A Fada Verde dos Boêmios e Artistas
Livro traça a história de uma das bebidas mais
controversas e cultuadas, já criadas pelo homem, o absinto.
Por César Alves
Elixir divino,
musa esmeralda capaz de ampliar e desinibir a criatividade dos artistas; ou
veneno demoníaco, destilado pelo próprio Satã com o intuito de destruir a
civilização?
Poucas bebidas na
história da humanidade despertaram tanta controvérsia quanto o Absinto. Cantada
como a fada de olhos verdes nos versos de Mussil, Charles Cros, Lord Byron ,
Verlane e muitos outros, tem entre seus cultores célebres nomes como Oscar
Wilde, Charles Baudelaire, Alfred Jarry, Picasso, Hemmingway, Hunter Thompson e
Johnny Depp. Era a bebida preferida de Tolousse Lautrec que, segundo reza a
lenda, teria introduzido o colega Vincent Van Gogh no vício do destilado mítico,
o que, para muitos, teria agravado ainda mais o quadro esquizofrênico no qual
este já se encontrava.
Muito popular na
França do Século XIX, o absinto era para seus detratores símbolo de tudo o que
de ruim acontecia naquele país. Estes chegavam a pedir sua proibição, o que
realmente acabou acontecendo, advertindo para o fato de que a bebida acabaria
por destruir a nação. Aos seus olhos, os franceses estavam tão mergulhados no
vício, que logo não haveria mais França, pois metade de seu povo estaria
enlouquecida pelos efeitos da bruxa verde, enquanto a outra ocupada demais
amarrando a primeira com camisas de força.
Em Absinto
– Uma história Cultural (Ed. Nova Alexandria), Phil Baker traça um
histórico do absinto desde os primeiros registros conhecidos sobre a Artemísia
Absynthia, cujas folhas são o composto básico da bebida.
De acordo com a
mitologia grega, a planta, de sabor amargo e desagradável e propriedades
curativas, seria um presente da Deusa Artemis ao Centauro Quíron. Baker
desvenda a construção do mito de elixir dos artistas boêmios, passando pela já
citada febre absintomaníaca do século XIX, quando o hábito de bebê-lo tornou-se
tradição diária entre os populares franceses ao ponto de o happy hour parisiense ganhar o elegante apelido de “A hora verde”. Questiona
até que ponto o absinto representava mesmo o perigo que justificasse sua
proibição ou era apenas vítima de uma paranóia conservadora ainda hoje em voga
– há quem defenda que a bebida deveria ser classificada como narcótico e, em
meados dos anos 2000, o ex-Primeiro Ministro Britânico Tony Blair chegou a
abrir o debate a este respeito, declarando publicamente que talvez fosse hora
de pedir novamente sua proibição.
Praticamente
banido e esquecido por quase todo o século XX, a redescoberta do absinto remete
ao final da década de 1980, quando voltou a ser difundido em inferninhos do
Leste Europeu em pleno declínio do regime soviético. Segundo Baker, a moda
teria começado com o músico John Moore, ex-integrante das bandas The Jesus And Mary Chain e Black Box Recorder. Entusiasta do
absinto, Moore foi peça chave para sua redescoberta em finas dos anos 1980.
A bebida teria voltado
à moda depois de uma entrevista e uma série de artigos assinados por ele, nos
quais o músico comparava o ato de preparar o absinto ao de aplicar heroína, uma
vez que ambos utilizavam fogo e uma colher, de forma quase ritualística. Essa
forma de preparo, com um isqueiro para ascender o liquido e derreter o torrão
de açúcar, no entanto, só surgiu no Leste Europeu em de finais do século XX, o
que para os tradicionalistas pode ser uma ofensa, tendo em vista a importância
do ritual. Para estes, o verdadeiro Absyntheur,
termo pelo qual os adoradores da bebida eram conhecidos no século XIX, sabe que
deve diluir o liquido viscoso apenas com água, despejada aos poucos sobre um
torrão de açúcar colocado sobre uma colher furada, própria para o preparo da
dose. A graça está em observar a água serpenteando por entre o líquido verde,
de preferência, ao som de Erik Satie e nada de indie rock.
Crítico
literário do The Sunday Times e o The Times Literary Supplement, Phil
Baker é autor de um livro sobre Samuel Becket e uma biografia de William S.
Burroughs. Sua História Cultural do Absinto deixa claro que se trata de uma das
bebidas mais fortes já produzidas. Logo, é bom nem experimentar. Mas o aviso é
só para deixar claro que bom amigo ele é. O livro é praticamente um guia para
os que pretendem se deixar levar pelos encantos da fada verde, com dicas de
novas marcas, onde encontrar, teor alcoólico e tudo o que precisa saber os
Absyntheurs modernos.
Mas, ainda que o
leitor não tenha interesse em experimentar o elixir esmeralda ou mesmo conhecer
sua história, o livro também vale pelas curiosidades envolvendo famosos adeptos
do absinto e sua relação com a bebida. Uma de minhas prediletas conta que o
dramaturgo Alfred Jarry, autor de “Ubu Rei”, precursor dos surrealistas e
influência no Teatro da Crueldade de Antonin Artaud, tinha duas paixões, além de
escrever: armas e bicicletas.
Cabelos tingidos
de verde, depois de uma maratona de tudo quanto é bebida alcoólica que
encontrasse – declarava-se inimigo da água, “liquido maldito que só fora criado
para lavar corpos e esfregar o chão” –, tomava uma dose de absinto, um pouco de
éter, escolhia uma de suas armas – tinha duas pistolas e uma carabina – e saia
a pedalar pelas ruas da Paris noturna. Trabuco na cintura, ficava aguardando
até que alguém perguntasse: “Tem fogo?” Era a deixa para que Jarry sacasse de
sua arma e mandasse bala.
“Merdra!”
Devem ter dito
alguns deles...
(Artigo
publicado originalmente na revista Brasileiros,
em janeiro de 2011, com o título O Elixir Verde da Boemia)
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