quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Ray Kurzweil - Como Criar Uma Mente



A desconstrução do cérebro e a criação da nova mente

Inventor, futurista e visionário da Era Tecnológico, Ray Kurzweil propõe a engenharia reversa do cérebro humano, como receita para a criação das futuras máquinas inteligentes perfeitas.
Por César Alves

O homo sapiens, até o momento, parece ser a única espécie surgida neste planeta cujo sucesso evolucionário, além de alçá-lo ao topo da cadeia alimentar na luta pela sobrevivência, também inaugurou um novo degrau evolutivo pós-seleção natural.
Através da observação, coletada, registrada e transmitida uns aos outros sobre o funcionamento da natureza a sua volta; e da criação e invenção de instrumentos, talvez, não seja um completo exagero dizer que a humanidade passou para um novo estágio. Agora não só se adapta ao ambiente, como também, desde que abandonou o nomadismo, o homem adapta a ele o mundo em sua volta.
Como já defenderam muitos estudiosos, esse novo estágio segue por duas linhas evolutivas separadas que, paralelamente, seguem na direção do mesmo destino: a da técnica e do pensamento. Da lança ou míssil balístico e foguetes que nos levaram à lua; da escrita cuneiforme ao e-mail e os modernos computadores de bolso, ambas as linhas são guiadas e impulsionadas pelo mesmo motor e principal acessório biológico da espécie: o cérebro.
Desde que o matemático e criptógrafo, Alan Turing, um dos pais da ciência da computação, vislumbrou o futuro de máquinas inteligentes, que teria sido desencadeado pelo surgimento dos primeiros computadores, lançando as bases do moderno conceito de Inteligência Artificial, ainda em meados dos anos 1950, parece ter ficado claro que o próximo passo da invenção humana passaria pelo desafio de dar aos instrumentos, frutos de sua capacidade técnica, o dom do pensamento.
Décadas à frente de seu tempo, os conceitos e teorias abordados por Turing décadas atrás, em parte, já são realidade. Afinal, vivemos em um mundo de máquinas inteligentes. Mas seus conceitos foram muito além dos aparelhos celulares que conversam e atendem ao chamado de voz do proprietário, computadores que jogam xadrez e drones que espionam e bombardeiam alvos inimigos, sob um comando feito a quilômetros de distância. Ele vislumbrava um mundo em que as máquinas seriam capazes de igualar de forma tão profunda o raciocínio e intelecto humano, inclusive em suas complexidades, ao ponto de se tornar impossível a distinção entre uma pessoa e uma máquina, durante uma conversa.

Essa etapa, segundo defende, o inventor e futurista, Ray Kurzweil, também está mais próxima do que pensamos – em entrevistas, chegou a datar 2029 como o ano do surgimento das primeiras máquinas inteligentes. O segredo, conforme aposta em seu livro, Como Criar Uma Mente, que acaba de sair no Brasil pela Editora Aleph, está na compreensão do funcionamento de nosso cérebro, processador da mais complexa e perfeita máquina biológica conhecida, o corpo humano.
A obra, que acaba de sair no Brasil pela Editora Aleph, busca desvendar os segredos do pensamento humano e propõe que a entrada na era das máquinas inteligentes prevista por Turing passa por um processo de engenharia reversa do cérebro humano para desvendar seu funcionamento, principalmente de nosso neocórtex – exclusividade do cérebro de animais mamíferos, que é responsável por nossa capacidade de lidar com padrões de informação de forma hierárquica.
Para o autor, tal característica do cérebro biológico, é fundamental para a construção da mente artificial perfeita e, inspirado na maneira como são processadas as informações pelo neocórtex humano, desenvolveu uma Teoria da Mente Baseada em Reconhecimento de Padrões, descrita no livro.
 Mas, ao contrário do que alguns leitores poderiam supor, suas idéias vão além da teoria. Para comprovar o que fala, Kurzweil se apóia em diversos projetos e estudos em andamento com esse propósito, além das mais recentes descobertas no estudo científico sobre o funcionamento do cérebro e como tais avanços da neurociência colaboram com o desenvolvimento da inteligência artificial.
Atual Diretor de Engenharia do Google e fundador da Singularity University, Kurzweil, classifica-se como uma das mentes contemporâneas dotadas do mesmo intelecto visionário de Alan Turing. Autor de The Age of Intelligent Machines (A Era das Máquinas Inteligentes), que ganhou o Association of American Publisher´s Award de Melhor Livro de Informática de 1990.

Além de apresentar um apanhado do que vem acontecendo na vanguarda dos avanços e descobertas em neurociência e tecnologia atualmente, Como Criar Uma Mente faz um apanhado dos principais exercícios mentais, realizados por gênios como Charles Darwin e Albert Einstein para comprovar suas teorias, responsáveis pelos maiores avanços no conhecimento científico dos dois últimos séculos, além de sugerir ao leitor exercícios para comprovar suas próprias teorias. O livro também aborda a interface Homem-Máquina e demais temas pertinentes ao tema e que estarão cada vez mais em voga nas próximas décadas.
Dele, a editora Aleph já havia publicado anteriormente A Era das Máquinas Espirituais, que recomendo como leitura essencial para compreender esse nosso admirável mundo novo e as grandes expectativas que o futuro nos reserva.

Serviço:
Título: Como Criar Uma Mente
Autor: Ray Kurzweil
Editora: Aleph
400 páginas



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Histórias Curiosas da Segunda Guerra Mundial - Livro



Lendas e Curiosidades de um Conflito
Historiador espanhol compila curiosidades fatuais, mitos e lendas da Segunda Guerra Mundial em livro.
Por César Alves

Para muitos, a Segunda Guerra Mundial é apenas o capítulo mais marcante de um conflito iniciado com a explosão da primeira e que, ao contrário do que os livros da história podem nos induzir a acreditar, não teria terminado com a derrota dos países do Eixo, mas prosseguido com a Guerra Fria. Desse ponto de vista, crises bélicas, como a recente tensão na Ucrânia e o – ainda longe de alcançar uma solução pacífica – conflito Israel e Palestina, seriam continuação de um mesmo momento histórico e, dessa forma, teria durado por todo o século passado e ainda continuaria viva, nos dias de hoje.
Teorias históricas a parte, certo é que a Segunda Guerra sempre irá atrair nossa atenção devido ao que tem de monstruoso, heróico, exemplo de superação e do que a humanidade possui de melhor e pior e como tais características afloram e se mostram claras durante momentos de crise.
Talvez, isso explique porque o conflito ainda ser tão presente em nossas vidas e continua sendo assunto inesgotável para livros; tanto factuais quanto ficcionais, filmes; documentários, cinebiografias e pano de fundo para roteiros de aventura, dramas históricos e até comédias. Tanto para aqueles que viveram o período, quanto para os nascidos depois, o último grande confronto global faz parte do inconsciente coletivo de nossa civilização, e continua atraindo atenção pelo impacto causado na ordem geopolítica de seu tempo e que ainda reverbera em nossos dias, pelos fantasmas que deixou e sempre voltam para nos assombrar, por seus protagonistas notórios e sua atuação, mas também pelo que tem de mítico e curioso.
É justamente sobre o lado mítico, lendário e curioso do evento que se debruça o historiador e jornalista espanhol, Jesús Hernández, autor de Historias Curiosas da 2ª. Guerra Mundial, que acaba de ganhar edição brasileira.
Ao contrário de outros livros sobre o tema, o autor aqui passeia por personagens – anônimos e notáveis – que, de uma forma ou outra, estiveram envolvidos, como protagonistas de momentos decisivos ou apenas coadjuvantes, lançados em meio ao furacão bélico por circunstâncias diversas. Trata-se de uma coleção de histórias pouco exploradas como a paixão de Hitler pelo busto de Nefertiti, ao ponto de arriscar perder um aliado e ponto estratégico importante, criando um mal estar com o Egito, ao se recusar a devolver a peça ao Museu do Cairo; o uso do carro de Al Capone por Roosevelt e o papel de mafiosos, como Lucky Luciano, na tomada da Itália, aqui são explorados, revelando o que possuem de lenda e fato.
Apesar de manter a seriedade que o tema merece, a obra oferece uma leitura diferente da maioria dos livros sobre a 2ª. Guerra com os quais estamos acostumados. Sua escrita simples e a narrativa fazem de Historias Curiosas da 2ª. Guerra Mundial excelente leitura tanto para leigos quanto especialistas. Leitura agradável para o leitor comum e também fonte de pesquisa para estudiosos.
Se nada disso despertou a curiosidade, do amigo ou amiga, para conferir o livro, quando se deparar com ele nas prateleiras de sua livraria predileta, talvez, histórias com a descrita abaixo o faça:

Picasso e o Oficial Nazista
Contrariando os conselhos de amigos e colaboradores, Pablo Picasso, um dos muito residentes ilustres de Paris, decidiu que ficaria na França, mesmo depois da invasão alemã, em 1942. A retomada das hostilidades, apesar do armistício assinado por ambas as nações três anos antes, e o conhecido tratamento dado pelas forças nazistas aos que não concordavam com sua doutrina, como era o seu caso, eram motivos mais do que suficientes para que tal atitude fosse vista como ato suicida ou de muita coragem – verdadeira insanidade, para muitos.
Apesar de declarar-se abertamente contrário aos nazistas, o artista, no entanto, foi poupado das perseguições pelo governo invasor, devido à popularidade e o respeito que tinha mundo afora, defendem historiadores. O que não o livrou de ser alvo de vigilância constante. Afinal, embora não tenha chegado a integrar as fileiras da Resistência Francesa, Picasso não escondia seu apoio e era visto como um companheiro de luta pelos que integravam a causa.
Na esperança de convencê-lo a mudar de lado e, assim, poder contar com o apelo propagandístico que seu nome poderia angariar para a popularidade do novo governo, políticos e oficiais alemães tentavam seduzi-lo com mimos, privilégios e presentes – principalmente, material de pintura, muito escasso, devido à guerra. Tais visitas ao ateliê do pintor eram quase diárias, nas quais faziam elogios, reforçavam sua admiração por seu trabalho e pareciam irritar profundamente Picasso.
Numa delas, conta-se que Otto Abetz, embaixador Alemão em Paris, durante a ocupação, teria apontado para a reprodução de uma obra, exposta em uma das paredes, e perguntado:
_ Obra sua, mounsier Picasso?
_ Não. Obra sua!
Respondeu o artista.
Tratava-se de uma reprodução de Guernica, obra-manifesto contra a desumanidade da guerra, pintada por Picasso após o bombardeio sofrido pela cidade basca, em 26 de abril de 1937, perpetrado por forças alemãs.
*.*
Se o diálogo e a situação realmente aconteceram, a história acima é, no mínimo, um deleite, tanto como mito, quanto como fato histórico.

Serviço:
Título: Histórias Curiosas da 2ª. Guerra Mundial
Autor: Jesús Hernández
Editora: Madras
340 páginas



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Cinco Relacionamentos Abertos que Revolucionaram as Artes (Livro)



A Vida Amorosa dos Artistas

Cinco casais, formados por artistas consagrados e notórios em suas épocas, cujas relações abertas desafiaram as convenções matrimoniais vigentes e revolucionaram as artes e comportamento, são estudados em livro.
Por César Alves


Lou-Andreas Salomé, não dava muito crédito ao talento de seu jovem amante e aspirante a poeta, quando – aos 36 anos, casada e com o consentimento do marido – deu início ao caso com o ainda desconhecido e muito mais jovem, Rainer Maria Rilke. Na época a bela, inteligente e libertária Salomé já havia sido a terceira parte de uma tríade sexual e amorosa, cujos outros dois amantes célebres eram o filósofo Friedrich Nietzsche e Paul Reé e escandalizava a sociedade de sua época com seus escritos e idéias de mulher a frente de seu tempo – rezam as más línguas que o filósofo do martelo teria saído da relação aos pedaços, Salomé foi a Lilith que destroçou o coração do “homem que matou Deus”.
Mais madura e com uma carreira e trajetória definida, mesmo Salomé, talvez não pudesse imaginar que aquele relacionamento iria ultrapassar o ardor da alcova, evoluindo para uma parceria amorosa e criativa, num matrimônio que refletiria nas obras de ambos. Um casamento que desafiaria as convenções. Artisticamente, íntimo e limitado a cumplicidade do casal, e, do ponto de vista sexual, aberto a diversos parceiros, com o conhecimento e consentimento de ambos.
Esta e outras histórias de cinco casais avant-la-lettré, todos formados por artistas e intelectuais respeitados, cujos relacionamentos desafiaram as convenções e puseram em dúvida a sacralidade do casamento, fazem parte do fascinante e delicioso Amores Modernos, livro de Daniel Bullen que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela editora Seoman.

A obra estuda as relações de Lou Salomé e Rainer Rilke; Georgia O´Kieffe e Alfred Ztieglitz; Frida Khalo e Digo Rivera; Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e Henry Miller e Anais Nin, analisando o reflexo que a maneira por eles escolhida para conduzir suas vidas, tanto afetiva, quanto íntima, teve sobre suas obras e até que ponto tais artistas e seus modos de vida estavam à frente de seu tempo e em sintonia com o comportamento amoroso de casais contemporâneos – principalmente nos casos de Sartre e Beauvoir e Henry Miller e Anais Nin, cujas relações foram inspiração para muitos dos casais surgidos pós-Revolução Sexual e Contracultura.
O autor diz que o ponto de partida para seu estudo tem origem na diversidade de acordos, cumplicidades, limites e formas estabelecidas por casais contemporâneos para conduzir suas relações amorosas que atualmente, mais do que nunca, se distancia do formato familiar tradicional do matrimônio civil e religioso, sob as bênçãos dos pais de ambos os cônjuges condenados a amarem-se até a morte, “na saúde e na doença; na alegria e na tristeza”.
Bom, nos dias em que não é mais surpresa para ninguém o declínio do casamento convencional, como instituição sagrada. O próprio autor revela que o livro teve início mais por uma questão pessoal do que por motivação acadêmica. Tentando entender seu próprio relacionamento, a princípio, teria se voltado para a vida destes artistas mais por uma questão pessoal do que acadêmica, confessa o autor. Foi quando percebeu que o material biográfico oficial sobre tais nomes, no que se referia a seus relacionamentos, perdia-se em clichês como o do infant terrible mulherengo e a esposa que, incapaz de lidar com os relacionamentos extraconjugais de seu homem, busca em outras aventuras uma compensação; ou a mesma história do ponto de vista feminino, substituindo o infant terrible por uma femme fatale, no caso. Quando muito, recorriam a justificativas como “eram artistas, cujos modos de vida excêntricos eram reflexos de suas condições”.

O autor preferiu explorar o quanto a maneira como tais casais levaram seus relacionamentos teve impacto na concepção da obra de ambas as partes. Daí a escolha desses nomes; todos eles, casais em que ambos eram artistas consagrados, mantiveram seus relacionamentos abertos e, embora tenham convivido com as conseqüências e desentendimentos, comuns em qualquer forma de relacionamentos – principalmente, quando abertos –, mantiveram-se duradouros.
Apesar do título escolhido para a tradução brasileira não dizer muita coisa – teria sido melhor traduzir literalmente o título original, The Love Lives of The Artists –, Amores Modernos, no mínimo, contribui com as biografias pessoais e criativas de seus personagens, através da perspectiva de seus relacionamentos.

Serviço:
Título: Amores Modernos.
Autor: Daniel Bullen.
Editora: Seoman.

304 páginas.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Iluminuras - Arthur Rimbaud




O Desregramento dos Sentidos de Rimbaud

Depois de quase duas décadas fora de catálogo, obra testamento de um dos maiores poetas franceses volta às livrarias brasileiras.
Por César Alves

Dentre as personalidades inaugurais da poesia moderna, Arthur Rimbaud é o tipo de artista que, embora possa ser considerado o primeiro de muitos, possui obra e biografia únicas. Como o próprio Rimbaud previra – arroubos provocativos de arrogância juvenil, para alguns; momento visionário e exposição corajosa de alguém capaz de enxergar adiante, típica do artista seguro de seu talento, originalidade e, portanto, da longevidade de sua obra, para muitos – sua poesia, mais que divisora de águas, fez-se um marco e abriu as portas para a invasão bárbara, promovida por outros, dotados de seu mesmo espírito anárquico e experimental, que o seguiram e transformaram os conceitos estéticos e padrões artísticos, até então, estabelecidos.
Direta ou indiretamente, Rimbaud influenciou quase tudo o que aconteceu de relevante na historia da cultura e arte ocidental posterior a ele. Dos Surrealistas aos Beatniks, passando pelas vanguardas artísticas e movimentos modernistas europeus e americanos; da Contracultura aos patet... – ooops! – “poetas” do rock brasileiro. Tudo no curto período de sua vida que vai de seus 17 aos 21 anos de idade, tornando quase impossível evitar o clichê comumente associado a seu nome, Infant Terrible.
Uma trajetória marcada por criatividade intensa, ousadia – tanto poética, quanto comportamental – e boemia, que, para muitos, encontra em Iluminuras (Gravuras Coloridas) seu testamento poético. O livro, cuja tradução brasileira, feita pelos poetas Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Mendonça, havia desaparecido das livrarias ha quase duas décadas, acaba de ser relançado, em edição revista da Editora Iluminuras (mesma casa editorial das edições anteriores).

Escrito entre 1873 e 1875, durante suas passagens por Londres, Paris, Alemanha, Holanda e Dinamarca, em meio aos momentos de paixão e fúria que marcaram seu conturbado relacionamento com o poeta Paul Verlaine e pouco tempo antes de seu inexplicável rompimento com a literatura, Iluminuras, ao lado de seu livro anterior Uma Temporada no Inferno – título que o precede, traduzido no Brasil por Ledo Ivo –, se inscreve entre as grandes e fundamentais obras da poesia moderna.
Considerar Iluminuras como obra-testamento da poesia de Rimbaud não é mera característica criada por especialistas e críticos para catalogar a importância de um título específico, dentro da obra de determinado artista.
Se o ímpeto experimental e a proposta de promover uma rebelião contra as formas estéticas e dogmas temáticos e estilísticos que pontuavam a produção de sua época, já estavam visíveis em sua obra desde que o autor de O Barco Bêbado chamou a atenção do Panteão Literário francês, sob as bênçãos de Victor Hugo para aquele jovem poeta de 17 anos, é aqui que sua proposta de uma “alquimia verbal” se confirma. Aqui, “o poeta se faz vidente por um longo, imenso e irracional desregramento de todos os sentidos”, em instantâneos caleidoscópicos de sonhos, alegorias e experimentos líricos, harmônicos e textuais.
Como este que vos escreve não passa de um mero admirador do gênero, está longe de ser um especialista ou crítico de poesia e, principalmente, para evitar exageros verborrágicos e frases pretensiosas, como as que fecham o parágrafo anterior, paro por aqui com minha análise da obra e sugiro aos colegas a leitura obrigatória do livro.
Bilíngue, a nova edição de Iluminuras traz também um ensaio crítico, assinado pelos tradutores.
Nascido em Charleville, em 1854, Jean-Nicolas Arthur Rimbaud escreveu cerca de vinte livros de poesia antes dos 21 anos, até abandonar de vez o ofício da escrita. Depois disso, empreendeu uma série de jornadas clandestinas, chegando a se alistar no Exército Colonial Holandês, simplesmente para poder entrar livremente em Java (Indonésia). Tais viagens o levaram ao continente africano, onde atuou como traficante de armas. Última “profissão” que exerceu, antes de sua morte, aos 37 anos, quando retornou a Paris, depois de uma gangrena que o levou a amputar uma das pernas.

Serviço:
Título: Iluminuras
Tradução, notas e ensaio: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça
Editora: Iluminuras
192 páginas






segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Violent Cases - Neil Gaiman e Dave McKean



Volta às livrarias, Violent Cases, primeira Graphic Novel da parceria Gaiman e McKean
Por César Alves


Literalmente, Violent Cases poderia ser traduzido por Casos Violentos, mas a graphic novel que inaugurou a parceria fértil entre Neil Gaiman e Dave McKean – e que acaba de ser relançada, em edição de luxo da editora Aleph – traz, já no título, uma de suas características mais marcantes: o jogo de palavras e os aspectos nebulosos da memória.
O título faz uso da semelhança de sonoridade que as palavras, Violent e Violins (violinos), podem ter quando pronunciadas. Associado à palavra Case, que tanto pode significar Caso como também Estojo, Violent Case é como o narrador da história se lembra de ter entendido quando o pai lhe contara sobre os estojos de violino em que os mafiosos italianos guardavam suas metralhadoras Tommy Gun, durante a Lei Seca.
Publicada originalmente em 1987, Violent Cases é normalmente citada entre as obras que, no ano anterior, redirecionaram o segmento a um novo público e abriram os olhos daqueles que se recusavam a dar ao formato das histórias em quadrinhos o status de arte, como O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, e Watchmen, de Alan Moore. Diferente destes títulos, no entanto, a obra de Gaiman e McKean não se alinhava no imbatível gênero “super-heróis”. Trata-se das memórias confusas de uma infância brutal, narrada por um personagem que, aos quatro anos de idade, teria conhecido, através do pai, um médico osteopata que teria trabalhado com o gangster Al Capone.

Nascida como um conto escrito por Gaiman, Violent Cases se divide entre os relatos de dois personagens. O narrador, agora adulto, tenta se lembrar dos dias em que, depois de ter seu braço quebrado pelo pai – a narrativa não deixa claro se por acidente ou por um caso de violência doméstica –, que o leva para se tratar com um amigo seu, o esteopata de Capone.
A trama entrelaça memórias pessoais do garoto com as histórias que ele ouvira de seu médico, resultando numa narrativa experimental em que passagens da vida de uma criança se confundem entre fato e ficção, imaginação e as histórias violentas que ele ouvira durante sua rápida relação com o doutor. Tudo isso, associado aos desenhos de McKean oferecem um resultado textual e visual impressionante, quase cinematográfico. A sequência em que, durante uma festinha de aniversário, crianças dançam, cantam e brincam de dança das cadeiras, com a narrativa do médico sobre Al Capone, em um de seus rompantes de fúria, destroçando com um bastão de baseball as cabeças de seus desafetos, como quem quebra uma piñata de doces, é brilhante.
Na época, Gaiman, que logo se tornaria uma estrela no universo dos comics como autor da série Sandman, pretendia escrever uma historia que pudesse ser lida por qualquer pessoa e que pudesse revelar de forma definitiva o potencial das Graphic Novels. Em sua preferência por explorar as profundezas da memória, fatos e personagens reais, está mais próxima de obras da mesma época, não menos revolucionárias, como Maus, de Art Spigealman, e The Dreamer, de Will Eisner, e também pode estar no início de um fio condutor que abriria as portas para a premiadíssima Persépolis, de Marjane Satrapi, por exemplo.
Fora das prateleiras desde que HQM Editora a lançou por aqui pela última vez, a nova edição da Aleph traz textos depoimentos de seus autores, Gaiman e MacKean, e apresentação do celabrado Alan Moore.

Serviço:
Título: Violent Cases.
Autor: Neil Gaiman.
Ilustrador: Dave McKean.
Tradução: Érico Assis.
Número de páginas: 64.
Editora: Aleph.




quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Medo - Histórias de Terror



Antologia do Medo

Contos e algumas das mais assustadoras lendas de terror compiladas em livro que reúne Edgar Allan Poe, Théophile Gautier, Guy de Maupassant, Alexandre Dumas, Émile Zola e outros.
por César Alves


Um dos mais antigos de nossos instintos primordiais, o medo talvez esteja na raiz de nosso sucesso evolutivo e seja uma das razões de nossa espécie ainda estar por aqui. Deve estar ao lado da fome entre os motivos que nos levaram a desenvolver instrumentos de caça e defesa, impulsionando assim nossa ascensão na cadeia alimentar e reduzindo também o risco de sermos devorados vivos por feras. Afugentar as mesmas feras e iluminar a noite, reduzindo assim o perigo de ser surpreendido na escuridão por um grande predador, talvez tenha tido no medo, talvez, antes do desejo de aquecer nossos corpos e alimentos, o ponto de partida para aprendermos nos relacionar com o fogo.
Tamanha importância, talvez explique o que nos move a evitar situações de risco real a nossas vidas, mas, ao mesmo tempo, sermos atraídos pela sensação, mesmo que controlada e por um período de tempo determinado e sob controle, ao ponto de pagarmos para sermos amedrontados em salas de cinema, casas assombradas de parques de diversão e, principalmente, contos e histórias de horror.
Teorias evolutivas à parte – há gente muito mais indicada mais indicada para falar sobre o assunto e nem é este o tema deste artigo –, apreciamos causos de fantasmas, demônios, criaturas sobrenaturais e outras histórias horripilantes, desde o início da civilização, tendo sido contadas e recontadas em volta da fogueira por griots (contadores de histórias cuja tradição remete dos primeiros agrupamentos humanos aos dias de hoje), avôs e avós, à luz de vela quando falta energia elétrica, através dos séculos, tendo sobrevivido, através da narrativa oral, ao passar dos tempos.
Se hoje uma parcela milionária da indústria do entretenimento é movida por nossos piores medos, é sempre bom lembrar que, muito antes de surgir o cinema e ganhar rostos no imaginário pop com as interpretações de Boris Karloff, Peter Lorre, Bela Lugosi, Lon Chaney, Christopher Lee e Vincent Price, entre outros, foram os escritores os primeiros a perceber no filão uma fonte inesgotável de inspiração e leais seguidores.
De consagrados expoentes do gênero, como Edgar Allan Poe, Ambrose Bierce, H. P. Lovecraft, E.T.A. Hoffmann e Bram Stoker – entre os mais notórios –, a Émile Zola, Alexandre Dumas, Gautier e outros; praticamente, todos os grandes nomes da literatura, em um ou mais momentos de sua carreira, flertaram com o segmento. Um bom exemplo é Medo – Histórias de Terror, coletânea que reúne contos e histórias de terror que a Companhia das Letras acaba de lançar.
Dividido em Histórias de Fantasmas, Aparições e Espectros; Histórias de Diabos; Histórias de Cemitérios; Histórias de Animais e Histórias do Reino dos Mortos; o livro reúne contos de autores consagrados, como alguns dos citados acima, com lendas e histórias populares, sem autor conhecido, narradas a gerações, através da tradição oral. Além de oferecer um apanhado dos diversos tipos de narrativas de terror, uma leitura mais atenta pode revelar como se deu o processo evolutivo da narrativa fantástica dos mitos ancestrais do início das civilizações ao terror moderno.
Aqui estão clássicos conhecidos, como o brilhante tratado sobre a culpa, O Gato Preto e o assustador A Máscara da Morte Rubra, ambos do imaginário de Poe; o antológico A Mão de Maupassant, a obra também contém textos menos difundidos dos poetas Théophile Gautier, O Pé da Múmia e Dois atores para um Papel; e Gerard Nerval – o brilhante A Ceia dos Enforcados fecha o livro – ao lado das mais assustadoras lendas populares sobre assombrações, criaturas sobrenaturais, descidas ao Inferno, pactos diabólicos, o medo da morte e, talvez o maior dos terrores, o de ser enterrado vivo.
É justamente a terrível possibilidade de ser dado como morto e, ainda mais sustador, estar consciente de sua situação, que conduz um dos destaques do livro, o conto A Morte de Ollivier Becaille. Tão assustador quanto é bonito, o conto é fruto da mente de Émile Zola e está mais para suspense psicológico do que para sobrenatural.
Narrado em primeira pessoa por um homem que acaba de falecer – o Olivier Becaille do título –, a narrativa acompanha o desespero do personagem, desde a descoberta de sua condição pela esposa, passando pela confirmação do óbito, a chegada do caixão, o velório e sepultamento, nos quais o personagem descreve tudo que se passa em sua volta e, ao mesmo tempo, reflete sobre sua vida até aquele momento. Aos leitores cabe descobrir se o narrador é um espírito ou vítima de catalepsia e é justamente o suspense da dúvida o que nos prende no início.
A maestria narrativa de Zola nos arrasta para dentro do personagem, provando da tensão e desespero que o afligem e vai além, fazendo uso da situação surreal de seu personagem apenas como pano de fundo para uma profunda análise da condição humana.


Serviço:
Título: Medo – Histórias de Terror
Autor: Vários
Organização: Héléne Montardre
Editora: Companhia das Letras
240 páginas