Obra infantil que
alçou Lewis Carroll ao cânone universal ainda encanta e desperta polêmica.
Ocupando o terceiro
lugar – depois de Shakespeare e da Bíblia – entre os livros mais vendidos em
todo mundo, Alice no País das Maravilhas completa 150 anos. Celebrando a data, o
livro ganha novas edições em nossas livrarias e é tema de documentário,
produzido pela BBC.
Por César Alves
“Obras brilhantes podem ser concebidas por
pessoas horríveis e não vejo problema nisso”, diz Will Self ao entrevistador,
talvez irritado com sua insistência em focar a conversa mais no comportamento
polêmico e moralmente duvidoso do autor do que nas qualidades estéticas e
importância da obra sobre a qual teria sido convidado a dar seu depoimento, que
completava 150 anos desde sua primeira publicação.
Autor de títulos brilhantes – pelo menos para
este que vos escreve –, como Cock &
Bull (Geração Editorial), a ficha corrida de polêmicas de Self talvez o
faça, aos olhos de muitos “uma pessoa horrível”. Entre seus feitos, por
exemplo, é conhecido o episódio, revelado pelo próprio autor, de que ele teria
tomado heroína no banheiro do avião do primeiro ministro inglês, quando fez
parte de uma comitiva diplomática, reunindo políticos e escritores britânicos,
para a abertura de um evento cultural – transformando o ato de fumar maconha na
casa da rainha, praticado pelos Beatles, uma travessura adolescente. Sua
declaração poderia ser interpretada como defesa em causa própria, não fosse o
livro em questão nada além do revolucionário, enigmático e surpreendente Alice no País das Maravilhas, seu autor,
Lewis Carroll, e as duvidas e suspeitas que cercam sua relação com Alice
Liddell, que teria inspirado sua personagem mais famosa.
A cena está em The Secret World of Lewis Carroll, documentário para televisão,
produzido pela BBC, que vem sendo exibido desde o início de julho, como
especial que celebra o aniversário do livro infantil que, desde sua primeira
edição, nunca deixou as listas de mais vendidos em todo o mundo. Explorada e
debatida por especialistas, psicólogos, biógrafos e outros, a fixação de Lewis
Carroll, um homem adulto, na casa dos trinta, por sua musa inspiradora – na
época com dez anos de idade – é, no mínimo, suspeita, claro. Porém tanto já se
falou e escreveu a respeito, sem chegar a lugar nenhum, que a equipe do
programa não vai além do mais do mesmo do jornalismo de fofoca, perdendo a
oportunidade de desvendar o que faz a obra ser ainda hoje tão relevante e capaz
de encantar crianças e adultos.
Como o objetivo do texto são os livros, Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou
por Lá, estrelados pela personagem, não é minha vontade entrar no debate se
Carroll era ou não pedófilo, assim como não me interessa decidir se Bentinho
era mesmo corno. Cabe ao amigo leitor decidir se o autor era mesmo “uma pessoa
horrível”, mas recomendando que – ainda que sua conclusão seja “sim”, “ele era
uma péssima pessoa” – não deixe que o julgamento, em relação a supostos desvios
morais de Lewis Carroll, desmereça ou diminua a obra.
E, em se tratando da personagem clássica,
criada por Carroll, nossas livrarias estão repletas de motivos para comemorar.
Tanto o primeiro livro, Alice no País das
Maravilhas, quanto o segundo, Alice
Através do Espelho e o que Ela Encontrou por Lá, possuem excelentes edições
nacionais, como a tradução e adaptação de Nicolau Sevcenko, da Cosac e Naify, e
a de Pepita de Leão e Marcia Feriotti Meira, lançamento da Martin Claret.
Merecem atenção também a edição luxo de bolso,
reunindo os dois livros, publicada recentemente pela Zahar; e Alice no Jardim da Infância, da
Iluminuras, que também lançou Algumas
Aventuras de Silvia e Bruno, obra do mesmo autor, pouco conhecida dos
leitores brasileiros.
Verdadeiro primor é a edição especial comemorativa publicada em parceria pela
Editora 34 e Livraria Cultura, As
Aventuras de Alice (No País das Maravilhas e Através do Espelho), traduzida
por Sebastião Uchoa Leite, trazendo as ilustrações originais, que se tornaram
tão conhecidas quanto o texto, de John Tenniel.
Seja através do desenho animado da Disney, a
recente adaptação para cinema de Tim Burton ou apropriações de personagens e
trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro
louco, no videoclipe de Don´t come round
here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais
de 35 anos –, todo mundo reconhece Alice e demais personagens emblemáticos –
como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –,
mesmo que nunca tenha lido o livro.
Publicado na Inglaterra Vitoriada, em 15 de
julho de 1865, Alice no País das Maravilhas
já surge como obra revolucionária por sua explosão de criatividade, inovação
narrativa e ousadia, deixando claro que, a partir dali, a literatura infantil
jamais seria a mesma. Verdadeiro divisor de águas, a obra rompe a tradição da
escrita para crianças – marcadas por uma mensagem edificante e pontuadas por um
fundo moral – dos autores da época e, praticamente, inventa o gênero literário
infantil moderno, mais voltado a estimular o intelecto – através de jogos de
palavras, charadas, questionamentos – e incentivar a imaginação.
Mas Carroll – mais por acidente do que
intencionalmente – foi além do universo infantil, chegando a influenciar a
literatura adulta, sendo citado por nomes que vão de James Joyce a Jorge Luis
Borges, passando pelos Surrealista e ícones da cultura jovem, como John Lennon.
Apropriações de passagens e trechos da obra
pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no
videoclipe de Don´t come around here no
more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35
anos –, através dos anos, fizeram com que todo mundo reconheça Alice e demais
personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha
de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.
Grace Slick – primeiro, com seu Great Society; depois,
na gravação mais conhecida, com o Jefferson Airplane –. assim como Dylan apresentou
a maconha aos Beatles, introduziu Alice ao universo do LSD, nos versos
clássicos de White Rabbit: “One pill makes you larger and one pill make
you small. And the ones that
mother gives you don´t do anything at all”. Desde então, a menininha curiosa e aventureira
de Carroll nunca mais foi a mesma.
Cinematográfica de berço, ainda que nascida
antes do cinema, não faltam referências à obra dentro da linguagem áudio visual,
como no universo de Matrix, por
exemplo. Mas, mesmo antes da adaptação em desenho animado da Disney ou de Tim
Burton, a menina protagonizou suas aventuras, através da tela grande. A
primeira foi Alice in Wonderland
(1903), dos diretores britânicos Cecil M. Hepworth e Percy Stow e, desde então,
do cinema mudo ao falado; do preto e branco ao Tecnicolor, o livro de Carroll
serviu de base para dezenas de adaptações, em diversos países – o amigo aqui
indicaria o experimental e lisérgico Alice
in Wonderland (1966), de Jonathan “Wolf” Miller.
As ilustrações icônicas do original, criadas
por Tenniel, inspiraram mais de uma dezena de artistas a dar seu toque pessoal ao
universo de Lewis Carroll, incluindo Salvador Dalí e o parceiro de Hunter
Thompson, Ralph Steadman.
Alice na Casa das
Rosas
Como parte das comemorações, a Casa das Rosas promove o evento 150 Anos de Alice no País das Maravilhas,
no próximo domingo, com intervenção e contação de história de Camila Feltre e
Rafael Copetti, a partir das 15h.
O evento também conta com exposição de trinta e
dois desenhos de Sir John Tenniel.
Serviço:
Casa das Rosas -
Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Avenida Paulista, 37, São Paulo, tel. 0XX11
3285-6986 / 3288-9447.
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