A Palavra Encenada de Peter
Handke
Chega às livrarias
Peças Faladas, contendo quatro peças do autor austríaco até agora inéditas no
Brasil.
Por César Alves
No alvorecer do que seriam os conturbados anos
de 1960, um jovem e desconhecido cineasta alemão sentiu-se provocado ao
assistir a montagem (se é que a palavra faz sentido em se tratando do texto em
questão) de uma peça escrita por um dramaturgo austríaco, também ainda pouco
conhecido.
O espetáculo, que rompia com tudo o que
tradicionalmente entendemos por peça teatral, indo muito além do despojamento
cênico e dramatúrgico, o atingiu profundamente, ao ponto de, logo após a experiência,
o cineasta sair a procura de quem o havia escrito, o que acabou dando início a uma
longa e produtiva parceria.
O Jovem cineasta se chamava Wim Wenders.
A peça, Autoacusação.
Seu autor, Peter Handke.
Autoacusação é um dos quatro textos de Handke
traduzidos por Samir Signeu e reunidos na antologia Peças Faladas, que a editora Perspectiva acaba de publicar, em
edição bilíngüe (Alemão-Português), para o deleite dos leitores brasileiros.
Focado na produção dramatúrgica de Handke em
que o autor subvertia o ato da escrita teatral, abrindo mão de todos os
recursos cênicos tradicionais, limitando ao uso da palavra, além do texto que
aproximou o autor de Wim Wenders, completam o livro as peças Predição, Insulto ao Público e Gritos
de Socorro. Todas, até então, inéditas por aqui.
Os textos que compõem este Peças Faladas causaram polêmica, como é do feitio de seu autor,
desde as primeiras montagens, devido ao estranhamento que causavam no público e
não é difícil entender o motivo. Provocador de carteirinha, ao criar suas peças
faladas, Handke tinha como intenção eliminar todos os recursos de palco que,
para ele, davam às montagens teatrais e à experiência cênica, uma condição
sensorial ilusória. Suas peças, então, teriam como único instrumento criativo e
condução cênica a palavra falada.
Aqui não há encenação de um drama, tragédia ou
comédia; não há personagens, uma história sendo contada ou qualquer coisa
parecida; é o próprio texto que protagoniza, desenvolve e provoca a ação
dramática e experiência cênica. Como nos é informado em Insulto ao Público: “Vocês não verão nenhum espetáculo. Suas
curiosidades não serão satisfeitas. Vocês não verão nenhuma peça”.
Tal proposta é levada ao extremo em Gritos de Socorro, onde toda a ação é
composta de recortes que parecem extraídos de campanhas publicitárias, slogans,
manchetes de jornais e revistas, com o único intuito de impedir que o público
se divirta.
Poeta, romancista, contista, dramaturgo e
cineasta, Peter Handke possui uma série de títulos publicados no Brasil, desde meados
dos anos 1970. Apesar disso, o autor é mais citado como colaborador de Wim
Wenders do que lido entre os brasileiros.
Fruto da relação entre uma austríaca e um
soldado nazista, durante os anos de ocupação alemã da Áustria, só depois de
adulto o autor foi conhecer seu pai biológico. Ainda criança se mudou com a mãe
para Berlim, passando a infância e adolescência, entre os escombros de
edifícios e casas, em um país dividido e arrasado pela guerra, pela culpa e
pelos crimes megalomaníacos de Hitler e seus asseclas.
Handke obteve reconhecimento cedo, aos 22 anos
de idade, com a publicação de seu primeiro romance Die Hornissen, em 1966, mesmo ano em que passa a fazer parte do Gruppe 47, coletivo de autores dedicado
ao debate da educação, literatura e democracia na Alemanha do pós-guerra, do
qual fizeram parte também Paul Celan, Hans Magnus Hezensberg, Gunter Grass e
Heinrich Boll.
Autor de diversas obras importantes, entre elas
O Medo do Goleiro Diante do Penalt e Kaspar, adaptado para a tela grande em
uma de suas várias parcerias com Wenders, também dirigiu seus próprios filmes,
passeando com desenvoltura pelas mais varias linguagens, da poesia à prosa, do
teatro ao cinema e etc.
Serviço:
Título: Peças Faladas
Autor: Peter Handke
Tradução: Samir Signeu
Editora: Perspectiva
240 páginas
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