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sexta-feira, 18 de maio de 2018

Marcello Quintanilha lança novo livro e fala sobre roteiro na sede da editora Veneta






Marcello Quintanilha lança novo livro e fala sobre roteiro na sede da editora Veneta


Evento também promove a adaptação cinematográfica da premiada graphic novel, Tungstênio, que chega aos cinemas em junho, e conta com as participações de Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Heitor Dhalia, roteiristas e diretor do filme.
Por Cesar Alves


No próximo sábado, dia 19 de maio, a editora Veneta abre suas portas para um encontro com um dos nomes mais importantes dos quadrinhos brasileiros, Marcello Quintanilha, para o lançamento de seu mais novo trabalho, Todos os santos, que acaba de ser publicado pela casa. O evento promove um bate-papo com o autor sobre o novo livro e também sobre criação de roteiro para cinema a partir dos quadrinhos. Caso de sua graphic novel, Tungstenio, que acaba de ganhar adaptação cinematográfica dirigida por Heitor Dhalia, com Fabrício Boliveira, Jose Dumont, Samira Carvalho e Wesley Guimarães, no elenco, e roteiro de Marçal Aquino e Fernando Bonassi.

Também autor de Talco de vidro e Hinário nacional, começou profissionalmente ainda adolescente, ilustrando quadrinhos na extinta Bloch Editores. Colaborou com as revistas General, Metal Pesado, Nervos de Aço e Heavy Metal, entre outras. Estreou como autor de graphic novels em 1999, com a publicação de A Fealdade de Fabiano Gorila, inspirada na vida de seu pai, um ex-jogador de futebol.
Todos os Santos faz um resumo da obra do artista, reunindo ilustrações e historias em quadrinhos do inicio de sua carreira aos dias atuais. A obra recupera alguns dos primeiros trabalhos publicados pelo autor nas revistas de terror e artes marciais dos anos 1980 e trechos de suas primeiras investidas como ilustrador profissional, como os quadrinhos Os dragões de Bali, A ciência única, Catacumbas de lava e Bast, o olhar maligno da múmia.
O livro conta com raridades como a cultuada vencedora do premio da primeira Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro de 1991, Acordados!! Acordados!! – que nunca havia sido publicada. Traz ainda textos de Aldir Blanc e Marcio Paixão Nunes e uma entrevista com pesquisador e critico inglês Paul Grevett.
Também participam do encontro, Marçal Aquino e Fernando Bonassi, roteiristas do filme que chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 21 de junho.


Serviço:
Lançamento de Todos os Santos e bate-papo sobre roteiro
Com: Marcello Quintanilha, Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Heitor Dhalia
Sábado (19 de maio, 15h)
Local:
Editora Veneta –rua Araujo, 124 – 1º. Andar – Republica


sábado, 3 de março de 2018

Guido Crepax e A História de "O"





Pauline Reagé, segundo Crepax

Clássico da literatura erótica do século 20, A História de “O”, de Pauline Reagé – pseudônimo da jornalista francesa Anne Célline Desclós –, ganhou uma magistral adaptação para os quadrinhos sob a condução do maestro dos quadrinhos e criador de Valentina.
Por César Alves


Em meio à atual febre de tramas eróticas nas livrarias de todo o mundo, fenômeno ressuscitado pela série de livros Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James, é bom lembrar que sexo e arte sempre se deitaram na mesma cama. Seus segredos, no entanto, podem ter tido representação gráfica muito antes do aparecimento da imprensa. Papiro de Turim, documento descoberto em 1822, mostra desenhos feitos pelos egípcios de suas atividades sexuais, talvez seja a prova de que o gosto pelo erotismo vem muito antes de Gutenberg criar a primeira impressora no século 14 e tornar, algum tempo depois, a literatura acessível e os “livros proibidos” virarem tão populares quanto a Bíblia – muitos estudiosos consideram o documento egípcio “a primeira revista erótica da história”.
Artista gráfico e autor das mais originais histórias em quadrinhos, Guido Crepax entendeu o recado. Com as aventuras de sua personagem Valentina, criada em 1965 para a revista Linus, Crepax se tornou o mestre do erotismo gráfico e um dos artífices do movimento de emancipação feminina no universo da Cultura pop. Graças a seu traço inconfundível, argumentação que, mais que o erotismo, flerta com a filosofia e o diálogo entre o onírico e o psicológico, sem abrir mão do experimentalismo no formato narrativo e visual, é também considerado um dos responsáveis por elevar os quadrinhos ao status de arte.
Agora, sua obra começa a retornar às livrarias brasileiras, mais uma vez pela L&PM Editores – que lançou vários livros seus na década de 1980. O primeiro relançamento é o clássico A História de “O”, uma das poucas obras do autor que, contraditoriamente, não traz Valentina como protagonista. A editora promete ainda relançar outros títulos, no total de oito volumes programados.
O fato de não ter Valentina não representa exatamente uma decepção aos leitores – nem mesmo para quem adora a fotógrafa que usa botas de couro e espartilho e se tornou ícone da emancipação feminina na década de 1960. A História de “O” é baseada na obra publicada em 1953, na França, escrita por Pauline Reagé (um dos pseudônimos da escritora e jornalista francesa Anne Célline Desclos, que também assinava Dominic Áury). Na trama, a personagem “O” é uma mulher independente, levada para um castelo por seu amante, René, onde as mulheres eram ensinadas a ser submissas sexualmente aos homens. Apesar de aprender a ser escrava sexual do namorado, “O” é consciente de seu poder sobre os homens e, assim, coloca prazer e submissão lado a lado para alcançar o prazer. Nada mais polêmico e escandaloso.

Ainda que o roteiro não seja de Crepax, a adaptação que ele próprio fez traz todas as características que marcaram a sua obra: erotismo explícito e sem pudores, como no texto original, paixão por desenhar espartilhos e bondages – um deleite para voyeuristas, traço inconfundível e narrativa que exige mais de uma leitura, em que imagem, composição e distribuição dos quadros vão além dos balões de diálogos. A apropriação da trama por Crepax, embora fiel à narrativa original, faz da novela gráfica uma obra diferenciada – é bom ler as duas versões. Essa HQ revela o gosto de Crepax por adaptações literárias, o que fez desde o início de sua carreira. Sua primeira história, aliás, foi uma adaptação de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, que desenhou aos 12 anos.
Filho do primeiro violoncelista do Teatro Scala, de Milão, Itália, Crepax nasceu em 1933. Estudou arquitetura pela Universidade de Milão e, ao mesmo tempo, atuou como ilustrador em trabalhos de publicidade. Produziu capas de revistas e livros, pôsteres e ilustrações para capas de LPs – que lhe deu reputação no meio musical. Até decidir-se pelas histórias em quadrinhos, transitou por assuntos variados, mas seu maior mote foi o erotismo.

“Valentina sou eu!”
Valentina, sua mais famosa criação, veio a se tornar um dos ícones culturais do século 20, chegando a ser considerada a primeira mulher emancipada made in Italy. Assim como – dentro da Cultura Pop e o universo dos quadrinhos – a Mulher Maravilha está para os movimentos de sufrágio e liberação feminina da primeira metade do último século, Valentina está para a mulher moderna que retoma com força os ideais feministas tanto quanto o foi nos anos da contracultura e da revolução sexual, época em que foi criada. Protagonista e regente de seu destino, livre das amarras sociais e comportamentais, pronta a explorar seus desejos sem culpa e abrir caminho à frente de sua história, sem se preocupar com a opinião de uma sociedade falocêntrica ou pedir licença a um homem, surgiu como personagem secundária no terceiro episódio das aventuras do herói Neutron e tomou o lugar do protagonista logo nas primeiras aparições.
Morto em 2003, além de Valentina, Crepax criou outras heroínas, com destaque para Bianca e Anita, publicadas no Brasil pela L&PM, além de adaptar obras de Edgar Allan Poe e Marquês de Sade, entre outros. Sobre sua obra, o cineasta francês Alain Resnais disse: “Seguidamente, é necessário tomar uma página de Crepax e ler várias vezes para captar certos detalhes”. Para novos leitores, A História de “O” é um excelente ponto de partida.

(Originalmente publicado na extinta Revista Brasileiros)


terça-feira, 18 de agosto de 2015

O Coração das Trevas em Quadrinhos e o Holocausto Negro do Congo



As Profundezas do Lobo do Homem no Congo Belga e Joseph Conrad em Texto e Imagem

Fruto da experiência pessoal de Joseph Conrad, durante sua estadia no Congo, em plena colonização genocida belga e um dos mais intensos cânones da literatura universal, O Coração das Trevas, ganha adaptação para quadrinhos.
Por César Alves

Certa manhã, no limiar do século XX, missionários europeus, dedicados a espalhar a boa nova entre os selvagens da África e salvar da danação suas pobres almas condenadas, receberam um cesto pesado. A princípio, acreditaram tratar-se de um presente, uma demonstração de gratidão dos nativos aos arautos da santidade entre os homens.
O Horror! Não eram frutas nativas.
O Horror! Estava cheia até a borda.
O Horror! Dezenas de mãozinhas negras decepadas.
O Horror! Membros, separados dos corpos de crianças nativas, para castigar seus pais rebeldes.
O Horror! O conteúdo do cesto era o resultado de mais de duas décadas da colonização belga, perpetradas pelos homens de boa vontade.
O Horror! Um dos maiores e mais terríveis massacres, hoje esquecido pelos livros de história.
O Horror! Cerca de 13 milhões de mortos!
O Horror! O silêncio sepulcral de Deus quase tão sombrio quanto o silêncio dos homens de bem, frente aos massacres em nome civilização e do progresso.
Apelidado de “O Açougueiro do Congo”, foi como filantropo, o bom monarca que, em socorro ao sofrimento do povo africano, empreende uma missão civilizadora e humanitária para curar os doentes, educar os ignorantes e alimentar os famintos do Congo, Leopoldo II assumiu um dos poucos territórios ainda inexplorados, durante o neo-colonialismo europeu na África.

Terreno difícil, selva invencível, o Congo era o inferno, mesmo para exploradores experimentados. No final do século XIX, ainda evitado pelas nações ricas que investiam e lucravam com a exploração das riquezas dos territórios vizinhos.
Ambicioso, Leopoldo II chegou ao poder como o soberano que iria mudar o papel de seu país na história. A Bélgica havia ficado de fora da colonização do Novo Mundo, era vista como uma nação pacífica e próspera, mas sem grande atuação no jogo político internacional. Vencer o inferno do Congo poderia ser a cartada definitiva para mudar o jogo. Mas a empreitada era por demais arriscada. As chances de fracasso eram imensas e, ainda que obtivesse sucesso, os lucros certos com as riquezas naturais levariam tempo para cobrir as despesas da aventura.
Para evitar jogar a conta no tesouro belga, o rei arquitetou um plano para financiar equipamentos, armas e mão de obra, sem tirar do próprio bolso. Fundou, em seu nome e em nome de seus parentes, diversas associações filantrópicas de fachada e, através delas, arrecadou os fundos necessários, sob a alegação de tratar-se de uma expedição humanitária. Algo bem parecido com o golpe de políticos, ativistas inescrupulosos e ONGs falsas de hoje em dia. Na verdade, sua majestade tinha verdadeiro interesse era na riqueza de marfim e extração de borracha – o potencial das riquezas minerais da região ainda não tinha sido percebido, mas o leitor não está errado se pensou nos “Diamantes de Sangue”, que não é nada mais do que um dos capítulos mais recentes dessa mesma tragédia.
Os trinta anos de dominação belga no Congo, resultou num número aproximado de 13 milhões de mortos. Portanto, quando você pensar nos grandes genocídios da história, lembre-se também do Holocausto Negro no Congo; quando falarem em campos de trabalhos forçados e de extermínio, pense no estupro de mulheres negras liberados para soldados e emissários do rei e no único caso conhecido na história de um povo e um país inteiro como propriedade e mão de obra escrava de um individuo, o Rei Leopoldo.
Quando ler sobre a crueldade perpetrada por grupos paramilitares, milicianos e guerrilheiros nas florestas africanas de hoje, pense no “Manual de Dominação e Condicionamento”, elaborado pelos alto-funcionários da coroa belga em fins do século dezenove, que incluía tortura, desmembramento, decapitação e cabeças enfiadas em estaca, como forma de imposição da ordem, ainda hoje usado para educar os integrantes dos grupos citados anteriormente.

O horror, segundo Joseph Conrad, em quadrinhos
Ainda hoje praticamente ignorado pelos livros de história, a tragédia colonial do Congo não passou despercebida pela literatura e acabou gerando uma das obras mais importantes de literatura universal, através da pena mestra de Joseph Conrad, autor de O Coração das Trevas e testemunha ocular do massacre – Conrad seguiu a carreira de marinheiro por 16 anos, experiência que foi base para sua obra. Em um de seus últimos empregos marítimos, o autor trabalhou para uma empresa de exploração belga, justamente conduzindo um barco a vapor através do Rio Congo. O período de dominação de Leopoldo II.
A obra, que já ganhou duas adaptações para cinema e pode ser encontrada em diversas traduções em nossas livrarias, acaba de chegar às nossas prateleiras em adaptação para os quadrinhos.
Roteirizado pelo premiado dramaturgo norte-americano, David Zane Mairowitz, com desenhos de Catherine Anyango, do Royal College of Arts of London, e tradução para o português de Ludimila Hashimoto, no ótimo lançamento da heróica editora Veneta.

Inspiração para o roteiro de Apocalypse Now de Francis Ford Coppola, O Coração das Trevas narra a saga do capitão Charles Marlow e sua busca pelo misterioso senhor Kurtz. Lobo do mar e aventureiro, Marlow se vê entediado após longo período sem trabalho. Para quem tem em um navio seu único lar e na vastidão do mar sua única pátria, nada pior que terra firme. Contratado por uma companhia inglesa de exploração de marfim, Marlow assume o comando de um barco a vapor. É enviado a uma colônia africana para, pelo rio, transportar de um posto a outro o produto extraído da selva. Antes, no entanto, é incumbido de resgatar o senhor Kurtz, funcionário que dirige o posto mais produtivo, localizado na parte mais alta e inóspita da rota. A busca por Kurtz mergulha Marlow em uma jornada sombria em direção às profundezas da selva e da alma humana.


Serviço:

Título: O Coração das Trevas
Autores: Joseph Conrad, David Mairovitz e Catherine Anyango
Editora Veneta
128 páginas




sexta-feira, 24 de abril de 2015

O Perfuraneve - Quadrinhos




A Podridão Viaja de Trem

A ficção-científica pós-apocalíptica de O Perfura Neve, graphic novel concebida pelos franceses Jacques Lob, Jean-Jacques Rochette e Benjamin Le Grand, chega às nossas livrarias.
Por César Alves


Em um vagão lotado de miseráveis, alguns de seus passageiros – talvez tentando se esquecer da fome e do frio –, decidem comemorar o aniversário do mais velho entre eles. A situação e condição em que se encontram não oferecem possibilidade para a realização de uma festa, mas, dentro de suas possibilidades, os passageiros prometem ao ancião o que ele mais gostaria de ter como presente, naquele momento. Ele responde:
“Solidão. Ficar sozinho, nem que seja por uma hora ou duas”.
Todos consentem e se apertam com os demais passageiros do vagão ao lado, para dar ao pobre senhor, uma hora de privacidade, realizando seu desejo. Enquanto aguardam, divertem-se, conversando sobre o que estaria ele fazendo, com a rara privacidade concedida.
Ao final daquela hora, todos retornam ao vagão original, curiosos sobre como ele teria aproveitado seu tempo e se estaria feliz com o presente. Para o espanto de todos, encontram o aniversariante dependurado com uma corda ao redor do pescoço. Aproveitara seus minutos de solidão para dar fim a sua vida e escapar de seu martírio. 

Concebida originalmente em 1980 pelos franceses Jacques Lob e Jean-Jacques Rochette, a graphic novel, O Perfuraneve (Le Transperceneige), é considerada uma obra prima da ficção-científica em quadrinhos e a tradução de Daniel Luhmann, que acaba de ser lançada no Brasil pela Editora Aleph, comprova não se tratar de exagero.
Ambientada num mundo pós-apocalíptico, lançado numa nova Era do Gelo, depois de uma hecatombe nuclear, a trama gira em torno dos conflitos dos últimos sobreviventes da raça humana, condenados a vagar pelo planeta num mega trem de 1.001 vagões, considerado a última esperança da espécie, o Perfuraneve.
Ao contrário do que se deveria esperar – e a historia do homem conhecida até aqui só comprova não ser coisa da ficção –, face à ameaça de extinção, os remanescentes do que foi um dia a civilização não se unem em nome de um bem comum e vencem suas diferenças para salvar a espécie. O que se dá, é exatamente o oposto.
Uma vez embarcados, os passageiros imediatamente passam a reproduzir o comportamento que rege a sociedade, no que ela tem de pior. A beleza e inteligência do texto vêm justamente na maneira como os autores souberam reproduzir isso, através da maneira como estão divididos os vagões. Sendo que os últimos deles acomodam os pobres e miseráveis – os fundistas –, proibidos de interagir com os demais passageiros; enquanto que estes são destinados, de forma crescente, aos mais ricos, revelando melhor conforto e condições de vida, de acordo com as posses e classe econômica de seus passageiros. Sendo assim, O Perfuraneve mergulha nas profundezas de nossa espécie, revelando um microcosmo da civilização em suas mais vergonhosas e desprezíveis características, como a intolerância, a ganância e a violência, expostas nas atitudes políticas, daqueles que administram o trem, com como nos adeptos de uma nova religião, surgida das cinzas das religiões monoteístas conhecidas, que, uma vez confinadas, readaptam sua fé, substituindo a figura de Deus pela Máquina Sagrada que corre nos trilhos.
A série teve continuidade em dois outros volumes, The Explorers (1999) e The Crossing (2000), escritas por Benjamin Legrand. Além do belo tratamento gráfico, a edição brasileira tem a vantagem de reunir toda a saga em um único volume.
Definitivamente, imperdível, a obra original foi adaptada para o cinema em 2013, lançado no Brasil como O Expresso do Amanhã, do diretor coreano Bong Joon-ho, estrelado por Chris Evans (o Capitão América dos filmes da Marvel).


Serviço:

Título: O Perfuraneve
Editora: Aleph
280 páginas


terça-feira, 17 de março de 2015

O Quinto Beatle - Quadrinhos



O Quinto Fabuloso de Liverpool

Sucesso de crítica e vendas, a premiada biografia do empresário dos Fab Four em quadrinhos deve virar filme e chega ao Brasil pela editora Aleph.
Por César Alves

Contrariando um velho clichê muito explorado em artigos, livros e documentários sobre a história dos Beatles – a de que o produtor George Martin seria a cabeça de número cinco na máquina criativa e bem sucedida dos quatro fabulosos de Liverpool –, em 1999, o ex-Beatle, Paul McCartney teria declarado: “se houve um quinto beatle, este foi Brian Epstein. Brian era praticamente parte do grupo”. O depoimento foi a inspiração para o título de O Quinto Beatle, Graphic Novel, recentemente, publicada no Brasil pela editora Aleph, que conta a história do empresário, divulgador e principal responsável pela beatlemania em quadrinhos.

Escrita por Vivek J. Tiwary e com desenhos de Andrew C. Robinson, a obra narra a história de Epstein, a partir do momento que ele descobre seus futuros protegidos e decide empresariá-los até sua morte, em 1967, por uma overdose acidental.
Dono de uma loja de discos e também empresário de outras bandas de Liverpool, como Gerry and The Peacemakers e Billy J. Kramer, Brian Epstein foi o primeiro a perceber o potencial do grupo, ao ponto de insistir em conseguir um contrato para eles quando ninguém apostava que eles poderiam ser alguma coisa, dentro do Show Business. Visionário, desde os primeiros momentos da carreira do quarteto, declarava “um dia, eles serão maiores do que Elvis Presley”, provocando risadas em gente do meio musical.
Epstein, que era judeu, quando ser judeu era no máximo algo aceitável, e homossexual, quando o homossexualismo era tratado como crime ou doença, foi responsável pela construção visual dos Beatles, convencendo-os a trocar seus casacos de couro rockers pelos famosos terninhos de gola que os fizeram mais apresentáveis para o público britânico
São os desafios, tanto na vida pessoal, quanto profissional, abraçados pelo empresário que dão o tom da narrativa, que representa em alguns momentos, Epstein como um toureiro. Tais experimentos visuais foram a opção dos autores para representar, de forma simbólica, os embates internos e externos sofridos por ele, que tomava remédios para “curar” seu homossexualismo.
Em vários momentos, os autores recorrem a elementos fantasiosos para caracterizar os efeitos das drogas, colocando o leitor na perspectiva de Epstein. Como, por exemplo, a negociação entre ele e o apresentador Ed Sullivan para a apresentação dos Beatles no programa de maior audiência nos Estados Unidos da época e que deu ignição à beatlemania. Durante a conversa com Sullivan, o apresentador fala através de um boneco de ventríloquo.

O texto foi construído através dos depoimentos de amigos e colaboradores do empresário, como Nat Weiss, advogado dos Fab Four, e Joanne Pettersen, assistente pessoal de Brian Epstein.
Da relação afetuosa entre Epstein e Pettersen – aqui como Moxie –, passando pela explosão mundial do grupo; os escândalos – como a declaração de Lennon de que “os Beatles agora são maiores que Jesus Cristo” e sua repercussão entre conservadores e religiosos xiitas –, e as férias na Espanha que o empresário teria passado com John e que ainda hoje rende debates sobre a sexualidade de Lennon, trata-se de um belíssimo trabalho.
A Graphic Novel esteve por cinco semanas entre a lista dos mais vendidos do The New York Times, foi indicada ao Prêmio Eisner, o mais importante dos quadrinhos, e vai ser adaptado para o cinema no ano que vem, com direito ao uso de canções, autorizado pelos Beatles sobreviventes.


Serviço:
Título: O Quinto Beatle.
Autor: Vivek J. Tiwary.
Ilustrador: Andrew C. Robinson.
168 páginas
Editora: Aleph.





segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Violent Cases - Neil Gaiman e Dave McKean



Volta às livrarias, Violent Cases, primeira Graphic Novel da parceria Gaiman e McKean
Por César Alves


Literalmente, Violent Cases poderia ser traduzido por Casos Violentos, mas a graphic novel que inaugurou a parceria fértil entre Neil Gaiman e Dave McKean – e que acaba de ser relançada, em edição de luxo da editora Aleph – traz, já no título, uma de suas características mais marcantes: o jogo de palavras e os aspectos nebulosos da memória.
O título faz uso da semelhança de sonoridade que as palavras, Violent e Violins (violinos), podem ter quando pronunciadas. Associado à palavra Case, que tanto pode significar Caso como também Estojo, Violent Case é como o narrador da história se lembra de ter entendido quando o pai lhe contara sobre os estojos de violino em que os mafiosos italianos guardavam suas metralhadoras Tommy Gun, durante a Lei Seca.
Publicada originalmente em 1987, Violent Cases é normalmente citada entre as obras que, no ano anterior, redirecionaram o segmento a um novo público e abriram os olhos daqueles que se recusavam a dar ao formato das histórias em quadrinhos o status de arte, como O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, e Watchmen, de Alan Moore. Diferente destes títulos, no entanto, a obra de Gaiman e McKean não se alinhava no imbatível gênero “super-heróis”. Trata-se das memórias confusas de uma infância brutal, narrada por um personagem que, aos quatro anos de idade, teria conhecido, através do pai, um médico osteopata que teria trabalhado com o gangster Al Capone.

Nascida como um conto escrito por Gaiman, Violent Cases se divide entre os relatos de dois personagens. O narrador, agora adulto, tenta se lembrar dos dias em que, depois de ter seu braço quebrado pelo pai – a narrativa não deixa claro se por acidente ou por um caso de violência doméstica –, que o leva para se tratar com um amigo seu, o esteopata de Capone.
A trama entrelaça memórias pessoais do garoto com as histórias que ele ouvira de seu médico, resultando numa narrativa experimental em que passagens da vida de uma criança se confundem entre fato e ficção, imaginação e as histórias violentas que ele ouvira durante sua rápida relação com o doutor. Tudo isso, associado aos desenhos de McKean oferecem um resultado textual e visual impressionante, quase cinematográfico. A sequência em que, durante uma festinha de aniversário, crianças dançam, cantam e brincam de dança das cadeiras, com a narrativa do médico sobre Al Capone, em um de seus rompantes de fúria, destroçando com um bastão de baseball as cabeças de seus desafetos, como quem quebra uma piñata de doces, é brilhante.
Na época, Gaiman, que logo se tornaria uma estrela no universo dos comics como autor da série Sandman, pretendia escrever uma historia que pudesse ser lida por qualquer pessoa e que pudesse revelar de forma definitiva o potencial das Graphic Novels. Em sua preferência por explorar as profundezas da memória, fatos e personagens reais, está mais próxima de obras da mesma época, não menos revolucionárias, como Maus, de Art Spigealman, e The Dreamer, de Will Eisner, e também pode estar no início de um fio condutor que abriria as portas para a premiadíssima Persépolis, de Marjane Satrapi, por exemplo.
Fora das prateleiras desde que HQM Editora a lançou por aqui pela última vez, a nova edição da Aleph traz textos depoimentos de seus autores, Gaiman e MacKean, e apresentação do celabrado Alan Moore.

Serviço:
Título: Violent Cases.
Autor: Neil Gaiman.
Ilustrador: Dave McKean.
Tradução: Érico Assis.
Número de páginas: 64.
Editora: Aleph.




quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Vejo a Terra Prometida - Arthur Flowers e Manu Chitrakar



A odisséia de Martin Luther King

Tradição e modernidade se encontram em Vejo a Terra Prometida, belíssima e original graphic novel que acaba de chegar às livrarias brasileiras.

Por César Alves

Aliar formas narrativas ancestrais à moderna linguagem dos quadrinhos para contar uma das mais fascinantes trajetórias de nossa história recente foi o ponto de partida para Vejo a Terra Prometida, premiada graphic novel da editora indiana Tara Books que acaba de sair no Brasil via Martins Fontes. A idéia era ousada: narrar a vida do pastor, ativista e um dos maiores símbolos da luta pela igualdade de direitos, Doutor Martin Luther King, utilizando a antiga arte patua de difundir mitos, lendas e fatos cotidianos através de pinturas em pergaminhos.

A missão foi dada ao bengalês Manu Chitrakar que, na ocasião, pouco sabia a respeito do Doutor King e a luta pelos direitos civis. Uma vez familiarizado com a história, o artista conseguiu captar de forma impressionante a essência do projeto, identificando nela traços que marcam a clássica jornada do herói desde os mitos fundadores das civilizações. Aqui, o ativista nos é apresentado como o escolhido pelos deuses para empreender uma odisséia de feitos sobrehumanos, com direito às tradicionais descidas ao inferno e ao desfecho heróico em sacrifício ritual. Como nas sagas ancestrais, em seu martírio, o herói oferece o próprio sangue em nome da liberdade de seu povo. É em seu flagelo que ele encontra a vitória. O resultado é uma série de painéis cuja beleza acabou por superar as expectativas dos editores.

Tendo em mãos as pinturas e sabendo estar em posse de um material especial, o próximo passo seria encontrar um autor cujo texto estivesse à altura do tratamento visual dado pelo artista. Escritor e bluesman, Arthur Flowers se encantou com a idéia logo de cara. Admirador e estudioso da vida e obra de Martin Luther King, o poeta é herdeiro da arte de contar histórias dos antigos mestres griots, responsável por manter viva a cultura ancestral africana via narrativa oral. Fruto daqueles turbulentos anos de 1960, o bardo afro-americano é também ativista e estava presente na noite em que o Doutor King fez o histórico discurso Estive no Alto da Montanha, o que o torna ainda mais íntimo do projeto. Seu texto retrata de forma brilhante um personagem cuja trajetória simboliza toda a luta dos afro-americanos por liberdade.

A narrativa começa com os primeiros africanos trazidos como escravos para as Américas, no que se classifica mais como o seqüestro de um povo do que como o êxodo negro descrito por muitos autores, até chegar às primeiras ações que levaram à conquista de seus direitos já na segunda metade do século XX. De maneira clara e fluida, o autor sintetiza a luta pelos direitos civis desde o simbólico e corajoso ato solitário de Rosa Parks em se recusar a ceder seu lugar no ônibus a um passageiro branco – o que resultou em sua prisão, tendo em vista as leis segregacionistas vigentes no período –, passando pelas manifestações pacíficas repreendidas com violência policial, o histórico protesto das crianças e o recrudescimento dos confrontos, com o surgimento dos movimentos mais radicais. No centro da arena, Martin Luther King, guerreiro movido pela roda do destino, armado apenas com suas idéias e seguro de seu conceito de ação direta pela não-violência.

Fascinado com os trabalhos do artista bengalês, Arthur Flowers optou por conduzir o texto de forma a respeitar as pinturas de Chitrakar, compondo versos baseados na tradição dos griots, que dialogam perfeitamente com as ilustrações. Ao invés dos balões que marcam os quadrinhos tradicionais, a narrativa segue livremente em comunhão com as imagens sem invadi-las, fazendo uso apenas de caixas para dar destaque aos fatos mais marcantes, às vezes lembrando o cordel brasileiro.

Tão antigas quanto o cinema, as histórias em quadrinhos percorreram um longo caminho até fugir da definição simplista de mero entretenimento de massa. Se hoje finalmente alcançaram o status de arte, as narrativas gráficas de Will Eisner e o advento das Graphic Novels, caso da obra em questão, merecem muito do crédito. Se o leitor ainda tem dificuldade em aceitar tal fato, Vejo a terra prometida oferece boa oportunidade para rever sua opinião. Em sua beleza e originalidade, tanto narrativa quanto visual, a obra é exemplo do potencial dos quadrinhos como autentica expressão artística e dona de um vasto território ainda por ser explorado.