sexta-feira, 22 de abril de 2016

Cinefilia na Alcova - Cinema Explícito




Cinefilia na Alcova

A representação cinematográfica do sexo através da história é tema de Cinema Explícito, livro de Rodrigo Gerace.
Por César Alves

Representado de forma sugerida, simulada ou explícita, o sexo divide a mesma alcova com o cinema, em cumplicidade lasciva, desde o surgimento do cinematógrafo. Ainda assim, poucos são os estudos sérios e aprofundados sobre o sexo no cinema a ir além das preliminares. Talvez, devido ao elevado nível de tabu e controvérsia que – surpreendentemente, em pleno século 21 – ainda gira em torno do tema, são poucos os estudiosos que ousam passar do flerte ou, diante do assunto, antecipar a broxada.
Não é o caso de Rodrigo Gerace, autor de Cinema Explícito – As Representações Cinematográficas do Sexo, lançado recentemente pela Editora Perspectiva em parceria com as Edições Sesc. Resultado de sua tese de doutorado, a obra faz justiça ao que se propõe, promovendo um mergulho aprofundado na maneira como o ato sexual vem sendo mostrado no cinema, do nascimento do gênero até os nossos dias.

Sociólogo e Crítico de Cinema, Gerace se viu seduzido pelo tema a partir de sua paixão pela sétima arte e, depois de assistir à exibição de Os Idiotas (1997), de Lars Von Trier, suas interrogações sobre o erótico e o pornográfico, o implícito e o explícito e o que faz uma película cinematográfica ser considerada obscena. A partir daí o autor empreendeu uma extensa pesquisa que incluiu assistir a cerca de mil filmes e uma jornada pela Europa em busca de museus e acervos de colecionadores particulares.
O autor parte dos primeiros filmes com temática “erótica”, ainda na fase inicial da sétima arte. Eram filmes como Sandow: Strong Man (1894) de Thomas Edson, que, de tão inocentes para os padrões de hoje em dia, dificilmente dá pra acreditar na polêmica que causaram. O Beijo (1896), dirigido por William Heise e também produzido por Edson, por exemplo, apresentava apenas um pequeno “selinho” entre dois atores que, na época, encenavam uma peça na Broadway. Por mais ingênua que a cena parece hoje em dia, uma vez deslocada do palco e apresentada em close-up, foi vista como tão obscena que um crítico de Chicago chegou a apelar para a polícia pela intervenção de sua divulgação, devido ao risco que a fita representava à moral e aos bons costumes.

Mas é bom lembrar que tratar como caso de polícia as manifestações da sensualidade na arte, já naquela época, não era bem uma novidade. Já em 1873 o congresso norte-americano aprovou o Ato de Supressão do Comércio e Circulação de Literatura Obscena e Artigos Imorais, que criminalizava a distribuição através dos correios de obras literárias, artigos censurados e qualquer material impresso cujo conteúdo fosse considerado contrário aos padrões morais da época. O conjunto de leis foi proposto pelo congressista, chefe dos correios e arauto da luta pela moralidade e controle da vida sexual alheia, Anthony Comstock. A Lei Comstock, como ficou conhecida, promovia uma verdadeira caçada a textos proibidos, como traduções clandestinas de Sade, por exemplo, mas também barrava textos médicos e panfletos sobre métodos contraceptivos.
Quem leu o brilhante livro reportagem de Gay Talese, A Mulher do Próximo – e, para quem não leu, fica aqui a dica –, deve se lembrar que a lei teve papel importante na repressão à livros como O Amante de Lady Chatterly, de D.H. Lawrence, e foi fundamental para barrar a publicação nos Estados Unidos de autores como James Joyce, por exemplo. A lei serviu também para impedir a difusão, através do correios, dos controversos Stag films, (aqui também analisados), que eram curtas de conteúdo erótico, produzidos na época do cinema mudo, como o argentino El Satario (1907), de autor desconhecido, e A Free Ride (1915), de A Wise Guy.  Mas viria de um ex-colaborador e pupilo de Anthony Comstock, o líder do Partido Republicano, William H. Hays, a verdadeira repressão ao sexo no cinema.

Aprovado em 1921 e em vigência até meados do século XX, o Código Hays impunha uma série de regras e condutas a serem seguidas pelos produtores de cinema, para que os filmes fossem exibidos, da sugestão de que um casal nunca poderia aparecer indo dormir no mesmo quarto, com exceção de quando eram casados e, mesmo assim, não na mesma cama, mas em camas separadas, até a duração de um beijo que, dos quatro segundos, na época da primeira publicação da lei, chegou a ser reduzido para um segundo e meio, a partir de 1930.
De O Cão Andaluz a Garganta Profunda
Mas Gerace não se limita a analisar o aparelho repressor do “empata foda jurídico” Estatal contra o sexo no cinema e, se o assunto são as representações do sensual e do erótico na grande tela, o autor promove um verdadeiro compêndio do que até aqui foi feito, tanto no cinema comercial das grandes salas, quanto no circuito independente Cult e underground, passando pela indústria pornô. É o caso de Garganta Profunda (1972), de Gerard Damiano, estrelado por Linda Lovelace, que causou polêmica no meio acadêmico e dividiu o movimento feminista entre aquelas que enxergavam no filme uma propaganda machista e falocêntrica, enquanto outras o viam como libertador e um marco contracultural do movimento pela liberdade e igualdade sexual. Reflexo disso ou não, Garganta Profunda ganhou admiração de gente como Truman Capote e, dos 25 mil dólares gastos para realizá-lo, acabou faturando 600 milhões de dólares em todo o mundo, consolidando o potencial financeiro da indústria cinematográfica do cinema adulto.

De O Cão Andaluz, de Dali e Buñuel, aos experimentos de Andy Warhol; de O Diabo em Miss Jones a Ninfomaníaca, de Lars VonTrier, passando por Pasolini, John Waters, o cinema gay e o movimento New Queer, mais que um registro histórico, o autor pautou-se pela analise sociológica e acadêmica e teve como referência não só os filmes e os registros publicados sobre eles, mas também a obra de grandes autores que também debruçaram-se sobre o tema, como Susan Sontag e, principalmente, Michel Foucault.
Mas não pense o leitor que Gerace limitou sua pesquisa às manifestações do sexo no cinema internacional, o Brasil não ficou de fora, com direito a um capitulo especial sobre a produção marginal da Boca do Lixo paulistana e a Pornochanchada.
Ricamente ilustrada, a obra nos oferece um deleite quase orgástico, graças ao excelente trabalho de pesquisa, a escrita nada cansativa e produção visual, com reproduções de cartazes pouco vistos e cenas antológicas dos filmes citados.
Rodrigo promete um livro sobre Lars Von Trier para os próximos meses. Então, ainda falaremos muito dele por aqui.

Serviço:
Título: Cinema Explícito
Autor: Rodrigo Gerace
Lançamento: Editora Perspectiva e Edições Sesc
320 páginas