quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Absinto, Uma Historia Cultural (Livro)



A Fada Verde dos Boêmios e Artistas

Livro traça a história de uma das bebidas mais controversas e cultuadas, já criadas pelo homem, o absinto.
Por César Alves

Elixir divino, musa esmeralda capaz de ampliar e desinibir a criatividade dos artistas; ou veneno demoníaco, destilado pelo próprio Satã com o intuito de destruir a civilização?
Poucas bebidas na história da humanidade despertaram tanta controvérsia quanto o Absinto. Cantada como a fada de olhos verdes nos versos de Mussil, Charles Cros, Lord Byron , Verlane e muitos outros, tem entre seus cultores célebres nomes como Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Alfred Jarry, Picasso, Hemmingway, Hunter Thompson e Johnny Depp. Era a bebida preferida de Tolousse Lautrec que, segundo reza a lenda, teria introduzido o colega Vincent Van Gogh no vício do destilado mítico, o que, para muitos, teria agravado ainda mais o quadro esquizofrênico no qual este já se encontrava.
Muito popular na França do Século XIX, o absinto era para seus detratores símbolo de tudo o que de ruim acontecia naquele país. Estes chegavam a pedir sua proibição, o que realmente acabou acontecendo, advertindo para o fato de que a bebida acabaria por destruir a nação. Aos seus olhos, os franceses estavam tão mergulhados no vício, que logo não haveria mais França, pois metade de seu povo estaria enlouquecida pelos efeitos da bruxa verde, enquanto a outra ocupada demais amarrando a primeira com camisas de força.
Em Absinto – Uma história Cultural (Ed. Nova Alexandria), Phil Baker traça um histórico do absinto desde os primeiros registros conhecidos sobre a Artemísia Absynthia, cujas folhas são o composto básico da bebida.
De acordo com a mitologia grega, a planta, de sabor amargo e desagradável e propriedades curativas, seria um presente da Deusa Artemis ao Centauro Quíron. Baker desvenda a construção do mito de elixir dos artistas boêmios, passando pela já citada febre absintomaníaca do século XIX, quando o hábito de bebê-lo tornou-se tradição diária entre os populares franceses ao ponto de o happy hour parisiense ganhar o elegante apelido de “A hora verde”. Questiona até que ponto o absinto representava mesmo o perigo que justificasse sua proibição ou era apenas vítima de uma paranóia conservadora ainda hoje em voga – há quem defenda que a bebida deveria ser classificada como narcótico e, em meados dos anos 2000, o ex-Primeiro Ministro Britânico Tony Blair chegou a abrir o debate a este respeito, declarando publicamente que talvez fosse hora de pedir novamente sua proibição.
Praticamente banido e esquecido por quase todo o século XX, a redescoberta do absinto remete ao final da década de 1980, quando voltou a ser difundido em inferninhos do Leste Europeu em pleno declínio do regime soviético. Segundo Baker, a moda teria começado com o músico John Moore, ex-integrante das bandas The Jesus And Mary Chain e Black Box Recorder. Entusiasta do absinto, Moore foi peça chave para sua redescoberta em finas dos anos 1980.
A bebida teria voltado à moda depois de uma entrevista e uma série de artigos assinados por ele, nos quais o músico comparava o ato de preparar o absinto ao de aplicar heroína, uma vez que ambos utilizavam fogo e uma colher, de forma quase ritualística. Essa forma de preparo, com um isqueiro para ascender o liquido e derreter o torrão de açúcar, no entanto, só surgiu no Leste Europeu em de finais do século XX, o que para os tradicionalistas pode ser uma ofensa, tendo em vista a importância do ritual. Para estes, o verdadeiro Absyntheur, termo pelo qual os adoradores da bebida eram conhecidos no século XIX, sabe que deve diluir o liquido viscoso apenas com água, despejada aos poucos sobre um torrão de açúcar colocado sobre uma colher furada, própria para o preparo da dose. A graça está em observar a água serpenteando por entre o líquido verde, de preferência, ao som de Erik Satie e nada de indie rock.
Crítico literário do The Sunday Times e o The Times Literary Supplement, Phil Baker é autor de um livro sobre Samuel Becket e uma biografia de William S. Burroughs. Sua História Cultural do Absinto deixa claro que se trata de uma das bebidas mais fortes já produzidas. Logo, é bom nem experimentar. Mas o aviso é só para deixar claro que bom amigo ele é. O livro é praticamente um guia para os que pretendem se deixar levar pelos encantos da fada verde, com dicas de novas marcas, onde encontrar, teor alcoólico e tudo o que precisa saber os Absyntheurs modernos.
Mas, ainda que o leitor não tenha interesse em experimentar o elixir esmeralda ou mesmo conhecer sua história, o livro também vale pelas curiosidades envolvendo famosos adeptos do absinto e sua relação com a bebida. Uma de minhas prediletas conta que o dramaturgo Alfred Jarry, autor de “Ubu Rei”, precursor dos surrealistas e influência no Teatro da Crueldade de Antonin Artaud, tinha duas paixões, além de escrever: armas e bicicletas.
Cabelos tingidos de verde, depois de uma maratona de tudo quanto é bebida alcoólica que encontrasse – declarava-se inimigo da água, “liquido maldito que só fora criado para lavar corpos e esfregar o chão” –, tomava uma dose de absinto, um pouco de éter, escolhia uma de suas armas – tinha duas pistolas e uma carabina – e saia a pedalar pelas ruas da Paris noturna. Trabuco na cintura, ficava aguardando até que alguém perguntasse: “Tem fogo?” Era a deixa para que Jarry sacasse de sua arma e mandasse bala.

“Merdra!”

Devem ter dito alguns deles...


(Artigo publicado originalmente na revista Brasileiros, em janeiro de 2011, com o título O Elixir Verde da Boemia)



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