quarta-feira, 13 de maio de 2015

Marquês de Sade - Livros



Evangelhos Libertinos (ou Tratado Filosófico de Perversões)

Marquês de Sade é celebrado com  lançamento de dois livros sobre sua obra, A Felicidade Libertina e Os Libertinos de Sade, e apresentação do espetáculo Julliete, da Cia. Os Satyros.
Por César Alves

Muito já foi dito sobre Donatien Alphonse François de Sade. Demonizado por homens santos, conservadores e demais defensores da retidão moral e dos costumes castos, como o Marquês de Sade, tornou-se o anti-papa da religião que celebra o pecado, apóstolo primeiro, entre os pregadores dos evangelhos da luxúria e dos excessos. Ainda assim, para o bem e para o mal, em se tratando de autor e obra tão fascinantes, muito parece ainda ser pouco.
Esse é apenas um dos argumentos que fazem mais do que bem vindos os lançamentos das obras A Felicidade Libertina, de Eliane Robert Moraes, e Os Libertinos de Sade, de Clara Castro, ambos publicados pela editora Iluminuras – que há anos vem disponibilizando para os leitores brasileiros, títulos da obra de Sade, incluindo Os 120 Dias de Sodoma ou a Escola da Libertinagem, A Filosofia na Alcova e Os Infortúnios da Virtude.
Embora no exterior contavam-se mais de seiscentos títulos sobre a obra do Marquês de Sade – todos publicados entre 1950 e 1973, ano em que foi a realizada a pesquisa –, no Brasil, poucos estudos sérios nesse sentido foram publicados, até os dias de hoje. É justamente para preencher tal vácuo que chegam os novos títulos.
Em A Felicidade Libertina, a pesquisadora Eliane Roberto Moraes faz uso das personagens e enredos criados pelo prolífico autor para introduzir e destrinchar a filosofia “lúbrica” de Sade para o leitor brasileiro. Já, em Os Libertinos de Sade, Clara Castro debruça-se sobre a obra e suas diversas encarnações no universo da arte – além do teatro e cinema, como a clássica adaptação de Os 120 Dias de Sodoma, de Pasolini, Sade teve forte impacto sobre movimentos artísticos como o Surrealismo, por exempl0 –, descrevendo sua verdadeira importância, que vai muito além da literatura erótica e pornográfica, como erroneamente muitas vezes é catalogado.
O lançamento oficial de ambas as obras acontece quinta-feira, 14 de maio, na Estação Satyros, residência da Companhia Teatro d´Os Satyros, que encena, até 30 de junho, o texto Juliette, da obra do Marquês de Sade.

O Filósofo “Lúbrico”
Considerado “um libertino entre os libertinos”, capaz de enrubescer constrangidos até mesmo alguns dos pornógrafos declarados, sua vida e obra foram o suficiente para seu nome estar na raiz do substantivo “sadismo”, como definição de perversão sexual extremada, e que, para seus adeptos, fosse cunhado o adjetivo “sádico”.
Nascido em 1740, filho de aristocratas franceses – o que lhe renderia o título de conde e não marquês, como ficou famoso –, logo na infância Donatien deu sinais de seu comportamento errático e tendências violentas que lhe renderiam uma ficha corrida de fazer inveja a muitos criminosos lendários da historia.
Na tentativa de preparar o filho para uma vida grandiosa no seio da aristocracia e honrar o nome da família futuramente, sua mãe fez de tudo para aproximar o menino de Louis-Joseph de Bourbon, príncipe de Condé, contando que, assim, seu filho cultivaria, desde cedo, uma amizade com um membro da realeza.
Primeira de muitas manifestações de seu comportamento descontroladamente impulsivo que, mais tarde, associado às suas experiências sexuais extremas, que chocaram a burguesia de sua época, e declarações nada veladas contra a igreja, o matrimônio e a moral aristocrática, que o levaram a ser perseguido pelo clero e toda a sociedade, rendendo à ele diversas prisões por sodomia, heresia e indecência – ao contrário do que pode se pensar, suas passagens por prisões, incluindo a famigerada Bastilha, foram motivadas por suas práticas de perversão e lascívia, não por seus escritos, que surgiram justamente durantes suas estadias no cárcere. Sua vida foi uma verdadeira coleção de desafetos, que vão da Igreja a Napoleão Bonaparte, passando pelos rebeldes que perpetraram a Revolução Francesa.
Durante o bicentenário da morte de Sade, no ano passado, sua obra passou por uma reavaliação, com direito a homenagens e uma exposição no Museu D´Orsay de Paris. Nada mau para alguém que teria pedido em seus últimos momentos que fosse esquecido e que seu corpo fosse abandonado para apodrecer em um terreno baldio ou servir de alimento para animais carniceiros, entre as árvores de uma floresta.


Serviço:

Livros:

A Felicidade Libertina
Autor: Eliana Robert Moraes
280 páginas

Os Libertinos de Sade
Autor: Clara Castro
312 páginas
Editora: Iluminuras
Lançamentos: 14 de maio. Das 18H30 às 20h30 – Local: Estação Satyros

Peça:

Juliette
Texto: Marquês de Sade
Direção: Rodolfo Garcia Vasquez
Elenco: Teatro d´Os Satyros
Local: Estação Satyros
Endereço: Praça Roosevelt, 134 – Consolação – São Paulo – SP


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Cenas de Uma Revolução - O Nascimento da Nova Hollywood



Roteiros de transição

Livro reportagem de Mark Harris registra a ruptura geracional do cinema norte-americano nos anos sessenta.
Por César Alves


A trajetória de um casal de foras da lei texano, famoso durante a depressão, inspirou dois jovens funcionários da revista Esquire a iniciar o roteiro de um dos filmes que devolveriam ao cinema norte-americano sua criatividade perdida.
Fãs de Alfred Hitchcock e da Novelle Vague francesa, David Newman e Robert Benton sonhavam ver o texto dirigido por seu ídolo, François Truffaut. Não sob a régia do diretor francês, mas de Arthur Penn, o resultado foi muito além do que a dupla esperava.
O filme, estrelado por Warren Beatty e Faye Dunaway, entrou para a história como um dos que ajudaram a reinventar a indústria de Hollywood, pavimentando caminho para uma geração de realizadores que daria início a uma de suas fases mais criativas.
Ao lado de A primeira noite de um Homem, Adivinhe Quem Vem Para Jantar, No Calor da Noite e O Fantástico Dr. Doolitle, todos lançados em 1967 e indicados ao Oscar no ano seguinte, Bonnie And Clyde representa um dos cinco recortes cinematográficos da psique norte-americana nos anos sessenta. É o que defende o escritor e jornalista Mark Harris no excelente livro reportagem Cenas de Uma Revolução, publicado no Brasil pela L&PM Editores.
No alvorecer da década de 1960, a indústria cinematográfica hollywoodiana passava por uma de suas piores crises. Se os roteiristas sofriam diante da página em branco, o mesmo não poderia ser dito dos jornalistas. As redações estavam em fase brilhante, graças a um estilo em ascensão que adicionava elementos da literatura às técnicas de reportagem. O jornalismo literário ou Novo Jornalismo não era exatamente uma novidade. O estilo, no entanto, estava em glória e a Esquire era praticamente sua residência oficial. Tendo como colaboradores alguns dos mais notórios expoentes do gênero, era em suas páginas que Norman Mailer, Tom Wolfe, Gay Talese e outros encontravam liberdade para exercer seu talento em artigos que traziam de sobra todo o ritmo e criatividade que faltavam aos filmes.

Foi do ambiente de trabalho que Benton e Newman se alimentaram para dar início a seu projeto. O texto embrionário de Bonnie And Clyde foi quase todo escrito durante o expediente entre as paredes da redação da Esquire. A dupla tirava proveito de tal liberdade justificando suas escapadelas como “saídas para pesquisa” que na verdade eram usadas para sessões de Hitchcock e cinema europeu ou para visitar sebos em busca de livros sobre gangsteres, literatura policial pulp e artigos em jornais e revistas sobre o bando dos irmãos Barrow. Ai se encontra um dos principais atrativos da reportagem de Mark Harris. O livro faz um relato pormenorizado de cada um dos filmes, desde as idéias originárias para concepção das obras até sua materialização em película, apropriando-se de elementos da cultura pop para fazer um retrato histórico-social do período.
Da publicação de Misses Robinson, romance de Charles Webb propagandeado como novo O Apanhador no Campo de Centeio e fracassado nas livrarias, até sua reinvenção fílmica com A Primeira Noite de um Homem, dirigido por Mike Nichols que traz o jovem Dustin Hoffman na atuação que o levou ao estrelato, Harris destrincha o meio cinematográfico e o star system no contexto das profundas mudanças e conflitos sociais que marcam a época.
Aqui nos é apresentado um Sidney Poitier insatisfeito com os papéis edificantes que lhe eram oferecidos, mais para dar um verniz progressista ao conservadorismo da indústria do que para valorizar seu talento. Inteligente, sobre sua conquista do Oscar em 1964, pela atuação em Uma Voz nas Sombras – inédita premiação a um ator negro, celebrada na mídia como sinal de mudanças –, ele declara: “Eu ainda era o único ali”. Tentando se equilibrar entre o astro e o ativista pelos direitos civis em luta por maior participação de afro-americanos nos filmes, Poitier sabia que, como um dos únicos astros de sua raça – o outro era Harry Belafonte –, naquele contexto, não poderia aceitar papéis que o apresentassem de forma negativa. Porém, sabia ser capaz de atuar como Rei Lear, por exemplo, como qualquer ator branco. Foi no protagonista de No Calor da Noite que finalmente encontrou um personagem que não se baseava em clichês raciais.
Harris revela curiosidades interessantes sobre os filmes. Bonnie and Clyde, por exemplo, passou de mão em mão até chegar a Warren Beatty que estreava como produtor e não pretendia atuar. Para ele, o papel de Clyde Barrow deveria ser feito por Bob Dylan. François Truffaut chegou a vê-lo como ideal para sua estréia na direção de um filme norte-americano, depois entregou o roteiro à Godard. A passagem entusiasmada, porém breve, de Jean-Luc oferece um dos momentos mais divertidos do livro. Ele pretendia rodar tudo em Nova Jersey no mês de janeiro. Na primeira reunião com os produtores, teria sido informado que o clima não favorecia as filmagens na data planejada. Reforçando sua fama de difícil, o diretor teria respondido: “Eu estou falando de cinema e você, de meteorologia!” Abandonando a reunião em seguida para nunca mais tocar no assunto.
Colunista da Entertainment Weekly, o estilo de Mark Harris lembra o de mestres do jornalismo literário como Gay Talese. Ele sabe explorar fatos que, para muitos pesquisadores, poderiam parecer banais.
Na passagem sobre uma festa oferecida pelo casal Jane Fonda e Roger Vadim, por exemplo, o escritor enxerga um evento carregado de simbolismo. Numa das primeiras e raras vezes em que a antiga e a nova Hollywood estiveram sob o mesmo teto, os expoentes da velha guarda teriam se incomodado com o folk eletrificado emitido pelos amplificadores da banda The Byrds no palco montado exclusivamente para a apresentação. Irritado, o patriarca dos Fonda, Henry, teria gritado ao filho, Peter: “Dá para pedir para eles baixarem o volume?”
A festa, que ainda teria Peter Fonda subindo no telhado da casa para gritar: “Deus abençoe a maconha!”, é representativa do momento de ruptura. Nos anos que se seguiram, a geração de Henry e outros convidados, como Gene Kelly, William Wyler e Lauren Bacall, seria destronada pelos ilustres desconhecidos ali presentes, a maioria oriunda das produções B de Roger Corman. Gente como Dennis Hopper, Jack Nicholson e o próprio Peter Fonda.
A nova Hollywood começava a tomar forma embalada pelas guitarras elétricas dos Byrds. A invasão bárbara seria concluída com a chegada de Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian De Palma, George Lucas, Steven Spielberg e outros.
Mas ai já é outra história, ficando aqui a dica de Easy Riders, Ranging Bulls – no Brasil, Como a Geração Sexo, Drogas & Rock´n´Roll Salvou Hollywood (Intrinseca Editora) –, de Peter Biskind, como sequencia perfeita após a leitura do ótimo lançamento da L&PM.



Serviço:

Título: Cenas de Uma Revolução – O Nascimento da Nova Hollywood
Autor: Mark Harris
Editora: L&PM Editores
488 páginas