terça-feira, 28 de agosto de 2018

Oito livros e um destino - Historias de livros perdidos




Oito livros e um destino


Escritor italiano, Giorgio van Straten, narra o fascinante e, muitas vezes, trágico histórico de obras escritas e jamais publicadas de grandes nomes da literatura universal, como Lord Byron, Sylvia Plath, Walter Benjamin e Nikolai Gogol, entre outros.
Por Cesar Alves


Num trágico dia de fevereiro, em 1852, Nikolai Gogol, postado diante de sua lareira, dedicava-se a lançar em direção as chamas cerca de 500 paginas de um manuscrito. Reza a lenda que lagrimas escorriam do rosto do consagrado autor russo e um dos cânones da literatura universal durante o processo. Depois de ver a ultima folha de papel com seus escritos ser consumida pelo fogo, um convalescente Gogol teria voltado para sua cama aos prantos, aonde viria a falecer dez dias depois. A cena teria sido presenciada por um empregado que, de acordo com seu testemunho, confirmava tratar-se da segunda parte de Almas Mortas. Talvez mais conhecida do que propriamente lida, o que muitos não sabem é que a obra como conhecemos é apenas a primeira parte de uma trilogia que o autor russo pretendia tornar sua “Divina Comédia das estepes”.
O episodio é citado no livro Historias de livros perdidos, onde o escritor italiano, Giorgio van Straten, seleciona oito títulos, jamais publicados, escritos por gigantes da literatura mundial. Além de Gogól, a lista traz nomes como Lord Byron, Sylvia Plath, Ernest Hemingway, Walter Benjamin, Bruno Schulz, Malcolm Lowry e Romano Bilenchi.
O conceito de obra perdida pode ser interpretado de mais de uma maneira, incluindo aqueles projetos citados por seus autores, mas jamais levados a cabo, devido a decisão do próprio artista ou fatalidade do destino. Aqui, no entanto, as obras escolhidas trazem em comum o fato de todas elas terem sido concretizadas, porém nunca publicadas, e destruídas pelos mais variados motivos. Algumas delas, inclusive, já estavam nas mãos de seus editores quando, por uma decisão dos herdeiros foram condenadas ao esquecimento.
É o caso de A avenida do italiano Romano Bilenchi. A obra – cujo original chegou a ser lido por Straten quando foi descoberto logo após a morte de seu autor, em 1989 – foi vetada para publicação pela viúva de Bilenchi, devido ao conteúdo extremamente intimo e pessoal do texto memorialista e autobiográfico. O pior para o pesquisador foi descobrir que, pouco antes de morrer, Maria, ultima companheira do escritor, teria destruído tanto o original quanto as copias microfilmadas do livro para que o trabalho jamais viesse a luz.
Aliás, a preocupação dos herdeiros e pessoas próximas dos autores com o efeito negativo que as revelações feitas na narrativa possam ter sobre a memória do artista e suas próprias vidas pessoais representa uma das principais motivações para que muitas obras póstumas jamais venham a publico. Exemplo é o caso das Memórias de Lord Byron carregadas de confissões intimas, incluindo descrições de orgias e aventuras sexuais com colegas do mesmo sexo, que teriam convencido sua família a promover um segundo funeral do autor, durante o qual a obra teria sido incinerada, numa espécie de ritual protagonizado por seus parentes e amigos.
O mesmo destino teria tido o romance confessional, Dupla Exposição, de Sylvia Plath, destruído por seu marido, o também escritor, Ted Hughes, logo após o suicídio da poeta. Embora haja rumores de que a obra ou parte dela esteja entre os escritos preservados por Hughes e doados para a University of Georgia, sob a condição de que não viessem a publico antes de 2022, setenta anos após sua morte.
Straten também cita os momentos turbulentos de tensão política que costumam dar vazão ao que de pior se esconde nas profundezas da alma humana, fomentando intolerância e violência, dentre os principais assassinos de idéias e criações artísticas de nossa tragédia histórica, debruçando-se sobre dois dramas que nos conduzem a Europa, durante a Segunda Grande Guerra. São os casos de O Messias, de Bruno Schulz, cujos originais se encontravam em posse do autor quando ele foi assassinado por nazistas em 1942 e provavelmente foram destruídos por seus captores; e o dos escritos que o filosofo Walter Benjamin levava em sua bagagem, quando tentava chegar a Espanha através da Polonia e teria cometido suicídio ao ser impedido de entrar para evitar ser preso e enviado a um campo de concentração. Os textos de Benjamin – aqui batizados de O que havia na valise preta – incluiriam poemas, escritos filosóficos e até um possível romance, segundo pessoas que conviveram com ele.


Serviço:
Historias de livros perdidos
Autor: Giorgio van Straten
Tradução: Silvia Massimini Felix
Editora Unesp
115 paginas