Dune (2013), dirigido por Frank Pavich.



quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Absinto, Uma Historia Cultural (Livro)



A Fada Verde dos Boêmios e Artistas

Livro traça a história de uma das bebidas mais controversas e cultuadas, já criadas pelo homem, o absinto.
Por César Alves

Elixir divino, musa esmeralda capaz de ampliar e desinibir a criatividade dos artistas; ou veneno demoníaco, destilado pelo próprio Satã com o intuito de destruir a civilização?
Poucas bebidas na história da humanidade despertaram tanta controvérsia quanto o Absinto. Cantada como a fada de olhos verdes nos versos de Mussil, Charles Cros, Lord Byron , Verlane e muitos outros, tem entre seus cultores célebres nomes como Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Alfred Jarry, Picasso, Hemmingway, Hunter Thompson e Johnny Depp. Era a bebida preferida de Tolousse Lautrec que, segundo reza a lenda, teria introduzido o colega Vincent Van Gogh no vício do destilado mítico, o que, para muitos, teria agravado ainda mais o quadro esquizofrênico no qual este já se encontrava.
Muito popular na França do Século XIX, o absinto era para seus detratores símbolo de tudo o que de ruim acontecia naquele país. Estes chegavam a pedir sua proibição, o que realmente acabou acontecendo, advertindo para o fato de que a bebida acabaria por destruir a nação. Aos seus olhos, os franceses estavam tão mergulhados no vício, que logo não haveria mais França, pois metade de seu povo estaria enlouquecida pelos efeitos da bruxa verde, enquanto a outra ocupada demais amarrando a primeira com camisas de força.
Em Absinto – Uma história Cultural (Ed. Nova Alexandria), Phil Baker traça um histórico do absinto desde os primeiros registros conhecidos sobre a Artemísia Absynthia, cujas folhas são o composto básico da bebida.
De acordo com a mitologia grega, a planta, de sabor amargo e desagradável e propriedades curativas, seria um presente da Deusa Artemis ao Centauro Quíron. Baker desvenda a construção do mito de elixir dos artistas boêmios, passando pela já citada febre absintomaníaca do século XIX, quando o hábito de bebê-lo tornou-se tradição diária entre os populares franceses ao ponto de o happy hour parisiense ganhar o elegante apelido de “A hora verde”. Questiona até que ponto o absinto representava mesmo o perigo que justificasse sua proibição ou era apenas vítima de uma paranóia conservadora ainda hoje em voga – há quem defenda que a bebida deveria ser classificada como narcótico e, em meados dos anos 2000, o ex-Primeiro Ministro Britânico Tony Blair chegou a abrir o debate a este respeito, declarando publicamente que talvez fosse hora de pedir novamente sua proibição.
Praticamente banido e esquecido por quase todo o século XX, a redescoberta do absinto remete ao final da década de 1980, quando voltou a ser difundido em inferninhos do Leste Europeu em pleno declínio do regime soviético. Segundo Baker, a moda teria começado com o músico John Moore, ex-integrante das bandas The Jesus And Mary Chain e Black Box Recorder. Entusiasta do absinto, Moore foi peça chave para sua redescoberta em finas dos anos 1980.
A bebida teria voltado à moda depois de uma entrevista e uma série de artigos assinados por ele, nos quais o músico comparava o ato de preparar o absinto ao de aplicar heroína, uma vez que ambos utilizavam fogo e uma colher, de forma quase ritualística. Essa forma de preparo, com um isqueiro para ascender o liquido e derreter o torrão de açúcar, no entanto, só surgiu no Leste Europeu em de finais do século XX, o que para os tradicionalistas pode ser uma ofensa, tendo em vista a importância do ritual. Para estes, o verdadeiro Absyntheur, termo pelo qual os adoradores da bebida eram conhecidos no século XIX, sabe que deve diluir o liquido viscoso apenas com água, despejada aos poucos sobre um torrão de açúcar colocado sobre uma colher furada, própria para o preparo da dose. A graça está em observar a água serpenteando por entre o líquido verde, de preferência, ao som de Erik Satie e nada de indie rock.
Crítico literário do The Sunday Times e o The Times Literary Supplement, Phil Baker é autor de um livro sobre Samuel Becket e uma biografia de William S. Burroughs. Sua História Cultural do Absinto deixa claro que se trata de uma das bebidas mais fortes já produzidas. Logo, é bom nem experimentar. Mas o aviso é só para deixar claro que bom amigo ele é. O livro é praticamente um guia para os que pretendem se deixar levar pelos encantos da fada verde, com dicas de novas marcas, onde encontrar, teor alcoólico e tudo o que precisa saber os Absyntheurs modernos.
Mas, ainda que o leitor não tenha interesse em experimentar o elixir esmeralda ou mesmo conhecer sua história, o livro também vale pelas curiosidades envolvendo famosos adeptos do absinto e sua relação com a bebida. Uma de minhas prediletas conta que o dramaturgo Alfred Jarry, autor de “Ubu Rei”, precursor dos surrealistas e influência no Teatro da Crueldade de Antonin Artaud, tinha duas paixões, além de escrever: armas e bicicletas.
Cabelos tingidos de verde, depois de uma maratona de tudo quanto é bebida alcoólica que encontrasse – declarava-se inimigo da água, “liquido maldito que só fora criado para lavar corpos e esfregar o chão” –, tomava uma dose de absinto, um pouco de éter, escolhia uma de suas armas – tinha duas pistolas e uma carabina – e saia a pedalar pelas ruas da Paris noturna. Trabuco na cintura, ficava aguardando até que alguém perguntasse: “Tem fogo?” Era a deixa para que Jarry sacasse de sua arma e mandasse bala.

“Merdra!”

Devem ter dito alguns deles...


(Artigo publicado originalmente na revista Brasileiros, em janeiro de 2011, com o título O Elixir Verde da Boemia)



segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Ficção Científica no Cinema Brasileiro (Livro)



Arquivo-B, a Ficção-científica no Cinema Brasileiro

Atmosfera Rarefeita, de Alfredo Suppia, promove uma jornada ao quase desconhecido universo do cinema de ficção-científica praticado no Brasil.
Por César Alves

De tão incorporado a nossa vida cotidiana, nem parece que, quando surgiu, o cinema era feito algo saído da ficção científica. Assim como poucos gêneros literários parecem ter sido feitos sob medida para o que viria a ser chamado de linguagem cinematográfica – muito antes de ela sequer existir, como é característico do estilo – quanto o explorado por mestres como Julio Verne, H.G. Wells, Phillip K. Dick, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Robert Heinlein, Ray Bradbury e etc, de uma lista imensa demais para citar todo mundo.
Dos experimentos visuais e colagens dos efeitos especiais avant la lettre de Georges Meliés, que resultaram em obras memoráveis como Viagem à Lua (1902), passando pelos B-movies de Ed Wood, 2001: Uma Odisséia no Espaço, Blade Runner, Alien, o Oitavo Passageiro, os mega-orçamentos e bilheterias de Steven Spielberg até chegarmos aos recentes Avatar, Eu, Robô e outros, a parceria Cinema e FC parece longe de chegar ao fim.
Além da industria de Hollywood, a ficção-científica aparece no cinema russo, alemão – Metrópolis (1927), de Fritz Lang é um marco –, japonês, entre outros; se você acha que Truffaut atuando em Contatos Imediatos do Terceiro Grau é o mais perto que a Novelle Vague esteve do gênero, lembre-se de Alphaville (1965) de Godard e a lista segue adiante.
“E no Brasil?” Pode estar se perguntando o amigo leitor ao que respondo com a sugestão de uma leitura, tão agradável quanto obrigatória, de Atmosfera Rarefeita – A Ficção Científica no Cinema Brasileiro, de Alfredo Suppia, publicado pela editora Devir.
“Minha entrada no cinema não foi planejada. Na verdade, comprei minha primeira câmera para ver se conseguia filmar um disco voador”, confessou-me mais de uma vez Ozualdo Candeias, responsável por obras emblemáticas de nosso áudio visual, como A Margem (1967).
Apesar de nunca ter realizado um Sci-Fi Rural, infelizmente, o fato de Candeias ter passado de caminhoneiro à cineasta por influência dos aliens é simbólico sobre o quanto nós fomos feitos para o gênero. Convenhamos, esse país parece coisa de outro planeta e chega a ser imperdoável que a trama de um filme como Distrito 9, não tenha sido pensada por um cineasta brasileiro. Como não poderia deixar de ser, nossa aventura cinematográfica está cheia de visitas de óvnis, viagens no tempo, cientistas loucos e suas experiências catastróficas ou cômicas, desde o início.
Já em 1908, descrita como “fita cômico phantastica”, a comédia Duelo de Cozinheiras, de Antonio Leal, já trazia características do gênero. Mas é no ano de 1947, com a estréia de Uma Aventura aos 40, de Silveira Sampaio, que um longa ousaria imaginar o mundo do futuro, imaginando o Brasil no distante ano de 1975. A partir daí marcianos desfilaram na avenida em Carnaval em Marte (1954), de Watson Macedo; Carlos Manga introduziu a guerra pela supremacia tecnológica da Guerra Fria em O Homem do Sputnik (1959), cientistas brasileiros promoveram a conquista da lua em Os Cosmonautas (1962), de Victor Lima; e até Nelson Pereira dos Santos flertou com o futuro apocalíptico zumbi de George Romero em Quem é Beta (1973).
Didi, Dedé, Mussum e Zacarias foram ao “Planalto” dos Macacos e lutaram na Guerra dos Planetas e, de sátiras eróticas como O ETesão (1988) até sucessos recentes como O Homem do Futuro (2011) o cinema brasileiro produziu tanta ficção científica quanto as curvas futuristas de Niemeyer poderiam sugerir.
Membro da Sociedade Brasileira para Estudos do Cinema e do Audiovisual, professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), autor de diversos textos sobre cinema e fundador da Zanzalá, primeira revista acadêmica dedicada ao estudo de ficção científica e fantasia do Brasil (http://www.ufjf.br/lefcav/revista-zanzala), Alfredo Suppia nos oferece um excelente estudo que vai além da pesquisa histórica e avaliação crítica, resultando numa obra única e indispensável.


Serviço:
Título: Atmosfera Rarefeita – A Ficção Científica no Cinema Brasileiro
Autor: Alfredo Suppia
Editora: Devir
400 páginas



terça-feira, 18 de agosto de 2015

O Coração das Trevas em Quadrinhos e o Holocausto Negro do Congo



As Profundezas do Lobo do Homem no Congo Belga e Joseph Conrad em Texto e Imagem

Fruto da experiência pessoal de Joseph Conrad, durante sua estadia no Congo, em plena colonização genocida belga e um dos mais intensos cânones da literatura universal, O Coração das Trevas, ganha adaptação para quadrinhos.
Por César Alves

Certa manhã, no limiar do século XX, missionários europeus, dedicados a espalhar a boa nova entre os selvagens da África e salvar da danação suas pobres almas condenadas, receberam um cesto pesado. A princípio, acreditaram tratar-se de um presente, uma demonstração de gratidão dos nativos aos arautos da santidade entre os homens.
O Horror! Não eram frutas nativas.
O Horror! Estava cheia até a borda.
O Horror! Dezenas de mãozinhas negras decepadas.
O Horror! Membros, separados dos corpos de crianças nativas, para castigar seus pais rebeldes.
O Horror! O conteúdo do cesto era o resultado de mais de duas décadas da colonização belga, perpetradas pelos homens de boa vontade.
O Horror! Um dos maiores e mais terríveis massacres, hoje esquecido pelos livros de história.
O Horror! Cerca de 13 milhões de mortos!
O Horror! O silêncio sepulcral de Deus quase tão sombrio quanto o silêncio dos homens de bem, frente aos massacres em nome civilização e do progresso.
Apelidado de “O Açougueiro do Congo”, foi como filantropo, o bom monarca que, em socorro ao sofrimento do povo africano, empreende uma missão civilizadora e humanitária para curar os doentes, educar os ignorantes e alimentar os famintos do Congo, Leopoldo II assumiu um dos poucos territórios ainda inexplorados, durante o neo-colonialismo europeu na África.

Terreno difícil, selva invencível, o Congo era o inferno, mesmo para exploradores experimentados. No final do século XIX, ainda evitado pelas nações ricas que investiam e lucravam com a exploração das riquezas dos territórios vizinhos.
Ambicioso, Leopoldo II chegou ao poder como o soberano que iria mudar o papel de seu país na história. A Bélgica havia ficado de fora da colonização do Novo Mundo, era vista como uma nação pacífica e próspera, mas sem grande atuação no jogo político internacional. Vencer o inferno do Congo poderia ser a cartada definitiva para mudar o jogo. Mas a empreitada era por demais arriscada. As chances de fracasso eram imensas e, ainda que obtivesse sucesso, os lucros certos com as riquezas naturais levariam tempo para cobrir as despesas da aventura.
Para evitar jogar a conta no tesouro belga, o rei arquitetou um plano para financiar equipamentos, armas e mão de obra, sem tirar do próprio bolso. Fundou, em seu nome e em nome de seus parentes, diversas associações filantrópicas de fachada e, através delas, arrecadou os fundos necessários, sob a alegação de tratar-se de uma expedição humanitária. Algo bem parecido com o golpe de políticos, ativistas inescrupulosos e ONGs falsas de hoje em dia. Na verdade, sua majestade tinha verdadeiro interesse era na riqueza de marfim e extração de borracha – o potencial das riquezas minerais da região ainda não tinha sido percebido, mas o leitor não está errado se pensou nos “Diamantes de Sangue”, que não é nada mais do que um dos capítulos mais recentes dessa mesma tragédia.
Os trinta anos de dominação belga no Congo, resultou num número aproximado de 13 milhões de mortos. Portanto, quando você pensar nos grandes genocídios da história, lembre-se também do Holocausto Negro no Congo; quando falarem em campos de trabalhos forçados e de extermínio, pense no estupro de mulheres negras liberados para soldados e emissários do rei e no único caso conhecido na história de um povo e um país inteiro como propriedade e mão de obra escrava de um individuo, o Rei Leopoldo.
Quando ler sobre a crueldade perpetrada por grupos paramilitares, milicianos e guerrilheiros nas florestas africanas de hoje, pense no “Manual de Dominação e Condicionamento”, elaborado pelos alto-funcionários da coroa belga em fins do século dezenove, que incluía tortura, desmembramento, decapitação e cabeças enfiadas em estaca, como forma de imposição da ordem, ainda hoje usado para educar os integrantes dos grupos citados anteriormente.

O horror, segundo Joseph Conrad, em quadrinhos
Ainda hoje praticamente ignorado pelos livros de história, a tragédia colonial do Congo não passou despercebida pela literatura e acabou gerando uma das obras mais importantes de literatura universal, através da pena mestra de Joseph Conrad, autor de O Coração das Trevas e testemunha ocular do massacre – Conrad seguiu a carreira de marinheiro por 16 anos, experiência que foi base para sua obra. Em um de seus últimos empregos marítimos, o autor trabalhou para uma empresa de exploração belga, justamente conduzindo um barco a vapor através do Rio Congo. O período de dominação de Leopoldo II.
A obra, que já ganhou duas adaptações para cinema e pode ser encontrada em diversas traduções em nossas livrarias, acaba de chegar às nossas prateleiras em adaptação para os quadrinhos.
Roteirizado pelo premiado dramaturgo norte-americano, David Zane Mairowitz, com desenhos de Catherine Anyango, do Royal College of Arts of London, e tradução para o português de Ludimila Hashimoto, no ótimo lançamento da heróica editora Veneta.

Inspiração para o roteiro de Apocalypse Now de Francis Ford Coppola, O Coração das Trevas narra a saga do capitão Charles Marlow e sua busca pelo misterioso senhor Kurtz. Lobo do mar e aventureiro, Marlow se vê entediado após longo período sem trabalho. Para quem tem em um navio seu único lar e na vastidão do mar sua única pátria, nada pior que terra firme. Contratado por uma companhia inglesa de exploração de marfim, Marlow assume o comando de um barco a vapor. É enviado a uma colônia africana para, pelo rio, transportar de um posto a outro o produto extraído da selva. Antes, no entanto, é incumbido de resgatar o senhor Kurtz, funcionário que dirige o posto mais produtivo, localizado na parte mais alta e inóspita da rota. A busca por Kurtz mergulha Marlow em uma jornada sombria em direção às profundezas da selva e da alma humana.


Serviço:

Título: O Coração das Trevas
Autores: Joseph Conrad, David Mairovitz e Catherine Anyango
Editora Veneta
128 páginas




segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A Jornada do Escritor - Christopher Vogler (Livro)




A Jornada Heroica do Autor

Depois de anos fora de catálogo, A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler, volta às livrarias brasileiras em nova edição da editora Aleph.
Por César Alves

Em conversas com amigos já disse mais de uma vez que a única regra válida para a escrita criativa é a de regras existem para ser quebradas. Não se aprende a ser criativo; não se ensina a ser escritor, o artista forma-se e, formando-se, desenvolve, inventa e reinventa suas próprias formas e linguagens.
Mas isso não significa que a arte de contar histórias não possui suas próprias formas inevitáveis e que o bom contador de histórias deve ignorá-las. Conhecê-las bem, aliás, mesmo que para subvertê-las, como é do feitio de escritores realmente bons, é quase uma obrigação. Como defende Christopher Vogler forma não significa fórmula e é às formas que compõe uma grande história a que se dedica em seu A Jornada do Escritor, que após anos longe de nossas prateleiras ganha nova edição em português pela editora Aleph.
Desde que o herói Gilgamesh empreendeu sua epopéia no poema épico da Mesopotâmia, registrados em escrita cuneiforme em placas no século sétimo antes de Cristo, até a última aventura de Batman ganhar as telas dos cinemas e faturar milhões em bilheteria; passando pelo bravo Odisseu e sua argúcia para vencer as armadilhas de Posseidom em sua jornada de volta a Ítaca, depois de vencer praticamente sozinho a guerra contra os troianos, com a brilhante estratégia do cavalo de madeira, certas características na narrativa de uma aventura continuam as mesmas.
Tais características e passagens, denominadas A Jornada do Herói, foram tema recorrente na obra de Joseph Campbell, especialista em mitologia e religião comparada norte-americano. Em sua obra O Herói de Mil Faces, Campbell disseca passagens recorrentes na trajetória heróica dos mitos ancestrais, tanto na mitologia clássica, quanto na bíblica e cristã, de Homéro a Shakespeare, tais como O Chamado à Aventura e A Descida aos Infernos, por exemplo. Foi justamente inspirado em O Herói de Mil Faces, de Campbell, que Vogler desenvolveu seu A Jornada do Escritor.
O livro apropria-se dos tópicos abordado pelo genial mitólogo norte-americano em seus estudos obrigatório, usando uma linguagem atual e acessível, fazendo uso não só dos exemplos mitológicos clássicos de Campbell como também de obras contemporâneas como a trilogia Star Wars, de George Lucas, entre outras, por exemplo.
Além de Campbell, Vogler baseou-se nos estudos de Carl G. Jung sobre arquétipos e Inconsciente Coletivo para estruturar seu livro que é considerado uma das obras mais importantes sobre estrutura literária hoje, utilizada como guia por escritores de roteiros cinematográficos, peças de teatro e literatura.
Longe de ter a intenção de estabelecer fórmulas – o próprio autor sugere aos seus leitores que as desconstrua, afinal, a simples leitura do livro não faz de ninguém um escritor –, a obra oferece uma série de dicas e observações importantes para se compreender o processo de construção de uma narrativa, como amarrar bem uma história e, através de uma leitura atenta, ajudar na formação de escritores como escrever com maestria.
Consultor de grandes estúdios, o autor colaborou com filmes de grande sucesso como O Rei Leão, Clube da Luta e Cisne Negro, entre outros. Leitura indicada tanto para estudantes e profissionais das mais diversas áreas da escrita criativa, quanto para leigos.

Serviço:
Título: A Jornada do Escritor
Autor: Christopher Vogler
Editora: Aleph
488 páginas





quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Cantatas de J.S. Bach - Alfred Dürr (livro)



Compendio do Êxtase Divino

Com acabamento gráfico belíssimo e pesquisa digna de sua importância, finalmente chega às nossas livrarias a primeira edição brasileira das Cantatas de J. S. Bach, de Alfred Dürr.
Por César Alves


Segundo Lewis Thomas (1913-1993), “musica é nosso esforço para explicar a nós mesmos o funcionamento de nosso cérebro”. O argumento tenta explicar o êxtase experimentado – mesmo em se tratando dos ouvintes não familiarizados com música erudita – durante a execução das composições de J. Sebastian Bach. Segundo o médico, biólogo, escritor e poeta, entre as diversas atividades que exerceu, “quando ouvimos Bach, ouvimos a manifestação da própria mente humana”.
Sendo o cérebro humano morada de nosso sentido de existência, a mente – que também pode ser traduzida por alma, conforme o gosto do leitor – é o templo filosófico intimo e interior do humano como indivíduo, onde a razão científica e a graça religiosa oram juntas e, na musica – seja sacra ou profana –, mesmo os mais racionais dos materialistas, entre os homens, entram em comunhão com o que talvez não encontre uma tradução melhor além de divino. Para Lewis, J. S. Bach não apenas comunica-nos a nós mesmos como indivíduos, como também, dentre todos os grandes compositores da história, foi quem melhor traduziu nossa civilização como espírito coletivo.
Leigo que sou – há gente muito mais gabaritada do que eu para explanar sobre Lewis Thomas e J. S. Bach –, minha interpretação pode ser um disparate pretensioso ou quase uma ofensa aos argumentos de Lewis em defesa de seu compositor favorito. Embora não seja de toda sem sentido.

Conta-se que, certa vez, ao ser questionado sobre que mensagem ele enviaria a uma possível civilização, distante no tempo e no espaço, para exemplificar o que a raça humana tinha de mais gracioso e belo, sem pestanejar, teria respondido: “Eu enviaria toda a obra de Bach”. Sua sugestão foi acatada e, em 1977, junto com a Voyager 1 – atualmente o objeto de fabricação humana mais distante a vagar no universo –, seguiu um disco dourado que deveria apresentar nossa espécie a possíveis outras civilizações alienígenas, incluindo o compositor das peças que compõem Cantatas, livro assinado pelo musicólogo Alfred Dürr (1918-2011), que finalmente ganha edição brasileira graças ao excelente projeto da editora da Universidade Sagrado Coração (Edusc).
Publicado originalmente em 1971, As Cantatas de J. S. Bach, desde o início, atraiu a atenção não só de especialistas e músicos eruditos, como também do grande público. Fruto de anos de dedicação meticulosa de seu autor, a obra reúne parte considerável da produção do maior compositor alemão do período Barroco.
Considerado um dos maiores especialistas na obra do autor de peças inconfundíveis para qualquer um que possua um aparelho auditivo – tanto profundos conhecedores quanto leigos –, de Jesus Alegria dos Homens e Tocata em Ré Menor – ainda há teorias conspiratórias que põem em dúvida Bach como verdadeiro autor da última, é bom lembrar –, o berlinense Alfred Dürr debruçou-se sobre o tema de forma aprofundada, resultando num trabalho ainda inigualável e estudo indispensável para musicólogos, músicos, admiradores da musica clássica e erudita, mas nem por isso, incompreensível para leigos.

Obra de valor incontestável, a versão brasileira que acaba de ser lançada, não foi missão das mais fáceis e demandou dedicação apaixonada e trabalho exaustivo de todos os envolvidos. A idéia de traduzir o livro de Dürr surgiu em 2002, mas o projeto ficou parado até 2010 e, entre aprovação do projeto pela Lei Rouanet, captação de verbas, revisões, formatação estética e adaptação, o mais fiel possível, do original em alemão para o português, tendo como objetivo único nada abaixo da perfeição, até que o calhamaço de cerca de 1.400 páginas chegasse até os leitores brasileiros, representou uma verdadeira Via Sacra. O resultado – e o leitor pode conferir por conta própria –, certamente, valeu a pena. A belíssima edição da Edusc, desde já, merece lugar de destaque entre os melhores lançamentos do ano.
Considerado um dos maiores monumentos da musica ocidental, o conjunto das Cantatas de Bach está diretamente ligado ao legado luterano. Durante sua vida, J. S. Bach compôs mais de mil peças musicais, buscando inspiração e apropriando-se dos mais diversos gêneros musicais da época, do folclórico ao religioso, de temas sacros ao materialismo profano, mais de dois terços de sua produção, dedicado a Igreja Luterana.
Na verdade, não há como separar Bach do perpetrador das Reformas, Martinho Lutero, apesar do quase um século e meio que separam o nascimento do primeiro, depois da morte do segundo. Também musico, foi Lutero quem redefiniu o papel do canto nas congregações cristãs, até aqui obrigatoriamente em latim ou grego, ao permitir a composição de cânticos na língua local para que fossem compreendidos pelos fies das igrejas, além de fazer a primeira tradução para o alemão do texto da Bíblia – o que lhe valeria a excomunhão.
 Gênio precoce, aos 14 anos, J. S. Bach compôs sua Cantata Número 4, justamente inspirada no cântico Christ Lag In Tades Bonden (Cristo Está nos Domínios da Morte), composto por Lutero.
Tido como o maior nome do Barroco Alemão e Cânone Maior da Musica Ocidental, pode parecer estranho que Bach não tenha gozado de grande fama em vida. Era pouco conhecido fora de seu país e, para se ter uma idéia, quando veio a falecer, aos 65 anos, em 1750, sequer foi considerado importante para ter uma lápide com seu nome, ao ponto de ser preciso escavar cerca de 47 covas, em 1894, para encontrar seus restos que, desde 1950, descansam na Igreja Thomaskirche, em Leipzig, à qual dedicou sua vida.


Serviço:
As Cantatas de J.S. Bach
Autor: Alfred Dürr
Editora: Edusc
1.400 páginas



quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A Barbárie dos Homens e a Paixão do Menino, Segundo Dostoiévski




A Barbárie dos Homens e a Paixão do Menino, Segundo Dostoiévski

Distintas na forma e conteúdo, Recordações da Casa dos Mortos e O Pequeno Herói estão diretamente ligadas à jornada do autor russo aos Infernos do Cárcere.
Por César Alves

1849 foi um ano ruim para Fiodór Dostoiévski.
Encarcerado, sob a acusação de conspirar contra o czar Nicolau I, e a espera de um julgamento, cujo veredicto, conforme o autor talvez já esperasse, seria culpado. O que pode ter causado surpresa foi a sentença e condenação, pena de morte, já que, na época, Dostoiévski gozava de certa notoriedade, como um dos mais promissores jovens talentos da literatura de seu país, graças a boa recepção de Gente Pobre (Editora 34), seu livro de estréia, publicado três anos antes.
Acompanhado de seus supostos cúmplices de conspiração, Dostoiévski chegou a ficar de frente com o pelotão de fuzilamento e vislumbrar o olhar frio e sentir o odor de necrose e o bafo da Morte em seu cangote. No último instante, no entanto, quando os atiradores já estavam a postos e prestes a efetuar os disparos, um emissário do governo aparece com um documento que substituía a pena máxima por quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria, seguida de mais cinco anos servindo como soldado voluntário do exército russo. Mais para encenação cruel e sádica, com o intento de quebrar de vez o espíritos dos inimigos do Estado, do que demonstração de benevolência política, certo é que o episódio seria o primeiro dos muitos, durante o martírio penal, que marcaria de forma indelével sua obra e biografia.
O drama prisional do mestre russo está diretamente ligado a dois excelentes títulos recém chegados às livrarias brasileiras, Recordações da Casa dos Mortos (Nova Alexandria) e O Pequeno Herói (Editora 34).
O primeiro, também conhecido por Notas da Casa dos Mortos, é uma edição revista, de capa dura, da tradução de Nicolau Peticov, que andava sumida das prateleiras. Inspirado em suas anotações clandestinas – o autor foi proibido de escrever, durante o cumprimento de sua pena –, sobre sua experiência nos campos de trabalhos siberianos e suas conversas com outros condenados, realizadas entre 1850 e 1854.
Originalmente, a obra foi publicada em capítulos, de 1860 à 1862, no periódico Mundo Russo. Escrito como romance, Recordações da Casa dos Mortos conta história de Aleiksandr Pietrovitch, assassino confesso de sua esposa seus dias de tormento como condenado a trabalhar na franquia siberiana do Inferno, pelas quais também passou seu criador. E é justamente esse tempero autobiográfico que faz do livro mais do que um romance.
Embora construída como ficção, a obra é dotada de inegável conteúdo documental. Trata-se de um rico, minucioso e brilhante estudo sobre a miséria humana, análise social e psicológica e depoimento quase pessoal sobre o cotidiano brutal de condenados e carcereiros, oprimidos e opressores; o inconsciente conflituoso entre sentimentos de fúria, resignação, apatia e revolta, num caldeirão de violência e miséria.

O Menino e o Sexo
Talvez por ser parte da produção de seus dias de cárcere – escrito na prisão, entre julho e dezembro de 1849 –, O Pequeno Herói pode surpreender alguns leitores de Fiodor Dostoiévski, por parecer tão distante do contexto sombrio em que o autor se encontrava ao concebê-lo e que se fez presente em grande parte de sua obra.
Uma leitura das cartas que o autor escreveu para seu irmão do cativeiro, no entanto, pode apontar a narrativa como fruto direto do impacto sobre o autor da percepção do verdadeiro valor do convívio social e grandeza encontrada num raio de sol sobre seu rosto. Algo que, não só os dotados da sensibilidade artística, mas todo o gênero humano só venha a se dar conta quando uma vez tendo sido privado.
Análises pretensiosas à parte, aqui, o ambiente descrito é composto de belas paisagens, passeios e manhãs ensolaradas de dias de verão, clima pouco explorado por Dostoiévski na maioria de suas criações. Assim como pode parecer também a trama, que gira em torno da descoberta do amor por um garoto de dez anos de idade.
Narrado em primeira pessoa por um menino, o texto nos é apresentado como relatos de suas memórias em relação a acontecimentos que marcaram o fim de sua primeira infância. Em seu relato ele descreve os dias daquele verão em que se apaixonou pela primeira vez. Amor impossível, como é sempre nessa fase, por uma mulher mais velha e casada.
Dotado de uma poesia singela, O Pequeno Herói explora o começo do fim das inocências infantis, o despertar do amadurecimento – há uma bela simbologia na passagem em que o protagonista decide montar um cavalo selvagem e quase morre, na tentativa de impressionar sua musa – de forma quase inocente. E, quando digo quase inocente, é porque Dostoiévski nunca é inocente.
Uma leitura mais atenta deixa claro, logo nas primeiras páginas, que mais que o despertar do amor, o autor também fala sobre a descoberta dos desejos sensuais na infância, bem antes daquele famoso médico de Viena.
Nosso herói, a principio, também volta sua atenção à uma moça mais jovem, a mais bela e jovem, por quem o menino se sente atraído, mas de uma forma diferente da atração que sente por sua musa. O que o atrai aqui, está mais ligado às suas belas formas. Percebendo isso, a garota acaba se aproveitando disso para atraí-lo e pregar-lhe peças, como, por exemplo, quando ela pede a ele para se sentar em seu colo e, entre um cafuné e outro, desfere-lhe pequenas torturas com beliscões dolorosos. Com sua primeira Famme Fatale, acaba descobrindo que a beleza do objeto de desejo, quase sempre, vem acompanhada de uma crueldade que beira o sadismo.
A tradução é de Fatima Biancchi e ilustrada com gravuras de Marcelo Grassman

Serviço:
Título: Recordações da Casa dos Mortos
Autor: Fiodór Dostoiévski
Editora: Nova Alexandria

Título: O Pequeno Herói
Autor: Fiodór Dostoiévski
Editora: 34




terça-feira, 2 de junho de 2015

Linhas de baixo, riffs de palavras e livros de musica - Livros


Linhas de baixo, riffs de palavras e livros de musica

Das memórias de Peter Hook sobre os dias do Joy Division, passando pelo The Cure, ao nascimento da New Wave brasileira, na biografia de um de seus artífices, Kid Vinil, as historias do pós-punk invadem nossas livrarias com o lançamento de ótimos títulos.
Por César Alves

Desde criança, sempre gostei de musica e sempre gostei de histórias, ficcionais ou não e independente da forma como eram contadas. Sendo assim, logo que comecei a ter algum dinheiro, através de bicos e, principalmente, quando passei a ter um salário – miserável, diga-se de passagem –, como Office-boy, por volta dos 14 anos, não é de se estranhar que boa parte de meus gastos pessoais tenham sido na aquisição de discos e livros.
A conversa fiada autobiográfica não é de toda sem sentido. Serve para ilustrar o motivo da empolgação do amigo que vos escreve em relação ao verdadeiro tema deste texto: os mais do que bem vindos livros Unknown Plesures – Joy Division, de Peter Hook, Nunca é o Bastante – A História do The Cure, de Jeff Apter, e Kid Vinil – Um Herói do Brasil, de Ricardo Gozzi e Duca Belintani, das editoras Seoman e Edições Ideal – a segunda, responsável pela biografia de Ian Curtis, também citada aqui.

Sobre jovens e o peso em seus ombros

Poucas bandas na história do rock podem ser comparadas ao Velvet Underground no que diz respeito ao culto e o impacto de sua influência sobre as gerações que as seguiram. Dentre elas se inscreve o Joy Division.
Formado em Manchester por quatro garotos da classe operária sob o nome Warsaw – referência a canção Warszawa, faixa do cultuado álbum Low, da não menos cultuada trilogia de Berlim de David Bowie e Brian Eno –, o Joy Division possui tudo o que é preciso para justificar o culto em torno de sua historia: uma produção tão curta quanto impactante, formada por dois álbuns que se tornaram clássicos, Unknown Plesures (1979) e Closer (1980); originalidade musical e lírica marcantes, atitude e, principalmente, uma biografia marcada pela tragédia.
Eram os dias caóticos e sombrios da segunda metade da década de 70 e, influenciados pela fúria sonora verborrágica do punk rock, os amigos de escola Bernard Summer e Peter Hook, respectivamente guitarra e baixo, se uniram ao baterista Stephen Morris e ao cantor e letrista Ian Curtis para dar início à sua própria banda. É justamente na figura de Curtis que se apóia o dado trágico citado no parágrafo anterior.
Suas letras intensas e carregadas de poética e urgência niilista, associadas à sonoridade sombria e clima tenso, marcado, principalmente, pela produção e Martin Hannett, foram essenciais para criar a aura glacial comumente associada à banda. Seu suicídio, pouco antes de sua banda embarcar para uma turnê pelos Estados Unidos, o que poderia dar início a uma promissora carreira internacional, foi mais do que suficiente para completar o mito – não totalmente desprovido de verdade – do gênio atormentado e deprimido que antecipa o outono de sua existência no auge de sua primavera criativa e torná-lo, junto com sua banda, alvo de inúmeros livros e reportagens – algumas boas, outras nem tanto –, explorando tal imagem.
É justamente por confirmar e, ao mesmo tempo, desmitificar tais características – que vieram se tornar verdadeiros clichês, quando se fala de Ian Curtis e do Joy Division –, mas, principalmente, por lançar novos pontos de vista sobre sua trajetória que as duas obras disponíveis agora nas livrarias brasileiras são especiais.
Lançado recentemente pela editora Seoman, o primeiro, Unknown Pleasures – Joy Division, escrito pelo baixista da banda e, mais tarde, junto com os outros sobreviventes, fundador do New Order, Peter Hook, o livro oferece uma visão interna sobre a história, do ponto de vista de quem participou dela desde o início.
Na condução das quatro cordas de seu contrabaixo, passando por palcos de inferninhos, estúdios de gravação e bastidores de shows, Hook protagonizou e ajudou a construir a historia que narra, de forma honesta e leitura agradável, de seu ponto de vista privilegiado. Embora, humildemente, o baixista não se considere o dono da verdade, como diz em vários momentos, sua versão dos fatos é um relato detalhado e apaixonado daqueles dias de quem esteve e consegue colocar o leitor no olho do furacão que foi a trajetória de sua banda. É como um garoto em uma banda que Hook conta sua história sobre quatro amigos conquistando seu espaço no explosivo nos subterrâneos do rock europeu, com descrições detalhadas de cada uma das apresentações, momentos engraçados e até escatológicos, uso abusivo de álcool e drogas, mas principalmente amizade.
Tocando à Distância, de Deborah Curtis, apresenta uma visão mais íntima e pessoal, focada na persona de Ian Curtis, com quem a autora foi casada e teve uma filha. Publicado no Brasil ano passado, o livro é considerado item essencial para compreender seu biografado na intimidade. Narrativa intensa e comovente, contém imagens da vida familiar de Ian Curtis, além de lançar luz sobre os motivos que o levaram a cometer o ato final que marca sua trajetória – um coração dividido entre as glórias e os excessos de um rock star e o pai de família, entre o amor pela esposa e a amante e, para piorar, a saúde comprometida pela epilepsia. O livro foi a base para a cinebiografia, Control, de Anton Corbjin,e traz prefácios de Jon Savage e Kid Vinil. A publicação é da Edições Ideal.

Jumping Someone Else´s Train

Pela mesma editora, acaba de sair também Nunca é o Bastante – A História do The Cure.
A historia do Cure é como a de diversas bandas ao redor do mundo. Começa com garotos inventando formas para vencer o tédio na cidade de Crawley, Sussex, Inglaterra, até alcançar o estrelato como uma das principais bandas do pop britânico da década de 80.
Falar sobre o The Cure é falar sobre Robert Smith, líder e único integrante permanente em todas as diversas formações que a banda teve até os dias de hoje. Apaixonado por rock desde que, ainda na infância, teve contato com os discos dos Beatles e viu uma apresentação de Jimi Hendrix pela tevê, foi através de David Bowie que Smith aprendeu a importância da imagem para a construção estética de um artista. Lição que seguiria à risca desde o início da banda que formaria com os amigos, sob a inspiração do Punk e do pós-punk em meados dos anos 70.
Também autor de uma biografia sobre os Red Hot Chilli Peppers, o australiano Jeff Apter fez uma série de entrevistas com os integrantes do Cure e seu líder para construir um relato detalhado de sua história em suas diversas fases, disco a disco, turnê a turnê, incluindo suas passagens pelo Brasil, resultando numa obra, no mínimo, indispensável, para fãs ou não.

Adicionar legenda
O Herói do Brasil

“Na hora do almoço a minha fome é de leão. Abro a marmita e o que vejo, feijão. Chega o fim do mês, com toda aquele euforia. Todos ganham bem e eu aquela micharia”. Nos anos de minha primeira infância, assim como todos os garotos da época, sabia cantar de cor a letra desse sucesso das rádios e programas de auditório, mas só alguns anos depois, quando comecei a trabalhar – e aqui está o link com o parágrafo que abre este texto, é que fui entender de verdade do que falava a musica interpretada por Kid Vinil, à frente de seu Magazine.
Não só como cantor do Magazine, mas também como líder dos Heróis do Brasil, Antonio Carlos Senefonte, o Kid Vinil, fez sucesso da década de oitenta com outros sucessos, como Tic, Tic, Nervoso, mas seu papel na construção do rock brasileiro de sua geração e para as gerações vindouras vai muito além disso, como o leitor pode conferir na biografia autorizada Kid Vinil, O Herói do Brasil, de Ricardo Gozzi e Duca Belintani.
De auxiliar de Departamento Pessoal a executivo da gravadora Continental, passando pelo início do punk brasileiro, como vocalista do Verminose, os sucessos nacionais citados acima e o processo hercúleo para trazer aos ouvintes e fãs de musica o que se passava no universo da musica pop internacional, tanto como radialista como apresentador de tevê, a vida de Kid Vinil, que se confunde com a do próprio pop brasileiro, é aqui narrada de forma leve e divertida, contando com depoimento do próprio biografado, familiares, parceiros e gente como Fabio Massari, Fernando Naporano e outros dos que o ajudaram a construir essa historia.

Serviço:

Livros:
Título: Unknown Pleasures – Joy Division
Autor: Peter Hook
Editora: Seoman
392 páginas

Título: Tocando a Distância
Autor: Deborah Curtis
Editora: Edições Ideal
328 páginas

Título: Nunca é o Bastante – A História do The Cure
Autor: Jeff Apter
Editora: Edições Ideal
336 páginas

Título: Kid Vinil – O Herói do Brasil
Autor: Ricardo Gozzi e Duca Belintani
Editora Edições Ideal

160 páginas