segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O Evangelho, Segundo o Estranho Misterioso Mark Twain



O Evangelho, segundo o Estranho Misterioso Mark Twain
Por César Alves

Era com admiração e entusiasmo que Samuel Langhorn Clemens assistia o surgimento das maravilhas científicas e tecnológicas que, em meados do século dezenove, imprimiam às previsões sobre o futuro da humanidade a marca da grandeza. Signatário do manifesto contra as atrocidades praticadas pelo soberano da Áustria, Leopoldo, e o domínio de seu país no território do Congo, durante o neocolonialismo europeu no continente africano, Clemens não se dobrava diante das injustiças praticadas pela mesma espécie, quando se mostrava indigna do destino grandioso que tais invenções pareciam descortinar.
Amigo pessoal de Nikola Tesla, Clemens sonhava com o potencial para o bem da humanidade que os experimentos com a eletricidade realizados pelo colega e testemunhados por ele, mas não deixava de ver com desconfiança o verdadeiro uso que seria feito das novas tecnologia, diante da ganância humana, nas mãos erradas.

Era um humanista, mas um humanista descrente da vocação do homem para a prática do humanismo e do bem comum. Autor de clássicos incontestáveis da literatura universal como As Aventuras de Tom Sawyer e Hunckleberry Finn, Clemens ficou famoso como Mark Twain, mas é em seus escritos menos conhecidos – a maioria, datada de seus últimos anos de vida e publicados de forma póstuma – que tal característica é mais evidente.
Exemplo e também o predileto deste que vos escreve é O Estranho Misterioso. Foi o livro que despertou meu interesse pelo autor, quando costumava desprezar autores indicados por pessoas mais velhas e desconfiar de livros que meus professores gostavam, por volta dos dezessete anos, li pela primeira vez.
Aqui você não encontrará o satirista notório e as tramas juvenis que fizeram a fama do autor. Ambientado em uma pacata aldeia da Idade Média, a trama gira em torno de um garoto e uma estranha criança que aparece de forma misteriosa e muda completamente a vida dos habitantes do lugar. Capaz de prever o futuro e operar milagres, como é do feitio dos anjos, seu nome é Satã e é em suas falas que se encontram alguns dos melhores momentos da narrativa, como por exemplo: “(...) Deus não existe, nenhum universo, nenhuma raça humana, não há vida terrena, nem céu, nem inferno. É tudo um sonho, um sonho grotesco e tolo Nada existe, a não ser você . E você é mais um pensamento, um pensamento vadio, um pensamento inútil, um pensamento andarilho, vagando abandonado entre as eternidades vazias!”

Trata-se uma das histórias mais densas e filosóficas de Twain e revela muito sobre o estado psicológico e emocional do autor em seus últimos anos. Fora de catálogo, ainda deve ser possível encontrar exemplares da tradução brasileira que conheço, da editora Axis Mundi, em alguns sebos e livrarias de usados.
Como testemunha ocular e protagonista da história do Gênese, o Anjo Caído também aparece, como orientador dos ingênuos Adão e Eva, em alguns dos melhores momentos dos textos que compõem este recente lançamento da editora Hedra, Diários de Adão e Eva.
Carregado de humor e menos denso do que o primeiro título, Diários de Adão e Eva é apresentado como relatos íntimos e pessoais do Primeiro Casal Bíblico, da expulsão do Éden aos problemas com os filhos, Caím e Abel.
Apesar da carga polêmica que os personagens que protagonizam a narrativa possuem, é preciso ler o livro como uma análise do comportamento humano, principalmente o relacionamento amoroso e conjugal, e não como uma obra religiosa.
Ambas as obras ainda muito atuais, oferecem-nos uma faceta menos conhecida de Mark Twain.

Serviço:
Autor: Mark Twain
Título: Diários de Adão e Eva
Editora: Hedra
140 páginas

Título: O Estranho Misterioso
Editora: Axis Mundi
214 páginas



sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Quadrinhos - Contos de Natal para Adultos



O que acontece na noite de Natal, fica na noite de Natal

Edição da série Safadas, do selo Nemo da editora Autêntica, compila contos eróticos natalinos de grandes nomes dos quadrinhos europeus.
por César J. Alves

Um espertalhão sai da miséria, vendendo uma fórmula mágica infalível que pode transformar até o mais inseguro, feio e atrapalhado dos homens num irresistível garanhão, levando para a cama as mais inalcançáveis donzelas. Numa fria noite de natal, três solitários desconhecidos se encontram e, por um golpe do destino, ganham uma noite de luxúria, satisfazendo ao mesmo tempo, seus desejos íntimos mais profundos como o melhor de todos os presentes.
São alguns dos enredos das histórias curtas compiladas no volume natalino da sensual coleção Safadas, publicada pelo selo Nemo da editora Autêntica e que acaba de chegar às livrarias.
Safadas: Natal é o volume que fecha a coleção, marcada por reunir diversos autores europeus de quadrinhos, tendo o sexo como tema central. Assim como os que o precederam, este volume oferece uma variedade de técnicas, estilos e traços, carregados de sensualidade e cenas explícitas, no desenho, e, além do erotismo, muito humor no texto.
O deleite visual e textual agora, além do sexo, tem a principal festividade comercial e religiosa de nossos dias como pano de fundo.
Logo na abertura, O Peru de Natal, da dupla Pavlovic e Galliano, nos apresenta Wolfgang, o vendedor de ilusões citados na abertura do texto, como protagonista. Com a ajuda de sua bela esposa, ele dá golpes em uma feira, vendendo sementes e folhas que juntas dariam ao candidato a conquistador, os poderes citados acima. Como o leitor descobrirá, Wolfgang irá descobrir que sua esperteza de natal poderá lhe tirar o sabor das ceias dos natais futuros. 

A experiência narrativa de Spartacus, de Varenne, conta a vingança carregada de sensualidade sádica de um marido, supostamente traído, sobre sua esposa. Reproduzida em belas cenas de bondage e sexo extremo de inspiração sado-masoquista, caberá ao leitor decidir se a vingança realmente aconteceu, foi pura imaginação ou fantasia dividida em silêncio por ambos os protagonistas.
Como o tema exige, Papai Noel está presente em várias passagens e é protagonista de algumas historias, quase sempre mais como “Velho Safado” Bukowskiano do que para “Bom Velhinho”, claro.
Sensual, provocante e divertido, Safadas: Natal vale como sugestão de leitura deliciosa para data, como excelente opção aos que gostam de agraciar os amigos com presentes “safadinhos”, além de agradar também aqueles seus amigos e amigas sérios, que irão gostar, sem o constrangimento de se desculpar com um “só leio os balõezinhos”, tendo em vista a qualidade da ilustração e os nomes dos artistas que assinam.

Serviço:
Título: Safadas: Natal
Autor: Vários
Editora: Autêntica – Selo Nemo
80 páginas


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

20 Poemas Para Ler no Bonde - Olivério Girondo



A Poesia Passeia de Bonde
Por César Alves

20 Poemas para Ler no Bonde, livro de estréia de Olivério Girondo, é finalmente publicado no Brasil, em edição bilíngüe e ilustrado com fotos de Horacio Copolla.


O poeta tem fome de inspiração, seus olhos devoram a realidade que mastiga à dentadas, engolindo-a num bolo digestivo de imaginário, que digere em criatividade e regurgita em verso e prosa. O viajante tem fome de estrada, seus pés devoram milhas percorridas, engolem paisagens, digerem experiências e regurgita uma mistura da necessidade irresistível de trilhar novos caminhos com a saudade de lugares e pessoas para trás deixados que, de tão intensa, só perde para o imenso desejo de seguir viagem.
Com o perdão do filosofar barato que introduz o texto, caro leitor, é como um amálgama do artista com o viajante que os 20 Poemas Para Ler no Bonde, de Olivério Girondo, nos encantam.
Lançado pela Editora 34, a tradução de Fabrício Corsaletti e Samuel Titan Jr corrige uma das muitas lacunas existentes nas prateleiras de nossas bibliotecas e livrarias de edições nacionais de títulos e autores importantes da literatura produzida na América Latina. Em se tratando de expoentes das vanguardas, então – como é o caso de Olivério Girondo –, são tantos buracos que beiram se tornar um imenso vácuo.

Expoente máximo do Modernismo argentino, Olivério Girondo é também considerado por especialistas como aquele, dentre os poetas das vanguardas latino-americanas, que melhor dialoga com a produção brasileira, principalmente, Oswald e Mário de Andrade.
Originário de uma família abastada de Buenos Aires, muito cedo o autor se deu conta de que as facilidades financeiras que seu berço lhe garantia não poderiam ser desperdiçadas com uma existência fútil, esnobe e cômoda. Sendo assim, ainda muito jovem decidiu tirar proveito de sua condição para abraçar a vida como experiência e saciar-se do banquete das descobertas.
Vivendo de forma quase nômade entre a Argentina e a Europa, apesar de seu espírito boêmio, Girondo dedicou-se de forma apaixonada aos estudos, lendo tudo o que estivesse ao alcance, com especial devoção à literatura e artes em geral. Aqueles eram os anos convulsivos de horror, quando as nações do mundo entravam no primeiro dos dois conflitos mundiais que modelariam a história do século que se iniciava; espanto e fascínio, diante da promessa de possibilidades que as novas invenções e descobertas científicas e tecnológicas prenunciavam; e pulsão criativa, experimental e provocativa, conforme apontavam as vanguardas artísticas européias. Um século novo, exige uma arte também nova, era o que diziam ou pareciam dizer.
Ora, para um garoto com aspirações artísticas e inclinado ao inconformismo, deve ter sido como aquele senhor aposentado, ex-hippie, que hoje não confia em ninguém com menos de sessenta, quando ouviu ainda adolescente alguém pregar: “Não confie em ninguém com mais de trinta!” Ou o garoto suburbano que, em meados da década de 1970, ouviu Never Mind The Bollocks. Here is The Sex Pistols e concluiu: “Eu também posso fazer isso!”
Citações pop e anedotas geracionais à parte, sem medo do afogamento o jovem poeta então saltou de seu trampolim para mergulhar profundamente nas águas do novo, onde a vida artística realmente estava fluindo, num maremoto de ousadia promovido pelas ondas tormentosas dos dada, futuristas, cubistas e surrealistas.
Os 20 Poemas Para Ler no Bonde apresentam um poeta em sintonia com seu tempo e, embora ainda em formação, completamente adaptado às novas propostas criativas de sua época. Mas também, oferecem o olhar do andarilho experiente e, ainda assim, fascinado com a beleza das coisas mais simples, atos e fatos corriqueiros da vida cotidiana, o gigantesco multiverso guardado no micro, imperceptível aos que só tem olhos para o macro; mas claro como o dia para aqueles dotados da capacidade de enxergar além da física dos corpos e das estruturas do concreto.

Todos escritos durante suas andanças por cidades como Buenos Aires, Paris, Veneza e Rio de Janeiro, cada poema convida a vivenciar com o viajante as experiências de sua passagem, enquanto o poeta desperta os sentidos, com saboroso lirismo inspirado no caminhar das mulheres, o olhar de desafio da madura e o rosar das bochechas da virgem inocente, em resposta ao mesmo flerte; a cacofonia das conversas desconexas entre amigos ébrios; a máquina motorizada que segue em descompasso e, mesmo com o ronco de sua artificialidade, não quebra a naturalidade com que transcorrem os dramas pessoais dos que passam, vão ou ficam e dos que bebem, conversam, namoram; assim como a cidade que, aos pouco, toda a natureza cobre, em harmônica desarmonia acelerada.
 Publicado originalmente na França em 1922, o livro só saiu na Argentina em 1925. Um ano antes, Girondo retornou à Buenos Aires, onde ajudou a agitar o modernismo local, como colaborador do órgão difusor das vanguardas hispano-americanas, a revista Martín Fierro (1924-1927) e consagrou-se como poeta e autor de diversos livros, com destaque para Calcomanias (1925), Espantapájaros (1932) e Persuasón de los dias (1942), que merecem artigos próprios para discorrer a respeito.
Além de bilíngüe e ilustrada, a edição brasileira de 20 Poemas para Ler no Bonde conta com reproduções de trabalhos de Horacio Coppola, figura central da fotografia latino-americana, um dos fundadores do Cineclube de Buenos Aires, em 1920, que, em 1932, durante viagem à Alemanha, travou contato com a Bauhaus e a fotógrafa Grete Stern, com quem veio a se casar. Em 1935, o casal promoveu a primeira exposição de fotografia moderna na Argentina.
Antes tarde do que nunca, a feliz chegada do livro de estréia do poeta argentino, como primeiro título dele publicado no Brasil, talvez sinalize como ponto de partida para uma possível reedição de sua obra, para o deleite dos leitores brasileiros.
Para ler no bonde, no ônibus, no metrô, no taxi ou no avião.

Trecho:
“A cidade imita um papelão uma cidade de pórfiro. Caravanas de montanhas acampam nos arredores. O Pão de Açúcar basta para adoçar a baía inteira o Pão de Açúcar e seu teleférico que há de perder o equilíbrio por não usar uma sombrinha de papel (...)”.


Serviço: 20 Poemas Para Ler no Bonde. Autor: Olivério Girondo. Tradução: Fabrício Corsaletti e Samuel Titan Jr. Editora 34. 112 páginas. Fotografias de Horácio Coppola.

sábado, 1 de novembro de 2014

Gothica - Gustave Flaubert (Livro)




Retrato do Realismo quando Jovem Mágico
Por César Alves

“Emma Bovary c´est moi” (Emma Bovary sou eu), teria declarado Gustave Flaubert, perante o tribunal, defendendo-se das acusações de ofensa à moral, à religião e aos bons costumes, referindo-se à sua personagem mais famosa, a protagonista de Madame Bovary, uma das obras mais importantes do Realismo, na historia da literatura universal.
O autor foi absolvido, veredicto tão justo quanto absurdos eram as acusações e o próprio julgamento.
Bom, sobre Flaubert, Bovary, vida e obra do autor, muita coisa já foi escrita e por gente mais gabaritada do este escriba que prefere, então, ir direto ao verdadeiro tema deste artigo, os contos de juventude escritos por ele e reunidos no ótimo Gothica, lançado pela editora Berlendis & Vertecchia. 
Aqui, encontramos um outro Gustave Flaubert. O jovem Gustave Flaubert que escrevia contos de inclinação fantástica e experimentava com a fantasia e o sobrenatural. Em Raiva e Impotência, o sono pesado do personagem é o estopim para que o autor explore um de nossos piores medos e dos mais caros à literatura de horror clássica: ser enterrado vivo. Bibliomania conta a historia de um colecionador de livros compulsivo, dono de uma vasta biblioteca que busca aumentar a qualquer custo de forma doentia. A genialidade da trama – tão absurda quanto é o final surpreendente – está numa característica do alfarrabista fóbico: ele não sabe ler. 

Fosse obrigado a escolher dois contos, entre os cinco ótimos que compõem a coletânea, ficaria com o maior deles, O Sonho do Inferno, e O Funeral do Doutor Mathurim, que não irei descrever aqui para sugerir ao leitor que vá atrás do livro e descubra por conta própria do que estou falando.
Se já era Bovary, aqui não vem ao caso. Ainda não era o Flaubert – pelo menos, o que conhecemos. Na época, aliás, poucos apostariam que o garoto um dia iria abalar as estruturas de instituições sagradas, como o casamento, e chocar a sociedade burguesa com seus romances corajosos, que chafurdavam na lama de temas, até então, cascudos, como o adultério e a hipocrisia da religião e dos valores burgueses.  Era jovem, ambicioso e ainda um tanto quanto mágico para alguém que viria a se tornar um dos pilares do Realismo. Talvez o período de gestação do grande escritor que viria a ser e conceber Bovary.
Embora demonstrando certa ingenuidade filosófica juvenil, típica da idade, já dizia a que vinha. Basta ler ao conto de maldição, traição e vingança, A Peste em Florença, e seus protagonistas para entender do que falo.


Serviço:
Título: Gothica
Autor: Gustave Flaubert
Editora: Berlendis & Vertecchia



quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O Cinema no Divã - A Psicologia Vai ao Cinema (livro)




O Cinema no Divã
Por César Alves

A Psicologia Vai ao Cinema, de Skip Dine Young, explora os aspectos psicológicos da Sétima Arte.

Em 1976, Travis Bickle ganhou a atenção do público norte-americano e do mundo, promovendo um verdadeiro banho de sangue para salvar uma adolescente do submundo na decadente Nova Iorque.
Cinco anos depois, John Hinckley Jr. também chamou a atenção do mesmo público, ganhando a atenção dos noticiários, com sua tentativa de assassinar o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, resultando em não menos violência.
Embora o objetivo de matar o chefe de estado americano tenha fracassado, o atentado terminou com várias pessoas feridas e Reagan atingido, sendo levado às pressas para um hospital, o que o salvou de se tornar parte da longa lista de presidentes assassinados em pleno exercício de mandato daquele país.
Ao contrário de Hinckley, Travis Bickle não pertence ao mundo real. Personagem interpretado pelo, então, jovem e promissor Robert de Niro, Bickle pertence ao imaginário cinematográfico do consagrado diretor Martin Scorsese. Seus atos, embora nada distantes da realidade urbana das grandes cidades – tanto naquela época quanto hoje em dia –, eram parte da trama roteirizada para o, ainda hoje, cultuado longa metragem que catapultou definitivamente, tanto De Niro quanto Scorsese, ao lugar que hoje ocupam entre os grandes nomes de Hollywood, Taxi Driver.
Apesar disso, embora separados pela linha – muito mais tênue do que imaginamos – que separa a realidade da ficção, Travis Bickle e John Hinckley estão conectados de forma assustadora.
Fã da película de Scorsese, ele teria assistido ao filme quinze vezes, enquanto se preparava para dar início aos seus planos. Como se não bastasse, soube-se depois que as intenções de Hinckley não tinham exatamente uma motivação política.
Ao contrário do que poderiam supor os Serviços de Inteligência, a tentativa de tirar a vida de Reagan não estava ligada a um grupo radical insatisfeito com a forma como o país vinha sendo conduzido pela gestão Reagan. Hinckley agira sozinho e não tinha nada contra o presidente. Seu intuito, na verdade, seria, através do atentado, chamar a atenção de Jodie Foster, por quem o atirador sofria de uma paixão doentia e platônica. A mesma atriz que interpretava a adolescente salva por Bickle, De Niro, no filme.
A história é o ponto de partida do livro A Psicologia Vai ao Cinema (Psychology at the Movies, título original), de Skip Dine Young, que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela editora Cultrix.
Não pense o leitor, no entanto, tratar-se de mais uma defesa teórica tresloucada, acusando a indústria cultural de influenciar e incentivar a violência, como o caso citado na abertura do texto pode sugerir. A obra faz um estudo da Sétima arte através de seus aspectos psicológicos e, analisando títulos, autores e público, revela que as neuroses cinematográficas, na verdade, refletem a neurose daqueles que as concebem, interpretam e consomem do que o contrário.
Ph.D em Psicologia e professor da Universidade de Hanover, em Indiana, Stephen “Skip” Dine Young possui duas outra obsessões, além da área em que atua profissionalmente: a musica de Bob Dylan e o Cinema. Sua pesquisa teve como foco o cinema narrativo, tanto produções consagradas por suas qualidades técnicas, estéticas e tidas como verdadeiras obras de arte, divisoras de águas no segmento, quanto blockbusters comerciais e títulos B de horror e ficção-científica. Para tanto, assistiu a diversas sessões de centenas de filmes que vão de obras como Psicose a Cisne Negro, passando por Persona, de Bergman, e a trilogia Star Wars de George Lucas e os mega-sucessos de Steven Spielberg.
Mas o livro não se limita a analise dos filmes e seu impacto sobre o público. O autor também se debruça sobre o perfil psicológico e a formação biográfica de seus realizadores, como Alfred Hitchcock e Woody Allen, entre outros.
Carregados – em maior ou menor grau – do drama que marca a condição humana, filmes transbordam psicologia. Talvez não seja a toa que tanto o cinema, como arte e depois entretenimento, quanto a psicologia e psicanálise, como ciência, tenham surgido praticamente juntos em fins do século dezenove e tenham ambas tido tanto impacto cultural na década seguinte, como defende o autor.
Sendo assim, o livro de Young não é exatamente uma novidade. Desde 1916, com a publicação de The Photoplay: A Psychological Study, de Hugo Munsterberg, estudos sobre Cinema e Psicologia são escritos. O lançamento, no entanto, não traz mais do mesmo. Bem escrito e de fácil leitura, suas analises, tanto do conteúdo narrativo, quanto aos recursos estéticos utilizados para expor os aspectos psicológicos da trama ao espectador, revelam que A Psicologia Vai ao Cinema vem para somar e enriquecer as prateleiras sobre o assunto, que ainda deve render muito.

Serviço:
Título: A Psicologia Vai ao Cinema
Autor: Skip Dine Young
Editora: Cultrix
Número de Páginas: 256




quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Lenda do Santo Beberrão - Joseph Roth



A Redenção da Boemia

Um dos melhores escritores europeus do período entre guerras, Joseph Roth, volta à nossas livrarias com as traduções de A Lenda do Santo Beberrão e Hotel Savoy.
Por César Alves

Você está numa biblioteca ou livraria e, como que por mágica, um estranho aparece e se identifica como sendo a Morte, avisando-lhe de que seu tempo está prestes a chegar ao fim. Mas, como é do comportamento do Ceifador – a Morte odeia se atrasar e por conta disso, sai cedo de casa para cumprir com seus afazeres –, ele se adiantou demais e informa que você ainda tem entre vinte minutos e meia hora de vantagem, antes de seguirem viagem. Sabendo que é muito pouco tempo para qualquer outra coisa, ele sugere que escolha um livro e faça sua última leitura, já que gosta de ler.
A pegadinha é: Que obra você escolheria?
A brincadeira era feita entre amigos que gostavam de literatura, normalmente ao redor de uma mesa de bar e com muita cerveja. Depois de ouvir da maioria que escolheriam seus poemas prediletos de As Flores do Mal de Baudelaire, Uma Temporada no Inferno de Rimbaud, algo do Bandeira ou um conto de Tolstói e etc, eu dizia que convidaria a Indesejada para ir comigo até um bar para tomarmos a saideira definitiva e, dando uma de Compadre da Morte, como no mito folclórico, tentaria ludibriá-la, embriagando-a e convencendo a danada a cair na farra em direção ao Baixo Augusta. Não funcionando, escolheria como livro derradeiro o belo A Lenda do Santo Beberrão de Joseph Roth.
A protocrônica cotidiana acima é só para falar do grato lançamento – não tão recente, aliás – da Editora Estação Liberdade. Há alguns meses, a editora lançou por aqui traduções de dois títulos de Joseph Roth; A Lenda do Santo Beberrão – principal tema de nosso papo aqui – e Hotel Savoy.
 Considerada “Obra-testamento”, A Lenda do Santo Beberrão foi o último livro escrito por Joseph Roth, também autor de A Teia da Aranha (1923) e A Marcha de Radetzky (1932) e um dos grandes autores universais pouco lidos no Brasil.
A escolha da pedida literária para meus últimos vinte minutos sobre a terra não é apenas por ser uma das minhas preferidas, é que também é possível ler o livro, do início ao fim e sem pressa, em pouco mais de um terço de hora. Trata-se de uma belíssima e curta novela de 22 páginas, capaz de tocar até mesmo aqueles que trazem um bloco de mármore ao invés de um coração batendo no peito.
Escrita como um misto de fábula e parábola cristã – mas nada carola é bom frisar –, A Lenda do Santo Beberrão começa como uma crônica cotidiana ambientada na Paris das primeiras décadas do século vinte, quando toda a Europa vivia envolta em névoas de incerteza, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
Seu protagonista é um mendigo e alcoólatra que vaga pelas ruas e cantos menos iluminados da Cidade Luz, como os muitos que assim o faziam na época. Certa noite, quando se abrigava sob uma ponte do Rio Sena, aproxima-se um senhor muito bem vestido que puxa assunto e lhe oferece uma grande soma em dinheiro (200 Francos). Segundo o estranho benfeitor, o sem teto teria sido posto em seu caminho por designação divina, tendo em vista que ele, sendo um homem de fé, estava a cata de uma ação benevolente a um desconhecido como que para pagar uma promessa em agradecimento à bondade de Deus que nunca lhe faltara.

Apesar de suas condições, o miserável recusa a oferta, não por orgulho, mas por nutrir um profundo senso de retidão e idoneidade. Jamais aceitaria uma soma monetária por caridade, a ser que pudesse compensá-la com seu trabalho ou ter como devolvê-la, como um empréstimo, assim que se encontrasse em melhor situação.
Sendo ambos devotos de Santa Terezinha de Lisieux, o impasse é resolvido com o mendigo se comprometendo a devolver o valor que lhe é entregue à caixa de donativos da igreja da santa, no prazo de uma semana.
Com mais dinheiro do que jamais possuíra, o pobre coitado aproveita para alugar um quarto num albergue, tomar um banho e dormir numa cama, como não fazia há anos. Boêmio e incapaz de resistir ao chamado da boemia, ele torra todo o dinheiro com bebidas e mulheres.
A partir daí, a trama gira em torno do protagonista, personagens que ele encontra e as situações inusitadas por que passa durante sua obstinada busca para cumprir com sua promessa. Ele consegue o dinheiro, às vezes quase que por milagre, mas de uma vez. Mas, sempre que está prestes a pagar a dívida para com a santa, algo acontece.
Além de ser sua obra derradeira, o motivo de A Lenda do Santo Beberrão ser considerada a “obra testamento” de Joseph Roth também diz respeito ao conteúdo autobiográfico da novela. O protagonista da trama, nada mais é que um alter ego do autor, tendo com seu criador diversos pontos em comum. Assim como o mendigo, Roth também mantinha uma vida de andarilho. Embora sua trajetória e carreira tenham obtido reconhecimento na época, entre a Alemanha e a França, o autor nunca adotou um endereço fixo ou duradouro, viajando e passando por diversos países europeus até seus derradeiros dias. Além de religioso, como seu personagem, Roth também era alcoólatra, entre outras coisas em comum.
Adaptado para o cinema pelo diretor italiano Ermano Olmi, A Lenda do Santo Beberrão ganhou o Leão de Ouro de Veneza de 1988. O filme merece ser visto. Além de ser uma feliz adaptação, também e traz a boa interpretação do holandês Hutger Hauer como o mendigo.
Filho de uma família judaica de Brody, hoje parte da Ucrânia, Joseph Roth nasceu em 1894, nos dias finais do Império Austro-Húngaro. Além de brilhante jornalista, sua obra ficcional foi marcada por personagens à margem de uma Europa angustiada pelo pesadelo diário que marcaram os dias do período entre guerras, que o autor conseguiu retratar como poucos.
Deprimido com os acontecimentos que assolavam o continente europeu, precedendo a inevitável guerra, principalmente a ascensão do nazismo na Alemanha, e cada vez mais mergulhado no alcoolismo, Joseph Roth faleceu em Paris, em 27 de Maio de 1939.

Joseph Roth nas livrarias:
Como dito acima, apesar de sua importância e qualidades indiscutíveis, Joseph Roth parece pouco lido ou, no mínimo, menos comentado e difundido do que sua obra merece. Mas existem bons títulos do autor em nossas livrarias e, além dos dois títulos lançados pela Estação Liberdade – A Lenda do Santo Beberrão e Hotel Savoy –, sugiro outros dois ótimos livros da Companhia das Letras abaixo:

Berlim Ótimo título da não menos ótima coleção Jornalismo Literário da editora, o livro compila artigos que revelam o brilhantismo do trabalho de Joseph Roth como homem de imprensa. Aqui, o autor faz uma crônica da Berlim da década de 1920. Em suas andanças, o autor destrincha o cotidiano da antiga capital prussiana, quando coração da recém-inaugurada República de Weimar. Passeia por bosques e praças e edifícios e bondes, refletindo sobre o significado da natureza, diante da paisagem artificial da modernidade. Caminha entre bairros de imigrantes, decifra a vida noturna berlinense e visita campos de refugiados e faz um tour pela cidade ao lado de um criminoso que acaba de sair da prisão para, através da ótica de seu companheiro, compreender a medida das transformações ocorridas na metrópole.


Aqui, reencontramos o grande escritor de ficção e fascinante tradutor de seus dias. Usando como pano de fundo os dias que marcaram o início da primeira guerra, Joseph Roth narra a trajetória do judeu e muito religioso, Mendel Singer, para criar uma releitura do livro de Jó. Homem modesto e temente a Deus, Singer vive com sua família numa cidadezinha russa. Apesar de humildes, são felizes e gratos pela vida que levam. A tranqüilidade e os bons dias que Singer atribui à benevolência da Providência Divina acabam com o estouro do conflito e, assim como o personagem bíblico, o personagem descobre-se face a um teste para comprovar sua fé.


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O Novo Jornalismo (Gonzo?) nos Dias da Peste



O Novo Jornalismo (Gonzo?) nos Dias da Peste
por César Alves

“O New Journalism é como o Punk: Tem tantos pais que,se a concepção não ocorreu durante uma orgia, as mães, certamente, não acreditam na monogamia”, já disse a colegas de profissão, em diversas ocasiões, quando o assunto é o Jornalismo Literário e a geração americana que ganhou notoriedade como Novo Jornalismo.
A brincadeira tem mais a intenção de fazer rir do que provocar e, muito menos, ofender a(s) progenitora (s) - longe de mim, isso de colocar a mãe no meio (risos) - um gênero ligado a gente que me influenciou muito, como Gay Talese, Truman Capote, Tom Wolfe, Norman Mailer, Hunter Thompson – na sua própria versão, o Jornalismo Gonzo – e outros.
Por outro lado, não é de toda desprovida de sentido. Afinal, como jornalismo literário, técnica de reportagem que une formas narrativas e estilo vindos da literatura ao texto jornalístico não é exatamente uma criação da América do pós-guerra. John Reed e outros já o faziam no início do mesmo século. Aqui no Brasil, Joel Silveira, A Víbora, já dava às suas reportagens o ritmo e o tratamento que os grandes escritores dão à ficção na década de 40 – para ficar apenas no meu predileto, entre muitos outros brasileiros que souberam unir muito bem o jornalismo e a literatura.
Mas é possível afirmar que, muito antes disso, jornalismo e literatura deitavam-se na mesma cama. O que dizer, por exemplo, dos textos escritos pelo poeta alemão, ícone do romantismo germânico, Heinrich Heine, durante o período em que se exilou na França e decidiu aproveitar sua boa relação com a efervescente agitação cultural parisiense para cobrir espetáculos teatrais e grandes eventos sociais para editores de seu país de origem? São do início do século dezoito.

Sendo possível construir uma árvore genealógica do New Journalism e mesmo do estilo Gonzo de Hunter Thompson – como o leitor irá descobrir mais adiante –, a partir dos exemplos citados acima, o autor de Robinson Crusoé e Moll Flanders, Daniel Defoe, talvez tenha lugar privilegiado, como um dos primeiros a praticá-lo. Seu Um Diário do Ano da Peste (A Journal of The Plague Year – 1722) foi defendido por muita gente – Gabriel Garcia Marquez, entre os mais notórios – como um dos primeiros livros reportagens da história.
E não é pra menos. Inquietante e surpreendente, a obra narra os dias sombrios da epidemia que assolou Londres entre os anos de 1665 e 1666, resultando em um número de vítimas calculado entre 75 e 100 mil mortos – um quinto da população da cidade.
Conta-se que Defoe teria se recusado a aceitar o conselho de familiares e amigos para que buscasse refúgio fora de Londres, até que o contágio fosse controlado, como fizeram todas as pessoas de posses e membros da elite londrina. Acreditando que fugir seria inútil e, conforme a praga fosse se espalhando, cedo ou tarde ela o pegaria, não importando sua localização. Decidido a não se trancar em casa, o autor passou a registrar os acontecimentos durante a epidemia, como registro histórico para a posteridade ou forma de passar o tempo, até que a doença fosse controlada ou o vitimasse.
Trata-se uma reportagem completa, com direito a dados estatísticos sobre número de contagiosos e vítimas fatais, entrevistas com famílias e descrição dos fatos, trazendo já em sua essência uma das características mais marcantes do Novo Jornalismo: O repórter, narrador, também como agente participante da história.
Bom, o amigo leitor pode achar meus argumentos convincentes, quanto ao livro ter características de jornalismo literário e até do New Journalism, mas estar se perguntando: Onde o Gonzo entra na história?
Já explico.
Além de autor de ficção, Defoe era também jornalista – editou seu próprio periódico, The Review, por conta própria –, e escreveu sua obra como depoimentos de uma testemunha ocular da história e, durante muito tempo, muita gente a enxergou assim. O relato fidedigno, os dados numéricos comprovados com exatidão, o fato histórico e a seriedade narrativa apóiam a tese e assim a obra continuou sendo divulgada mesmo muitos anos após a morte de Defoe.

Décadas depois, no entanto, biógrafos de Daniel Defoe se depararam com uma questão surpreendente em relação ao Diário do Ano da Peste: os números não batiam! Comparando as datas de nascimento do autor com o ano em que ocorreu a epidemia de peste bubônica em Londres, os relatos não poderiam ter sido registrados por ele que, na época, estaria com idade entre cinco e seis anos!
Ora, mister Defoe não só abusou do estilo jornalismo literário, como também deve ter feito o primeiro livro reportagem Gonzo conhecido. No mínimo, uma pegadinha digna de Hunter Thompson!
As experiências jornalístico-literárias de Daniel Defoe, no entanto, não terminam ai. Em 1723, durante uma visita à Escócia, o autor tomou conhecimento da história de um fora-da-lei local, Rob Roy. Pesquisando a respeito de sua história, tomou conhecimento de que o bandido era na verdade Robert Roy McGregor, do clã McGregor, que, após aderir à Rebelião Jacobita e ser derrotado na batalha de Glen Shiel, teria tido suas terras expropriadas e partido para a clandestinidade, realizando roubos e assaltos que eram contados como lendas pela população local.
Vendo ai uma grande história, Defoe escreveu um relato romanceado, dando seus toques pessoais a trama, contando as aventuras de Rob Roy, como o rebelde libertário que “roubava dos ricos para dar aos pobres”, Highland Rougue. O texto fez sucesso, tanto na Escócia como em toda a Europa, e elevou a lenda de Robin dos Bosques para a de herói nacional. Graças ao texto, em 1723, o Rei George I acabou vendo-se obrigado a dar a seu desafeto político o perdão real.



quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Vladímir Sorókin - Dostoiévski-trip




Barato da Literatura Quando Vício
por César Alves

Os amantes da literatura já devem ter experimentado a sensação de que o hábito de ler e pesquisar certos autores e obras, muitas vezes, se aproxima do vício. Descobrir um autor e sentir a necessidade de ler e reler toda a obra mais de uma vez é quase como encontrar aquela fórmula perfeita, lícita ou não, para os males da existência – com o perdão da filosofia barata. Para os que sofrem de tal dependência, a livraria, biblioteca ou estante de livros pessoal é feito farmácia, o sebo, uma boca de fumo, onde encontra obras não-ilícitas, mas tão raras que são como se proibidas, depois de anos fora das prateleiras. O atendente da livraria, seu farmacêutico; o alfarrabista, seu traficante ou dealer. Existem, inclusive, aqueles que despertam a curiosidade e, quando finalmente experimentamos, não bate ou dá barato! Livros feito placebos; autores que são feito cocaína batizada ou “fumo palha”.
Assim como o viciado em drogas, o dependente do verso e da prosa, mesmo percebendo o mal que o mergulho no universo de certos autores lhe causa, sente o desejo irresistível de ir além. Não havendo clínica de reabilitação, nem um programa dos sete passos para retroceder ao Paraíso da Ignorância, o leitor segue em busca de novas doses de psicotrópicos filosóficos, estimulantes existenciais, misturando doses de tramas, personagens, ficção, realismo, fantasia e fantástico, com formas narrativas, verbais, experimentos estético-textuais, num Breaking Bad químico-literário que só acaba com a inevitável overdose das letras, num quarto solitário ou laboratório clandestino de meta-anfetaletras.
Pedindo perdão pelo enorme nariz de cera acima – entenda como exemplo de como bate o barato das letras no leitor que também escreve, antes que eu fuja do tema, vamos logo ao que interessa.
Se toda aquela minha conversa fiada que abre o texto tem algum sentido, não é exagero dizer que, para alguns leitores, obras e autores, títulos e nomes escritos nas bordas dos livros, dispostos nas estantes, são como uma variedade de fármacos e substâncias, nas prateleiras de uma drogaria ou nas mãos de um traficante dos lados selvagens da paisagem urbana.
Tal analogia pode ser o que baliza a trama de Dostoiévski-Trip, peça de um único ato, escrita por um dos mais celebrados nomes da literatura contemporânea russa, Vladímir Sorókin, e publicado recentemente no Brasil pela Editora 34.
Com tradução e posfácio de Arlete Cavaliere, a obra é ótima introdução ao universo de Sorókin.
Protagonizado por sete personagens – cujos nomes não sabemos, assim como o lugar onde a historia se passa – que aguardam a chegada de um misterioso fornecedor, o texto abre com os diálogos inevitáveis que a impaciência costuma impor aos desconhecidos. Não demora e o leitor vai sacar que todos ali são como o personagem de uma velha canção do Velvet Underground, e estão waiting for their man. Sim, todos junkies! Viciados na droga da literatura. O traficante que eles esperam, negocia uma variedade de substâncias ilícitas que costuma trazer em uma maleta. São cápsulas com doses de William Faulkner, Franz Kafka, Tolstoi, Gogól, Celiné, Sartre e o que mais o cliente precisar.
Sim, a citação é intencional, os personagens estão a procura de um autor ou Sete Viciados à Procura de um Autor – novamente, pedindo perdão pelo trocadilho infame.
Mas essa é apenas a primeira das muitas sacadas interessantes e cômicas do livro. Como viciados que esperam o fornecedor que está atrasado e tentam evitar pensar na síndrome de abstinência, eles conversam para passar o tempo e evitar pensar no pior cenário: o de que ele não apareça. Como todo viciado, sem a substância de seu vício, o assunto não é outro senão as drogas, suas experiências com ela e seus efeitos.
São justamente os diálogos entre os cinco homens e as duas mulheres e suas histórias e experiências com substâncias de muitos dos nomes mais celebrados da literatura universal que compõem a primeira parte da narrativa, que empolga, envolve e surpreende o leitor, principalmente com a chegada do negociante que os personagens aguardam. Como sempre, em sua valise o homem tem tudo, mas sugere aos clientes uma novidade: um novo produto de nome Dostoiévski!
Vou parar por aqui para não estragar o barato da viagem, mas a experiência lisérgica, em que os personagens são transportados para uma passagem conhecida de O Idiota, que culmina em uma terrível bad-trip é fantástica.
Carregada de humor, sarcasmo, violência, pornografia e escatologia, a obra de Sorókin não é o tipo de narcótico para estômagos fracos, é sempre bom avisar. Opositor assumido de Putin, Vladímir Sorókin surgiu na cena underground moscovita dos anos oitenta. Mas, embora reconhecido mundialmente desde 1985, quando seu romance A Fila foi publicado na França, o autor foi censurado em seu país e seu primeiro livro na terra pátria só saiu em 1992, uma coletânea de Contos Escolhidos.
Entre seus diversos romances e peças, merecem destaque O Dia do Opríchnik (2006), a trilogia Gelo (2002), O Caminho de Bro (2004) e 23000 (2005).

Serviço: Dostoiévski-Trip; Autor: Vladímir Sorókin; editora: Editora 34





quinta-feira, 31 de julho de 2014

Família Sagrada - William Goldwin, Mary Wollstonecraft e Mary Shelley



A Sagrada Família do Fim da Tradição e da Propriedade
por César Alves

O Século Dezoito tem como principal marca o fortalecimento das idéias iluministas e seus efeitos políticos, sociais e culturais. Lembrar as revoluções e o declínio das monarquias e a aurora das grandes democracias que seguiram as trilhas dos novos pensamentos filosóficos da época é chover no molhado. Além do mais, não é bem o tema do texto aqui. É que, falando com um amigo sobre o conceito de família dentro dos ideais libertários e que a palavra “família” nem sempre combina com “tradição” e “propriedade”, como muita gente gostaria, lembrei-me de uma família constituída em meio a emergência daquele século, cujos principais membros colaboraram com a construção de muitas das idéias propagadas e ainda hoje debatidas e puseram em prática algumas de suas teorias. A família do jornalista, filósofo e novelista, William Goldwin.

Tido como um dos primeiros intelectuais do pensamento utilitarista de John Stuart Mills, Goldwin, no entanto, merece lugar mesmo é entre os mais importantes pensadores anarquistas. Ainda hoje importantes, seus livros Inquérito Acerca da Justiça Política, As Coisas Como Elas São ou As Aventuras de Caleb Williams; o primeiro um ataque corajoso contra as instituições políticas da época; o segundo é considerado o primeiro romance de mistério e, além de inaugurar o gênero ainda hoje popular, faz uso da fina ironia para ridicularizar e criticar os privilégios da aristocracia.
Os livros causaram grande rebuliço nos meios acadêmicos, quando lançados – ambos escritos no intervalo de um ano e publicados praticamente juntos –, e se tornaram verdadeiros sucessos editoriais para aqueles dias, alçando o nome de seu autor ao de celebridade intelectual do momento, que acabou conquistando a admiração e o respeito da elite culta britânica, principalmente dos mais radicais entre eles.
Se Goldwin estava na vanguarda do pensamento libertário da época, não é de estranhar seu interesse por uma mulher, tão inteligente e disposta a repensar a sociedade e as relações humanas quanto ele, embora não tão bem vista nos meios que o glorificavam com os louros do reconhecimento, senhorita Mary Wollstonecraft.

Apesar de os dias serem de discursos entusiasmados em favor da igualdade, liberdade e fraternidade entre os homens, Mary Wollstonecraft era figura não grata nos meios intelectuais da época justamente por defender tais ideais, mas de forma ainda mais radical. Como se não bastasse ser mulher e escritora, numa época em que poucas pessoas do sexo feminino chegavam além da educação básica, a moça pregava aos quatro ventos que os Direitos dos Homens não deveriam ser restringidos aos proprietários de um órgão genital fálico, mas estendidos também às mulheres, o que, para muitos, representava um absurdo. Ela criticava instituições intocáveis como o casamento e pregava a emancipação feminina, muito antes de alguém sequer pensar na palavra Feminismo.
Comprovando que aqueles que amam o fogo, quando encontram um incêndio querem mesmo é se queimar, Goldwin ficou de joelhos pela rapariga que, na época, era mãe solteira de uma menina – fruto de um breve romance com o diplomata americano Gilbert Imlay – e com ela iniciou um relacionamento, amoroso e intelectual. Contrariando a opinião de ambos sobre o casamento, firmaram matrimônio, pouco depois.
Embora feliz e produtivo – colaboravam entre si em seus projetos intelectuais e literários –, o casamento não durou muito e teve um triste fim quando Mary faleceu, aos trinta e oito anos de idade, quando dava à luz à única filha do casal, Mary.
Criada sob a influencia dos pensamentos dos pais e rodeada por livros, Mary é hoje o mais conhecido membro da família de notórios.
Seu livro de horror gótico, influenciado pelas revoluções científicas e as questões éticas que as mesmas levantavam, O Moderno Prometeu, foi sucesso de vendas, crítica e hoje se inscreve entre os cânones da ficção universal. A tragédia do Doutor Victor Frankenstein e sua criação, o monstro feito de partes de cadáveres e atormentado pela solidão, o questionamento filosófico sobre a alma e o anseio por respeito e aceitação, acabaram por ir além da literatura, tornando-se alguns dos mais duradouros e cultuados ícones da cultura popular universal. No texto, é possível identificar referências à vida da própria autora, como parágrafos inteiros sobre a solidão tiradas da nota de suicídio de sua meia Irma, Fanny Imlay, e o tormento que lhe causava pensar que a mãe, que admirava, mas só conhecia por relatos do pai e por seus escritos, perdera a vida ao trazê-la ao mundo.
Mas Mary Shelley está além de sua obra clássica e também merece ser lembrada por sua trajetória ousada e, assim como sua mãe, dona de um comportamento além de seu tempo. Aos dezessete anos de idade, Mary fugiu com seu amante, o poeta Percy B. Shelley, para dar início a um relacionamento baseado nos conceitos defendidos por seus pais, como o Amor Livre. A relação apaixonada dos dois, que durou até a morte de Shelley, incluía convidados de alcova como o poeta e superstar Lord Byron e suas muitas amantes.
A tríade Mary-Percy-Byron e sua comunhão poliamorosa, artística e etílica, é praticamente pioneira no que, décadas depois, seria a Contracultura. Beatniks avant La lettre. Hippies com cérebro. Hipsters que não se contentavam com colecionar livros, mas que os liam e também escreviam os seus (provocação desnecessária, eu sei – mas a necessidade nunca foi motor da minha provocação, ehehe).


Curiosidade (Epílogo): Provando que o pensador nem sempre é o pensamento, o filosofo William Goldwin, que pregava contra o casamento tradicional, “instituição decadente”, e defendia o amor livre, parou de falar com Mary, depois de ela fugir para viver com seu pupilo, Shelley, devido ao poeta ser casado na época e não querer que a filha vivesse um relacionamento clandestino. Só perdoou os jovens e voltou a falar com ela, anos depois, quando o casal oficializou o casamento, após o suicídio e a viuvez do poeta tornar possível o casamento.


*_*

Ada Byron a.k.a. Lady Lovelace
Por César Alves

Aliás, já que falei do casal Mary e Percy Shelley, Byron e toda essa gente visionária hoje cedo, vai bem encerrar com a filha do poeta Lord Byron, Ada Byron, mais conhecida como Lady Lovelace, que, de tão a frente de seu tempo, quase antecipou a revolução dos computadores em mais de um século. De olhos voltados para o futuro, ainda adolescente, a dama ouviu sobre a Máquina Diferencial do matemático Charles Babbage e, quando adulta, juntou forças com ele para financiar a construção da máquina em meados de 1840. A elite da época, no entanto, não enxergou o potencial do projeto de Babbage e o entusiasmo da moça, recusando financiá-lo. Ada brigou pelo projeto até o fim de seus dias e a Máquina Diferencial de Charles Babbage só foi construída no final dos anos 1930, como protótipo de um projeto de outro matemático, Alan Turing para a construção de uma máquina mais sofisticada que poderia decodificar as mensagens criptografadas dos países do Eixo, durante a segunda guerra. Foi a inspiração para o supercomputador Colossus e para que Turing desse início à ciência da computação.






sábado, 19 de julho de 2014

Hunter S. Thompson e a Última Batalha Gonzo



Querido Doutor Thompson (Dear Dr. Thompson - Matthew Moseley) – Livro


Hunter Thompson e a Última Batalha Gonzo
por César Alves

Há momentos em que uma simples carta pode mudar uma vida.
No início dos anos 2000, o jornalista-fora-da-lei Hunter S. Thompson recebeu uma carta de Lisl Alman, que cumpria pena no presídio feminino de Cañon City, no Colorado. Alman reclamava que os livros do Dr. Thompson não eram permitidos por lá e, portanto, não podiam ser adquiridos na biblioteca do presídio. Farejando uma boa matéria, o gonzofather passou a se corresponder com a presidiária e acabou por descobrir um assustador caso de erro judicial.
A história de Alman remonta ao ano de 1997, quando se separava de um ex-namorado, com quem morava, e pediu ajuda a um amigo, Matthaus Jahenig, skinhead, viciado e traficante de drogas, para ajudá-la no transporte de seus pertences para sua nova residência. No caminho, ambos foram parados pelo patrulheiro Bruce Vanderjagt. O policial e Jahenig entraram em uma discussão que terminou com Vanderjagt sendo alvejado por Jahenig que, em seguida, cometeu suicídio.

Na ocasião o crime ganhou notoriedade na mídia e, não tendo ninguém para culpar pelo assassinato – afinal, não ha nada mais odiado que um cop killer –, Lisl Alman acabou sendo condenada à prisão perpétua, sem direito a apelação. O problema é que, no momento do assassinato, Alman já estava algemada no banco de trás da viatura e não poderia, de forma alguma, ter qualquer participação direta no evento.
Inimigo número um das arbitrariedades do sistema, Hunter Thompson encabeçou uma campanha pela libertação de Alman, com artigos freqüentes em sua coluna no site da ESPN e demais veículos, ganhando apoio de velhos “chapas” como Benicio Del Toro e Sean Pean, entre outros.
A campanha conseguiu que o caso fosse reaberto e, em 2006, com que a sentença fosse revista e, hoje, Lisl cumpre pena de 20 anos, prestando serviços comunitários, e direito à liberdade assistida. Verdadeira vitória, no encerramento desta que ficou conhecida como A Última Batalha Gonzo.
Infelizmente, Hunter Thompson não pode ver sua conquista, já que deu cabo da própria vida em fevereiro de 2005. A história toda é tema do livro Dear Dr. Thompson, do jornalista Matthew L. Moseley, lançado nos Estados Unidos em 2011.
Uma tradução por aqui?
Hummmm... Sei não.



terça-feira, 15 de julho de 2014

Vou Cuspir no Seu Túmulo - Boris Vian



A Literatura Infecta de Boris Vian
por César Alves

Em 1946 as livrarias francesas receberam um lançamento que caia feito bomba em suas prateleiras já a partir de seu título. Vou cuspir no seu túmulo era assinado pelo escritor norte-americano Vernon Sullivan cujos manuscritos, após serem recusados por todas as editoras estadunidenses, finalmente eram publicados em tradução para o francês do escritor, musico, agitador cultural e patafísico, Boris Vian.
Narrado em primeira pessoa por Lee Anderson, trata-se de uma história de vingança baseada em sexo, bebedeiras e extrema violência, com estética narrativa próxima da melhor prosa policial noir de Hammet, Chandler, Cain e Cheyney. Gênero que fazia muito sucesso na França do pós-guerra.
A obra de Sullivan, no entanto, extrapolava a fórmula das tramas policiais tradicionais e unia à ficção um contundente protesto social e ousando falar de um tema tratado como verdadeiro vespeiro: o racismo e os crimes raciais.
O próprio Sullivan, conforme descrito na introdução por Vian, apesar de branco, identificava-se com a luta dos negros e mostrava-se disposto a expor as mazelas e hipocrisias da América “o novo Eldorado que é também a terra da eleição dos puritanos, dos alcoólatras e do enfie-bem-isso-em-sua-cabeça”.
O protagonista da trama, Lee Anderson – de cabelos louros e pele clara, mas com sangue negro correndo em suas veias –, arquiteta e põe em prática um plano, baseado na sedução para vingar a morte de um irmão enforcado por se engraçar com uma moça branca, em um dos conhecidos casos de justiçamento, promovidos pelos tribunais da inquisição racial dos grupos supremacistas norte-americanos, muito comuns e um dos combustíveis que alimentariam as batalhas campais que antecederam as lutas pelos direitos civis, na década de sessenta. O resultado é uma narrativa recheada de erotismo e violência, dona de um cinismo delicioso, poucas vezes encontrado na literatura policial e de mistério, mesmo nos dias de hoje.
Mas, além de suas qualidades estéticas, criatividade ficcional brilhante e ousadia temática, Vou Cuspir no Seu Túmulo trazia aos seus leitores uma charada que ia além de sua trama. A obra em si configura-se como uma das mais interessantes, imaginativas e bem arquitetadas pegadinhas do universo da literatura.

Os críticos franceses foram os primeiros suspeitar da falta de informações e todo o mistério envolvendo o autor de uma obra tão bem construída. Não demoraram a descobrir que o romance, na verdade, era uma bomba de dois tempos e a segunda explosão foi ainda maior, quando revelado que Vernon Sullivan jamais existiu e que, tanto o autor que a assinava quanto a própria obra eram uma farsa encabeçada pelo próprio Boris Vian, com ou sem o conhecimento de seus editores.
Segundo algumas das várias versões envolvendo sua origem, o romance teria surgido após o autor tentar publicar seus manuscritos e receber negativas de seu editor baseadas na crise por que passava o mercado editorial europeu no período. Durante a conversa, o editor teria dito que, antes de lançar um novo livro de Vian, precisava de um desses autores policiais americanos que vendiam rapidamente grandes tiragens para fazer caixa e levantar o negócio.
Por coincidência, Vian teria dito que estava justamente trabalhando no livro de um autor americano, amigo seu, muito bom e também recluso, mas que talvez possuísse as características citadas pelo editor. Sendo assim, o autor prontificou-se a trazer a tradução de um bom policial folhetinesco inédito, escrito por seu amigo em dez dias.  Quinze dias depois, teria voltado com a obra pronta: Vou Cuspir no Seu Túmulo, de Vernon Sullivan, que foi lançado tão rápido quanto ganhou atenção de crítica e público.
Se outras pessoas sabiam da farça, ninguém tem certeza. Vian assumiu a responsabilidade por trás do embuste. O que se sabe é que o autor não pretendia esconder o mistério e lucrar com a popularidade de seu autor inventado. Contava com a inteligência de seus leitores para decifrar a charada e prova disso é que deixou suas pistas. O próprio nome de Vernon Sullivan, por exemplo, seria uma brincadeira do francês com os nomes de seu dentista Paul Vernon e do pianista de jazz Joe Sullivan.
A brincadeira, no entanto, não foi recebida com o mesmo bom humor de Boris Vian que acabou descobrindo que era o único que ria de sua piada. Além das acusações ao autor e seus editores como farsantes e à obra como embuste, logo o publico mais conservador começou a protestar contra o conteúdo sexual do livro. Durante vários anos, Vou Cuspir no seu túmulo acabou sendo banido das livrarias, que só colaborou para torná-lo ainda mais popular e cultuado, circulando clandestinamente entre curiosos, agora como “maldito”. Boris Vian foi multado por ultraje aos bons costumes e condenado a 15 dias de prisão por indecência.
Engenheiro, escritor, poeta, compositor – era trompetista –, entre outras coisas, o artista multifacetado fazia parte da cena boêmia que se reunia no Saint-Germain-des-Prés, em discussões com Camus, Sartre e Simone de Beauvoir. Seu livro A espuma dos dias às vezes é citado como um dos mais importantes entre os romances existencialistas, mas sua obra vai além.
Verdadeiro White nigger, era amigo de muitos dos músicos de jazz norte-americanos que se mudaram para Paris depois da Segunda Guerra Mundial. Como funcionário da gravadora Phillips, ajudou a lançar na França a carreira de dois amigos Charlie Parker e Miles Davis. Muitos o consideram um precursor dos beatniks e, no mínimo, pode-se dizer que teve influência sobre a contracultura – sua composição anti militar, “Le Desérteur”, ficou popular na interpretação de Joan Baez. Vian, no entanto, já havia cunhado um termo para denominar sua obra: “Literatura infecta”.
Boris Vian morreu em 1953, aos 39 anos – confirmando uma previsão que teria feito a sua amiga, Simone de Beauvoir em uma de suas várias conversas nos cafés de Paris: “viverei mais do que os 35 anos, mas nunca chegarei ao 40”, teria dito. Na ocasião do óbito, o autor estava numa sala de cinema, assistindo a uma sessão exclusiva da adaptação cinematográfica de Vou cuspir no seu túmulo. O autor era contra a realização do filme que não chegou a ver. Teria sofrido uma parada cardíaca durante os dez primeiros minutos do filme.