quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Alice no País das Maravilhas - 150 anos Depois



Obra infantil que alçou Lewis Carroll ao cânone universal ainda encanta e desperta polêmica.

Ocupando o terceiro lugar – depois de Shakespeare e da Bíblia – entre os livros mais vendidos em todo mundo, Alice no País das Maravilhas completa 150 anos. Celebrando a data, o livro ganha novas edições em nossas livrarias e é tema de documentário, produzido pela BBC.
Por César Alves

“Obras brilhantes podem ser concebidas por pessoas horríveis e não vejo problema nisso”, diz Will Self ao entrevistador, talvez irritado com sua insistência em focar a conversa mais no comportamento polêmico e moralmente duvidoso do autor do que nas qualidades estéticas e importância da obra sobre a qual teria sido convidado a dar seu depoimento, que completava 150 anos desde sua primeira publicação.
Autor de títulos brilhantes – pelo menos para este que vos escreve –, como Cock & Bull (Geração Editorial), a ficha corrida de polêmicas de Self talvez o faça, aos olhos de muitos “uma pessoa horrível”. Entre seus feitos, por exemplo, é conhecido o episódio, revelado pelo próprio autor, de que ele teria tomado heroína no banheiro do avião do primeiro ministro inglês, quando fez parte de uma comitiva diplomática, reunindo políticos e escritores britânicos, para a abertura de um evento cultural – transformando o ato de fumar maconha na casa da rainha, praticado pelos Beatles, uma travessura adolescente. Sua declaração poderia ser interpretada como defesa em causa própria, não fosse o livro em questão nada além do revolucionário, enigmático e surpreendente Alice no País das Maravilhas, seu autor, Lewis Carroll, e as duvidas e suspeitas que cercam sua relação com Alice Liddell, que teria inspirado sua personagem mais famosa.
A cena está em The Secret World of Lewis Carroll, documentário para televisão, produzido pela BBC, que vem sendo exibido desde o início de julho, como especial que celebra o aniversário do livro infantil que, desde sua primeira edição, nunca deixou as listas de mais vendidos em todo o mundo. Explorada e debatida por especialistas, psicólogos, biógrafos e outros, a fixação de Lewis Carroll, um homem adulto, na casa dos trinta, por sua musa inspiradora – na época com dez anos de idade – é, no mínimo, suspeita, claro. Porém tanto já se falou e escreveu a respeito, sem chegar a lugar nenhum, que a equipe do programa não vai além do mais do mesmo do jornalismo de fofoca, perdendo a oportunidade de desvendar o que faz a obra ser ainda hoje tão relevante e capaz de encantar crianças e adultos.
Como o objetivo do texto são os livros, Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, estrelados pela personagem, não é minha vontade entrar no debate se Carroll era ou não pedófilo, assim como não me interessa decidir se Bentinho era mesmo corno. Cabe ao amigo leitor decidir se o autor era mesmo “uma pessoa horrível”, mas recomendando que – ainda que sua conclusão seja “sim”, “ele era uma péssima pessoa” – não deixe que o julgamento, em relação a supostos desvios morais de Lewis Carroll, desmereça ou diminua a obra.

E, em se tratando da personagem clássica, criada por Carroll, nossas livrarias estão repletas de motivos para comemorar. Tanto o primeiro livro, Alice no País das Maravilhas, quanto o segundo, Alice Através do Espelho e o que Ela Encontrou por Lá, possuem excelentes edições nacionais, como a tradução e adaptação de Nicolau Sevcenko, da Cosac e Naify, e a de Pepita de Leão e Marcia Feriotti Meira, lançamento da Martin Claret.
Merecem atenção também a edição luxo de bolso, reunindo os dois livros, publicada recentemente pela Zahar; e Alice no Jardim da Infância, da Iluminuras, que também lançou Algumas Aventuras de Silvia e Bruno, obra do mesmo autor, pouco conhecida dos leitores brasileiros.
Verdadeiro primor é a edição especial  comemorativa publicada em parceria pela Editora 34 e Livraria Cultura, As Aventuras de Alice (No País das Maravilhas e Através do Espelho), traduzida por Sebastião Uchoa Leite, trazendo as ilustrações originais, que se tornaram tão conhecidas quanto o texto, de John Tenniel.

Seja através do desenho animado da Disney, a recente adaptação para cinema de Tim Burton ou apropriações de personagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come round here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, todo mundo reconhece Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Publicado na Inglaterra Vitoriada, em 15 de julho de 1865, Alice no País das Maravilhas já surge como obra revolucionária por sua explosão de criatividade, inovação narrativa e ousadia, deixando claro que, a partir dali, a literatura infantil jamais seria a mesma. Verdadeiro divisor de águas, a obra rompe a tradição da escrita para crianças – marcadas por uma mensagem edificante e pontuadas por um fundo moral – dos autores da época e, praticamente, inventa o gênero literário infantil moderno, mais voltado a estimular o intelecto – através de jogos de palavras, charadas, questionamentos – e incentivar a imaginação.
Mas Carroll – mais por acidente do que intencionalmente – foi além do universo infantil, chegando a influenciar a literatura adulta, sendo citado por nomes que vão de James Joyce a Jorge Luis Borges, passando pelos Surrealista e ícones da cultura jovem, como John Lennon.
Apropriações de passagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come around here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, através dos anos, fizeram com que todo mundo reconheça Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Grace Slick – primeiro, com seu Great Society; depois, na gravação mais conhecida, com o Jefferson Airplane –. assim como Dylan apresentou a maconha aos Beatles, introduziu Alice ao universo do LSD, nos versos clássicos de White Rabbit: “One pill makes you larger and one pill make you small. And the ones that mother gives you don´t do anything at all”. Desde então, a menininha curiosa e aventureira de Carroll nunca mais foi a mesma.
Cinematográfica de berço, ainda que nascida antes do cinema, não faltam referências à obra dentro da linguagem áudio visual, como no universo de Matrix, por exemplo. Mas, mesmo antes da adaptação em desenho animado da Disney ou de Tim Burton, a menina protagonizou suas aventuras, através da tela grande. A primeira foi Alice in Wonderland (1903), dos diretores britânicos Cecil M. Hepworth e Percy Stow e, desde então, do cinema mudo ao falado; do preto e branco ao Tecnicolor, o livro de Carroll serviu de base para dezenas de adaptações, em diversos países – o amigo aqui indicaria o experimental e lisérgico Alice in Wonderland (1966), de Jonathan “Wolf” Miller.
As ilustrações icônicas do original, criadas por Tenniel, inspiraram mais de uma dezena de artistas a dar seu toque pessoal ao universo de Lewis Carroll, incluindo Salvador Dalí e o parceiro de Hunter Thompson, Ralph Steadman.


Alice na Casa das Rosas
Como parte das comemorações, a Casa das Rosas promove o evento 150 Anos de Alice no País das Maravilhas, no próximo domingo, com intervenção e contação de história de Camila Feltre e Rafael Copetti, a partir das 15h.
O evento também conta com exposição de trinta e dois desenhos de Sir John Tenniel.

Serviço:
Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Avenida Paulista, 37, São Paulo, tel. 0XX11 3285-6986 / 3288-9447.