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terça-feira, 1 de agosto de 2017

Gertrude Stein - Para Fazer um Livro de Alfabetos e Aniversários



Brincando com tia Gertrude Stein

Edição brasileira de Para Fazer um Livro de Alfabetos e Aniversários revela uma faceta pouco conhecida da intelectual que batizou a Lost Generation, a de autora de textos direcionados ao público infantil.
Por César Alves

Zed era uma garotinha francesa que queria uma zebra como presente de aniversário. Para que o animal se sentisse confortável e o seguisse até em casa, seria preciso que o pai de Zed pintasse o mundo inteiro com listras. O conto está na letra “Z” do abecedário de brincadeiras e jogos concebido por Gertrude Stein em seu livro Para Fazer um Livro de Alfabetos e Aniversários que a editora Iluminuras disponibiliza nas livrarias brasileiras, com tradução de Dirce Waltrick do Amarante e Luci Collin.
Escrito em 1940, o livro seria a segunda investida da autora no universo infantil, seguindo o relativo sucesso de The World is Round (O Mundo é Redondo), publicado no ano anterior. Seus editores, no entanto, se recusaram a publicá-lo alegando que a obra não era exatamente apropriada para os pequenos. Stein não se deu por vencida e, após oferecê-lo a diversas editoras, chegou a engatar o projeto em 1942. Problemas com os ilustradores e, principalmente, as dificuldades com material e pessoal enfrentadas pelo mercado editorial durante a II Guerra fizeram com que a obra não chegasse a ser publicada, o que só aconteceu postumamente quinze anos depois pela Yale University Press.
Trata-se de um alfabeto – cada letra ligada às iniciais dos nomes das personagens ou relacionada com as datas de seus aniversários – permeado por contos que fogem do formato tradicional de “começo, meio e fim”, privilegiando o que a autora chamava de “presente contínuo”. Se as histórias, poemas e anedotas aqui reunidas muitas vezes beiram o delicioso nonsense, a autora não se acanha em tocar em temas delicados como a morte e a guerra, por exemplo.
Nome de peso entre os artistas, escritores, poetas e intelectuais norte-americanos que se mudaram para Paris no período entre guerras e batizados por ela como a “Geração Perdida” – que contava com nomes como Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, entre outros –, Stein teve participação efetiva na efervescência modernista parisiense, travando uma estreita relação com Picasso e Apollinaire, por exemplo, e acompanhando de perto a construção de movimentos de vanguarda como o Cubismo. Vem daí sua vocação para os experimentos de linguagem que fizeram de sua obra uma das mais relevantes do período e que aqui são explorados, a partir de colagens sonoras, de maneira a tornar a experiência da leitura num convite ao jogo e brincadeiras de desconstrução da linguagem.
Já foi dito que a leitura da obra de Gertrude Stein representa um verdadeiro desafio lingüístico. Aqui, o desafio também ganha ares de aventura e merece ser aceito por crianças e adultos.
Em tempo. Antes tarde do que nunca, a obra de Gertrude Stein vem ganhando as livrarias brasileiras. Recentemente, a mesma Iluminuras que está lançando a obra tema deste texto também publicou O que você está olhando – Teatro (1913-1920), reunindo 18 peças de sua autoria. A extinta Cosac & Naify publicou há alguns anos sua tradução de Autobiografia de Alice B. Toklas e, mais recentemente, a editora Âyné publicou Picasso. Esperemos que mais coisas venham por ai...

Serviço:
Título: Para Fazer um Livro de Alfabetos e Aniversários
Autor: Gertrude Stein
Tradução: Dirce Waltrick do Amarante e Luci Collin
Editora: Iluminuras
144 páginas





quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Alice no País das Maravilhas - 150 anos Depois



Obra infantil que alçou Lewis Carroll ao cânone universal ainda encanta e desperta polêmica.

Ocupando o terceiro lugar – depois de Shakespeare e da Bíblia – entre os livros mais vendidos em todo mundo, Alice no País das Maravilhas completa 150 anos. Celebrando a data, o livro ganha novas edições em nossas livrarias e é tema de documentário, produzido pela BBC.
Por César Alves

“Obras brilhantes podem ser concebidas por pessoas horríveis e não vejo problema nisso”, diz Will Self ao entrevistador, talvez irritado com sua insistência em focar a conversa mais no comportamento polêmico e moralmente duvidoso do autor do que nas qualidades estéticas e importância da obra sobre a qual teria sido convidado a dar seu depoimento, que completava 150 anos desde sua primeira publicação.
Autor de títulos brilhantes – pelo menos para este que vos escreve –, como Cock & Bull (Geração Editorial), a ficha corrida de polêmicas de Self talvez o faça, aos olhos de muitos “uma pessoa horrível”. Entre seus feitos, por exemplo, é conhecido o episódio, revelado pelo próprio autor, de que ele teria tomado heroína no banheiro do avião do primeiro ministro inglês, quando fez parte de uma comitiva diplomática, reunindo políticos e escritores britânicos, para a abertura de um evento cultural – transformando o ato de fumar maconha na casa da rainha, praticado pelos Beatles, uma travessura adolescente. Sua declaração poderia ser interpretada como defesa em causa própria, não fosse o livro em questão nada além do revolucionário, enigmático e surpreendente Alice no País das Maravilhas, seu autor, Lewis Carroll, e as duvidas e suspeitas que cercam sua relação com Alice Liddell, que teria inspirado sua personagem mais famosa.
A cena está em The Secret World of Lewis Carroll, documentário para televisão, produzido pela BBC, que vem sendo exibido desde o início de julho, como especial que celebra o aniversário do livro infantil que, desde sua primeira edição, nunca deixou as listas de mais vendidos em todo o mundo. Explorada e debatida por especialistas, psicólogos, biógrafos e outros, a fixação de Lewis Carroll, um homem adulto, na casa dos trinta, por sua musa inspiradora – na época com dez anos de idade – é, no mínimo, suspeita, claro. Porém tanto já se falou e escreveu a respeito, sem chegar a lugar nenhum, que a equipe do programa não vai além do mais do mesmo do jornalismo de fofoca, perdendo a oportunidade de desvendar o que faz a obra ser ainda hoje tão relevante e capaz de encantar crianças e adultos.
Como o objetivo do texto são os livros, Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, estrelados pela personagem, não é minha vontade entrar no debate se Carroll era ou não pedófilo, assim como não me interessa decidir se Bentinho era mesmo corno. Cabe ao amigo leitor decidir se o autor era mesmo “uma pessoa horrível”, mas recomendando que – ainda que sua conclusão seja “sim”, “ele era uma péssima pessoa” – não deixe que o julgamento, em relação a supostos desvios morais de Lewis Carroll, desmereça ou diminua a obra.

E, em se tratando da personagem clássica, criada por Carroll, nossas livrarias estão repletas de motivos para comemorar. Tanto o primeiro livro, Alice no País das Maravilhas, quanto o segundo, Alice Através do Espelho e o que Ela Encontrou por Lá, possuem excelentes edições nacionais, como a tradução e adaptação de Nicolau Sevcenko, da Cosac e Naify, e a de Pepita de Leão e Marcia Feriotti Meira, lançamento da Martin Claret.
Merecem atenção também a edição luxo de bolso, reunindo os dois livros, publicada recentemente pela Zahar; e Alice no Jardim da Infância, da Iluminuras, que também lançou Algumas Aventuras de Silvia e Bruno, obra do mesmo autor, pouco conhecida dos leitores brasileiros.
Verdadeiro primor é a edição especial  comemorativa publicada em parceria pela Editora 34 e Livraria Cultura, As Aventuras de Alice (No País das Maravilhas e Através do Espelho), traduzida por Sebastião Uchoa Leite, trazendo as ilustrações originais, que se tornaram tão conhecidas quanto o texto, de John Tenniel.

Seja através do desenho animado da Disney, a recente adaptação para cinema de Tim Burton ou apropriações de personagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come round here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, todo mundo reconhece Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Publicado na Inglaterra Vitoriada, em 15 de julho de 1865, Alice no País das Maravilhas já surge como obra revolucionária por sua explosão de criatividade, inovação narrativa e ousadia, deixando claro que, a partir dali, a literatura infantil jamais seria a mesma. Verdadeiro divisor de águas, a obra rompe a tradição da escrita para crianças – marcadas por uma mensagem edificante e pontuadas por um fundo moral – dos autores da época e, praticamente, inventa o gênero literário infantil moderno, mais voltado a estimular o intelecto – através de jogos de palavras, charadas, questionamentos – e incentivar a imaginação.
Mas Carroll – mais por acidente do que intencionalmente – foi além do universo infantil, chegando a influenciar a literatura adulta, sendo citado por nomes que vão de James Joyce a Jorge Luis Borges, passando pelos Surrealista e ícones da cultura jovem, como John Lennon.
Apropriações de passagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come around here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, através dos anos, fizeram com que todo mundo reconheça Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Grace Slick – primeiro, com seu Great Society; depois, na gravação mais conhecida, com o Jefferson Airplane –. assim como Dylan apresentou a maconha aos Beatles, introduziu Alice ao universo do LSD, nos versos clássicos de White Rabbit: “One pill makes you larger and one pill make you small. And the ones that mother gives you don´t do anything at all”. Desde então, a menininha curiosa e aventureira de Carroll nunca mais foi a mesma.
Cinematográfica de berço, ainda que nascida antes do cinema, não faltam referências à obra dentro da linguagem áudio visual, como no universo de Matrix, por exemplo. Mas, mesmo antes da adaptação em desenho animado da Disney ou de Tim Burton, a menina protagonizou suas aventuras, através da tela grande. A primeira foi Alice in Wonderland (1903), dos diretores britânicos Cecil M. Hepworth e Percy Stow e, desde então, do cinema mudo ao falado; do preto e branco ao Tecnicolor, o livro de Carroll serviu de base para dezenas de adaptações, em diversos países – o amigo aqui indicaria o experimental e lisérgico Alice in Wonderland (1966), de Jonathan “Wolf” Miller.
As ilustrações icônicas do original, criadas por Tenniel, inspiraram mais de uma dezena de artistas a dar seu toque pessoal ao universo de Lewis Carroll, incluindo Salvador Dalí e o parceiro de Hunter Thompson, Ralph Steadman.


Alice na Casa das Rosas
Como parte das comemorações, a Casa das Rosas promove o evento 150 Anos de Alice no País das Maravilhas, no próximo domingo, com intervenção e contação de história de Camila Feltre e Rafael Copetti, a partir das 15h.
O evento também conta com exposição de trinta e dois desenhos de Sir John Tenniel.

Serviço:
Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Avenida Paulista, 37, São Paulo, tel. 0XX11 3285-6986 / 3288-9447.








quarta-feira, 13 de maio de 2015

Marquês de Sade - Livros



Evangelhos Libertinos (ou Tratado Filosófico de Perversões)

Marquês de Sade é celebrado com  lançamento de dois livros sobre sua obra, A Felicidade Libertina e Os Libertinos de Sade, e apresentação do espetáculo Julliete, da Cia. Os Satyros.
Por César Alves

Muito já foi dito sobre Donatien Alphonse François de Sade. Demonizado por homens santos, conservadores e demais defensores da retidão moral e dos costumes castos, como o Marquês de Sade, tornou-se o anti-papa da religião que celebra o pecado, apóstolo primeiro, entre os pregadores dos evangelhos da luxúria e dos excessos. Ainda assim, para o bem e para o mal, em se tratando de autor e obra tão fascinantes, muito parece ainda ser pouco.
Esse é apenas um dos argumentos que fazem mais do que bem vindos os lançamentos das obras A Felicidade Libertina, de Eliane Robert Moraes, e Os Libertinos de Sade, de Clara Castro, ambos publicados pela editora Iluminuras – que há anos vem disponibilizando para os leitores brasileiros, títulos da obra de Sade, incluindo Os 120 Dias de Sodoma ou a Escola da Libertinagem, A Filosofia na Alcova e Os Infortúnios da Virtude.
Embora no exterior contavam-se mais de seiscentos títulos sobre a obra do Marquês de Sade – todos publicados entre 1950 e 1973, ano em que foi a realizada a pesquisa –, no Brasil, poucos estudos sérios nesse sentido foram publicados, até os dias de hoje. É justamente para preencher tal vácuo que chegam os novos títulos.
Em A Felicidade Libertina, a pesquisadora Eliane Roberto Moraes faz uso das personagens e enredos criados pelo prolífico autor para introduzir e destrinchar a filosofia “lúbrica” de Sade para o leitor brasileiro. Já, em Os Libertinos de Sade, Clara Castro debruça-se sobre a obra e suas diversas encarnações no universo da arte – além do teatro e cinema, como a clássica adaptação de Os 120 Dias de Sodoma, de Pasolini, Sade teve forte impacto sobre movimentos artísticos como o Surrealismo, por exempl0 –, descrevendo sua verdadeira importância, que vai muito além da literatura erótica e pornográfica, como erroneamente muitas vezes é catalogado.
O lançamento oficial de ambas as obras acontece quinta-feira, 14 de maio, na Estação Satyros, residência da Companhia Teatro d´Os Satyros, que encena, até 30 de junho, o texto Juliette, da obra do Marquês de Sade.

O Filósofo “Lúbrico”
Considerado “um libertino entre os libertinos”, capaz de enrubescer constrangidos até mesmo alguns dos pornógrafos declarados, sua vida e obra foram o suficiente para seu nome estar na raiz do substantivo “sadismo”, como definição de perversão sexual extremada, e que, para seus adeptos, fosse cunhado o adjetivo “sádico”.
Nascido em 1740, filho de aristocratas franceses – o que lhe renderia o título de conde e não marquês, como ficou famoso –, logo na infância Donatien deu sinais de seu comportamento errático e tendências violentas que lhe renderiam uma ficha corrida de fazer inveja a muitos criminosos lendários da historia.
Na tentativa de preparar o filho para uma vida grandiosa no seio da aristocracia e honrar o nome da família futuramente, sua mãe fez de tudo para aproximar o menino de Louis-Joseph de Bourbon, príncipe de Condé, contando que, assim, seu filho cultivaria, desde cedo, uma amizade com um membro da realeza.
Primeira de muitas manifestações de seu comportamento descontroladamente impulsivo que, mais tarde, associado às suas experiências sexuais extremas, que chocaram a burguesia de sua época, e declarações nada veladas contra a igreja, o matrimônio e a moral aristocrática, que o levaram a ser perseguido pelo clero e toda a sociedade, rendendo à ele diversas prisões por sodomia, heresia e indecência – ao contrário do que pode se pensar, suas passagens por prisões, incluindo a famigerada Bastilha, foram motivadas por suas práticas de perversão e lascívia, não por seus escritos, que surgiram justamente durantes suas estadias no cárcere. Sua vida foi uma verdadeira coleção de desafetos, que vão da Igreja a Napoleão Bonaparte, passando pelos rebeldes que perpetraram a Revolução Francesa.
Durante o bicentenário da morte de Sade, no ano passado, sua obra passou por uma reavaliação, com direito a homenagens e uma exposição no Museu D´Orsay de Paris. Nada mau para alguém que teria pedido em seus últimos momentos que fosse esquecido e que seu corpo fosse abandonado para apodrecer em um terreno baldio ou servir de alimento para animais carniceiros, entre as árvores de uma floresta.


Serviço:

Livros:

A Felicidade Libertina
Autor: Eliana Robert Moraes
280 páginas

Os Libertinos de Sade
Autor: Clara Castro
312 páginas
Editora: Iluminuras
Lançamentos: 14 de maio. Das 18H30 às 20h30 – Local: Estação Satyros

Peça:

Juliette
Texto: Marquês de Sade
Direção: Rodolfo Garcia Vasquez
Elenco: Teatro d´Os Satyros
Local: Estação Satyros
Endereço: Praça Roosevelt, 134 – Consolação – São Paulo – SP


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Contra vampiros emos e lobisomens vegans, Lovecraft é a cura - Artigo


Contra vampiros emos e lobisomens vegans, Lovecraft é a cura

Vida e obra de um dos mais criativos e brilhantes autores fantásticos da era moderna ganham as livrarias brasileiras, em plena era do Terror Ritalina.
Por César Alves

A galeria de monstros assustadores que povoam o imaginário humano desde tempos imemoriais, como vampiros, zumbis, gárgulas, lobisomens e demais criaturas mitológicas e folclóricas, quase que em sua totalidade, vem passando por um processo de transformação e modernização, desde o advento da indústria do entretenimento – nem sempre bem vindo, tendo em vista os vampiros emos e licantropos vegetarianos dos livros e filmes blockbusters recentes, que fazem a cabeça da garotada. A mesma indústria que ajudou a tornar ainda mais populares e não menos assustadores – nas interpretações de Boris Karloff, Lon Chaney, Max Schreck, Bella Lugosi e Christopher Lee – parece hoje decidida a destruir a reputação dos personagens de terror clássicos.

Um aficionado por teorias conspiratórias poderia nos chamar a atenção para o detalhe de que ela também é responsável por alguns dos protagonistas dos terrores noturnos contemporâneos, como Freddy Krueger, Jason de Sexta-feira 13, Alien e o Predador, entre muitos outros.
Não acho que seja o caso e estou quase certo de que a coisa tem mais a ver com a percepção, por parte dos produtores e empresários culturais, de que adolescentes, com déficit de atenção, hiperatividade e muito dinheiro dos pais pra gastar, ofereciam um nicho inexplorado para autores e diretores com dislexia. Inventaram o Terror Ritalina ou Ficção Fantástico-Anencefálica (rótulos meus – prometo, que serão os primeiros e últimos).
Achei que não tinha mais volta, estávamos pegos e até passei a amaldiçoar Anne Rice e a culpar seus vampiros metrossexuais – apesar de não listá-la entre os autores e roteiristas a quem me refiro, afinal, possui seus méritos – como precursora disso tudo. Isso até que um de meus sobrinhos, depois de ler O Iluminado e outros de Stephen King, me perguntar por H. P. Lovecraft e me pedir emprestado alguns de seus livros. Levou três deles e, pouco mais de uma semana depois, voltou em busca de outros.
Ta bom, pode ser fato isolado, mas, pouco depois, na livraria de um amigo, chegam algumas garotas saudáveis, bem alimentadas, recém saídas da adolescência, prováveis leitoras da série Crepúsculo, procurando por Lovecraft, citando de memória os títulos que queriam.
Percebendo minha surpresa com a cena, depois de as moças saírem, comenta o amigo livreiro:
“O Lovecraft anda bem popular, entre a garotada. Todo dia, vem alguém aqui procurando. Sempre uma molecada nova, meio moderninha. Sempre foi Cult. Mas ta ficando pop entre os adolescentes.”
Ele disse num tom jocoso, mas, se fosse verdade, achei ótimo, perceber que, ao menos uma parte dos garotos e garotas de hoje estivessem abandonando o Harry Potter, principalmente, sabendo o que a leitura de O Alquimista fez no processo de estupidificação de boa parte dos garotos e garotas da minha época.

Se Lovecraft virou pop, não tenho ainda certeza, mas ver o Cthulhu – entidade cósmica, criada e citada pelo autor em diversas de suas histórias – aparecer em um episódio recente da escatológica animação de Matt Stone e Trey Parker, South Park, pode ser um sinal.
Considerado um dos maiores mestres da arte literária em explorar o fantástico e o medo, Howard Phillips Lovecraft vai muito além. Nascido em 1890, admirador incondicional de Edgar Allan Poe, sua colaboração para com o gênero extrapola concepções, estéticas e convencionais. Criador de toda uma mitologia própria de seres fantásticos e criaturas tão inacreditáveis, quanto assustadoras, Lovecraft praticamente reinventou a literatura de terror, ao misturar com desenvoltura e muita criatividade, o sobrenatural, o científico e o filosófico.
Dono de um intelecto único e pesquisador dedicado do oculto e ciências gerais, em sua obra, o impossível e o fantástico não eram gratuitos. Embora concebido como ficção e sem a pretensão do realismo, em sua grande maioria, para serem publicados em revistas baratas e escapistas – pulp fictions –, suas tramas e situações, seu universo e os personagens que nele vivem, são criados dentro dos limites do possível e, como toda grande obra do gênero, é da ocorrência fantástica, dentro dos limites do real, que provoca medo. Carregadas de seres criptozoológicos, descobertas criptocientíficas e conceitos criptofilosóficos, narrativa alucinante, fruto de uma mente brilhante – insana, para muitos –, suas histórias lhe renderam uma série de rótulos para descrevê-la como única e original, como Weird Fiction, para ficarmos apenas na minha preferida.
Fruto ou não de uma suposta redescoberta do autor por novos leitores, a ótima notícia é que a obra de Lovecraft vem recebendo de editoras como a Iluminuras e Hedra o respeito merecido e, como exemplo e indicação, tanto para novos, quanto para admiradores antigos, segue abaixo alguns dos títulos imperdíveis, disponibilizados nas livrarias brasileiras recentemente.
Pela Iluminuras, que já publicou outros títulos como A Cor que Caiu do Céu, Nas Montanhas da Loucura e O Horror Sobrenatural em Literatura (obra de não ficção, onde o mestre desenvolve um estudo profundo sobre o gênero que adotou e revolucionou), acaba de lançar também O Horror em Red Hook, A Maldição de Sarnath e A Procura de Kardath.
Já a editora Hedra, que há pouco tempo publicou Os Melhores Contos de H.P. Lovecraft, lança A Vida de H.P. Lovecraft, estudo biográfico e artístico, escrito por J.T. Joshi, respeitado mundialmente como um dos maiores especialistas sobre o autor.
Nada mais a dizer, aos amigos e amigas leitores, deleitem-se:

Serviço:

Título: À Procura de Kadath
Título: A Maldição de Sarnath
Título: O Horror de Red Hook
Autor: H.P. Lovecraft
Editora Iluminuras

Título: Os Melhores Contos de H.P. Lovecraft
Autor: H.P. Lovecraft
Título: A Vida de H.P. Lovecraft
Autor: S.T. Joshi
Editora: Hedra




quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Iluminuras - Arthur Rimbaud




O Desregramento dos Sentidos de Rimbaud

Depois de quase duas décadas fora de catálogo, obra testamento de um dos maiores poetas franceses volta às livrarias brasileiras.
Por César Alves

Dentre as personalidades inaugurais da poesia moderna, Arthur Rimbaud é o tipo de artista que, embora possa ser considerado o primeiro de muitos, possui obra e biografia únicas. Como o próprio Rimbaud previra – arroubos provocativos de arrogância juvenil, para alguns; momento visionário e exposição corajosa de alguém capaz de enxergar adiante, típica do artista seguro de seu talento, originalidade e, portanto, da longevidade de sua obra, para muitos – sua poesia, mais que divisora de águas, fez-se um marco e abriu as portas para a invasão bárbara, promovida por outros, dotados de seu mesmo espírito anárquico e experimental, que o seguiram e transformaram os conceitos estéticos e padrões artísticos, até então, estabelecidos.
Direta ou indiretamente, Rimbaud influenciou quase tudo o que aconteceu de relevante na historia da cultura e arte ocidental posterior a ele. Dos Surrealistas aos Beatniks, passando pelas vanguardas artísticas e movimentos modernistas europeus e americanos; da Contracultura aos patet... – ooops! – “poetas” do rock brasileiro. Tudo no curto período de sua vida que vai de seus 17 aos 21 anos de idade, tornando quase impossível evitar o clichê comumente associado a seu nome, Infant Terrible.
Uma trajetória marcada por criatividade intensa, ousadia – tanto poética, quanto comportamental – e boemia, que, para muitos, encontra em Iluminuras (Gravuras Coloridas) seu testamento poético. O livro, cuja tradução brasileira, feita pelos poetas Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Mendonça, havia desaparecido das livrarias ha quase duas décadas, acaba de ser relançado, em edição revista da Editora Iluminuras (mesma casa editorial das edições anteriores).

Escrito entre 1873 e 1875, durante suas passagens por Londres, Paris, Alemanha, Holanda e Dinamarca, em meio aos momentos de paixão e fúria que marcaram seu conturbado relacionamento com o poeta Paul Verlaine e pouco tempo antes de seu inexplicável rompimento com a literatura, Iluminuras, ao lado de seu livro anterior Uma Temporada no Inferno – título que o precede, traduzido no Brasil por Ledo Ivo –, se inscreve entre as grandes e fundamentais obras da poesia moderna.
Considerar Iluminuras como obra-testamento da poesia de Rimbaud não é mera característica criada por especialistas e críticos para catalogar a importância de um título específico, dentro da obra de determinado artista.
Se o ímpeto experimental e a proposta de promover uma rebelião contra as formas estéticas e dogmas temáticos e estilísticos que pontuavam a produção de sua época, já estavam visíveis em sua obra desde que o autor de O Barco Bêbado chamou a atenção do Panteão Literário francês, sob as bênçãos de Victor Hugo para aquele jovem poeta de 17 anos, é aqui que sua proposta de uma “alquimia verbal” se confirma. Aqui, “o poeta se faz vidente por um longo, imenso e irracional desregramento de todos os sentidos”, em instantâneos caleidoscópicos de sonhos, alegorias e experimentos líricos, harmônicos e textuais.
Como este que vos escreve não passa de um mero admirador do gênero, está longe de ser um especialista ou crítico de poesia e, principalmente, para evitar exageros verborrágicos e frases pretensiosas, como as que fecham o parágrafo anterior, paro por aqui com minha análise da obra e sugiro aos colegas a leitura obrigatória do livro.
Bilíngue, a nova edição de Iluminuras traz também um ensaio crítico, assinado pelos tradutores.
Nascido em Charleville, em 1854, Jean-Nicolas Arthur Rimbaud escreveu cerca de vinte livros de poesia antes dos 21 anos, até abandonar de vez o ofício da escrita. Depois disso, empreendeu uma série de jornadas clandestinas, chegando a se alistar no Exército Colonial Holandês, simplesmente para poder entrar livremente em Java (Indonésia). Tais viagens o levaram ao continente africano, onde atuou como traficante de armas. Última “profissão” que exerceu, antes de sua morte, aos 37 anos, quando retornou a Paris, depois de uma gangrena que o levou a amputar uma das pernas.

Serviço:
Título: Iluminuras
Tradução, notas e ensaio: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça
Editora: Iluminuras
192 páginas