quarta-feira, 25 de abril de 2018

Animais Domésticos e Outras Receitas - Luana Chnaiderman








Animais Domésticos e Outras Receitas

Autora do celebrado livro infantil, Minhocas, surpreende em seu primeiro livro de contos voltados ao público adulto.
Por César Alves

Autora do elogiado livro infantil Minhocas, publicado pela extinta editora Cosac & Naify em 2014, e também do belo Fuga (FTD, 2017), no qual explora com ousadia e delicadeza temas relevantes ao universo adolescente, Luana Chnaiderman ganhou notoriedade no universo literário como uma das mais gratas surpresas da nova prosa infanto-juvenil. Agora, provando que sua prosa não está a serviço de um único segmento etário, a autora nos surpreende mais uma vez com Os Animais Domésticos e outras receitas.
Lançado na semana passada pela editora Perspectiva, o livro marca sua estréia como autora de ficção adulta e não decepciona.
Dona de uma prosa calcada na lírica poética e harmonia quase musical, que pode ser detectada na escolha das palavras e na formatação e organização do texto, a obra reúne contos breves que, na maioria das vezes, versam sobre a vida urbana e cotidiana em contraste com o inevitável chamado do mundo natural, numa ambientação quase onírica.
Divididas em categorias como Do Mar, Da Terra e Do Ar, as histórias aqui narradas são de uma delicadeza que quase engana o leitor desavisado quanto à profundidade melancólica e o turbilhão de sentimentos no qual se encontram imersas as personagens que as protagonizam. Sim. Há receitas, conforme promete o título da obra. Mas também há um taxidermista apaixonado por seu zoológico de animais domésticos e selvagens mortos – muitos dos quais só conhece sobre seus hábitos e comportamentos quando vivos, através de documentários sobre o mundo natural – e também séries de exercícios físicos programados para o horário marcado na academia. Como o leitor irá perceber, a prosa de Luana Chnaiderman é saborosa, mas de um sabor agridoce.
Mestre pelo Departamento de Letras Orientais da USP, Luana cresceu rodeado por livros, o que, segundo a própria autora, ajudou-a a vencer a timidez, encontrando naquele universo uma espécie de refúgio. Vinda de uma família de intelectuais – ela é neta de Boris Scnaiderman, tradutor de Dostoiévski e um dos nomes mais respeitados de nossa literatura contemporânea –, desde muito nova a autora percebeu que seu destino estaria, de alguma forma, relacionado ao universo da literatura.
Além do recém-lançado Os Animais Domésticos e outras receitas e dos dois títulos citados no início do texto, Luana Chnaiderman também recontou mitos ancestrais deixados por Griots e preservados pela tradição oral das tribos africanas em Contos de Moçambique (FTD, 2017).
O novo livro, aliás, faz parte da coleção Arranha-Céu da editora Perspectiva, que promete trazer às prateleiras de nossas livrarias o melhor e mais ousado da prosa contemporânea em português.


Serviço:
Animais Domésticos e outras receitas
Autor: Luana Chnaiderman
Editora Perspectiva
Coleção Arranha-Céu
144 páginas



terça-feira, 10 de abril de 2018

Símbolos que representam a si mesmos – Roy Wagner





Símbolos que representam a si mesmos – Roy Wagner

Roy Wagner destrincha e importância dos símbolos e seu papel na construção e desenvolvimento da cultura em Símbolos que representam a si mesmos, lançamento da editora Unesp.
Por César Alves.

Professor de antropologia na Universidade de Virginia, Roy Wagner é autor daquele que é tido como um dos mais importantes títulos da antropologia contemporânea, não só por sua importância histórica, como também por sua relevância ainda hoje, A Invenção da Cultura.
Publicado em 1975, no livro o autor trazia à luz o argumento de que a cultura surge da dialética entre o individual e o mundo social. Sua análise tinha como base as relações entre invenção e convenção, inovação e controle e significado e contexto, insistindo na importância da criatividade e colocando a humanidade, como espécie inventora por natureza, no coração do processo que dá origem à cultura.
Anos depois, Roy Wagner retomaria o argumento de a Invenção da Cultura, em Símbolos que Representam a si mesmos, que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela Editora Unesp. Tão importante quanto a obra que a precedeu, aqui Roy Wagner aborda a importância dos símbolos e seu papel na criação da cultura.
Fazendo uso de exemplos tirados de sua relação pessoal com os povos Daribí, da Guinéa, e também da cultura ocidental, Wagner aborda a questão da criação de significado, examinando as qualidade não referenciais dos símbolos, do ponto de vista estético e das propriedades de sua forma, que autoriza aos símbolos comunicarem por si mesmos.
Em resumo, a obra aborda o sentido como poder organizador e constitutivo na vida cultural. Seu argumento é de que o fenômeno humano é uma ideia única e coerente, organizada mental, física e culturalmente em torno da forma de percepção que chamamos de “sentido”. Essa ideia possibilita uma perspectiva em desdobramento, simples e unificada, em vez do mosaico explanatório gerado pela colisão acidental entre um fenômeno genérico conhecido e disciplinas acadêmicas particulares.


Serviço:
Símbolos que representam a si mesmos
Autor: Roy Wagner
Tradução: Priscila Santos da Costa
Editora Unesp
197 páginas


sábado, 7 de abril de 2018

Hey That´s no Way to Say Goodbye





Hey That´s no Way to Say Goodbye
Por César Alves

 “Bird on a wire”, filme de Tony Palmer, registra a turnê de mesmo nome realizada por Leonard Cohen em 1972. Como é de conhecimento geral, Cohen já vinha de uma carreira internacional bem sucedida, como poeta e escritor.
Embora tenha participado de uma banda country ainda na adolescência, sua incursão na música aconteceu quase que por acidente, após Judy Collins gravar duas de suas composições. Sua participação no Newport Folk Festival de 1966, abriu os olhos do produtor John Hammond, que já tinha no currículo Aretha Franklin, Billie Holliday e Bob Dylan entre outros, e convidou o canadense para gravar um álbum. O resultado foi a obra – de lirismo e importância incontestáveis – “Songs of Leonard Cohen” de 1968. Com os discos, vêm também as apresentações ao vivo e turnês. É ai que a coisa se complica. Como muitos de seus pares, Cohen também sofre da timidez característica da maioria dos gênios. O artista nunca escondeu seu desconforto diante de uma grande audiência.
É notório que Cohen sofre de depressão desde os nove anos. Idade que tinha na época do falecimento de seu pai. E isto, em parte, explica os grandes períodos de reclusão por que sua trajetória vez ou outra passou. É justamente esta faceta do artista que fica clara em um dos momentos mais tensos e também belos da turnê de 72. Cohen tenta em vão introduzir os primeiros acordes de uma de suas mais lindas canções “Bird on a wire”, mas é sempre interrompido pelos aplausos e gritos de reverência da platéia. Ele chega a pedir que as pessoas não aplaudam, mas levantem as mãos para demonstrar que reconhecem e gostam da música, mas é em vão.
Extremamente constrangido e irritado, ele se levanta e abandona o palco quase lembrando momentos de nosso João Gilberto. Nos bastidores, os organizadores e parte de seu entourage tenta convencê-lo a voltar e obtêm do artista respostas como: “...eu não posso”, “...não consigo mais fazer isto”. Fica claro que não se trata de “frescura” de artista, mas sim do estranhamento natural de quem não se sente parte daquilo. A platéia, então, começa a entoar o cântico “hevenu shalom alechem”.
É ai que a poesia se manifesta como que arquitetada pelo acaso. Está no sorriso constrangido e na timidez quase infantil de Cohen – na época um garoto de quase quarenta anos –, está naqueles quatro ou cinco integrantes da platéia que se esquecem do motivo da confusão e arriscam aplausos também tímidos e também no silêncio do público quando o artista volta ao palco para tocar “Hey, that´s no way to say goodbye”, quase como um pedido de desculpas. Mas está, principalmente, no olhar da garota que olha hipnotizada para o palco. Estaria ela pensando num jeito de dizer adeus a alguém? Acho que não existe uma maneira correta para se dizer adeus. Principalmente, quando ainda não queremos partir...


(César Alves, 24 de Maio de 2010)

terça-feira, 3 de abril de 2018

Bob Dylan e Greil Marcus




Bob Dylan e Greil Marcus

Menos disponível nas prateleiras brasileiras do que sua prosa merece, Greil Marcus se inscreve entre os cronistas do universo musical predileto deste que vos escreve.
Por César Alves

Nascido em 1945, Greil Marcus presenciou – às vezes in loco – momentos que redefiniram a musica contemporânea, trabalhando para veículos como Rolling Stone, Creem e Village Voice. Alguns de seus livros, como “Mystery train” (1975) são considerados revolucionários na forma de se fazer crítica de rock. Marcus não acredita no hype e, quando segue uma pauta, vai além do objeto estudado considerando fenômenos sociais e seu contexto histórico.
Daí que seus textos podem citar heréticos medievais, o Dada (é sempre bom lembrar que não existe dadaísmo e, se você não concorda, você é Dada!) e os Situacionistas para chegar ao punk. Infelizmente no Brasil seus livros não são publicados com frequência. Que eu saiba, saiu por aqui apenas a coletânea “A última transmissão”, parte da ótima coleção iêiêiê da Conrad Books (que saudades dessa editora!), cuja reportagem sobre o novo punk (Pós-punk, se preferir), representado por bandas como o Gang of Four e o, ainda iniciante, selo Rough Trade é exemplo do que escrevi acima.
Agora chega às nossas livrarias “Like a Rolling Stone: Bob Dylan na Encruzilhada”, lançamento da Companhia das Letras. Aqui, Marcus debruça-se sobre a histórica gravação de mister Robert Zimmermann de “Like a Rolling Stone”, canção que abre o álbum histórico “Highway 61 Revisited”. O jornalista teve acesso às sessões de gravações do clássico, ocorridas em 15 de junho de 1965, período conturbado na carreira do artista. Dylan vinha de sua estréia com instrumentos elétricos, ocorrida no álbum anterior “Bringing it all back home”, e suas apresentações normalmente culminavam com gritos de “Judas!” vindo da platéia mais purista, que o havia alçado a posto de seu porta-voz – só não perguntaram antes se ele aceitava o cargo.
A verdade é que “Like a Rolling Stone” representa uma virada no conceito criativo do rock. A partir dali, o rock, que também havia influenciado Dylan para sua guinada elétrica, começa a abandonar os temas leves e pode-se dizer que só a partir dai ganha status de arte. Marcus, no entanto, não se fecha numa biografia da música, fazendo uma análise da importância de Dylan através dos artistas que influenciou e o fato de sua obra ainda ser relevante nos dias de hoje.
Curiosidade: Os teclados, que são uma das marcas da canção são tocados pelo lendário guitarrista Al Kooper. A verdade é que Kooper nunca havia tocado um instrumento de teclas antes – pelo menos é o que reza a lenda – e o que está ali é o guitarrista “tentando” fazê-lo.