sábado, 30 de novembro de 2013

US 69 - Yesterday´s Folks (1969) - Disco




US 69 – Yesterday´s Folks (1969)
por César Alves


A primeira vez que ouvi esse disco foi na Galeria do Rock, na loja do Alberto, amigo e fornecedor de velharias sixties durante os anos 90. Uma daquelas pérolas obscuras do período que pouca gente conhece e deveria de tão bom. É o único disco que conheço desses caras e, correndo o risco de estar errado, também o único que gravaram.

Adoro a palavra, mas odeio usar o termo “psicodélico” quando o assunto é musica. Afinal, pode se referir a muita coisa e, algumas sem a menor relação, englobando dos 13th Floor Elevators aos Beatles, passando por Spacemen 3 e Mercury Ver e também Steppenwolf e Iron Butterfly – até o Serguei afirma ser psicodélico. Mas, no caso do US 69 e suas viagens musicais lisérgicas, não consegui encontrar outra definição. Sendo assim, dentre as diversas formas do universo rock psicodélico, eles estão no meio termo entre o que chamavam Psychedelic Folk e Psychedelic Jazz e se enquadram na categoria de bandas como The Insect Trust, que uniam pesquisa de efeitos sonoros eletrônicos que buscavam reproduzir no ouvinte as sensações de uma viagem de ácido, conduzidas por um amálgama de gêneros como o rock, o folk e o jazz.

Eram liderados pelo guitarrista e compositor Bill Durso. O time também contava com o baterista Bill Cartier e o baixista e flautista, Gil Nelson.

Sempre tive uma curiosidade a respeito dos outros dois integrantes que completam a cozinha; os irmãos Bob e Don DePalma, ambos multi instrumentistas, ambos de formação clássica e ambos oriundos da escola do jazz. Os irmãos DePalma possuem alguma relação com o cineasta Brian? Nunca encontrei nada a respeito. Não é só por causa do sobrenome, mas também porque descobri que, depois do US 69, durante os anos 70, a dupla passou a trabalhar para a indústria cinematográfica, conduzindo sonoplastia e compondo trilhas sonoras. Se algum de meus queridos amigos e amigas sabe se são parentes ou não, gostaria de saber.

Curiosidades à parte, trata-se uma excelente banda e ótimo disco e recomendo. É o tipo de álbum que se deixa rolar de cabo a rabo numa tarde de sábado ou dia de folga com os amigos ou sozinho, como trilha sonora da preguiça.
 
Difícil escolher uma parte de um disco cuja experiência real, só é completa no todo, mas destaco “African Sunshine” e a faixa de dez minutos que encerra a obra, “2069 – A Spaced Oddity”, certamente inspirada no filme de Kubrick e na obra de Arthur C. Clark, mas seria também uma referência a David Bowie?

sábado, 23 de novembro de 2013

Kurosawa e Honda - Stray Dog



Stray Dog – Da amizade de Korosawa e Honda
por César Alves

É lendária a amizade que existia entre Akira Kurosawa e Ishiro Honda. Ícones de sua geração, os realizadores tornaram-se referência de duas vertentes – para muitos, antagônicas – do cinema japonês.
Se Kurosawa é citado entre os monstros sagrados da cinematografia de seu país, Honda criou o monstro sagrado definitivo das matinês: Godzilla. Uma anedota contada entre cinéfilos japoneses brinca com o relacionamento dos cineastas.
Amigos de juventude, mesmo quando o trabalho os mantinha afastados, encontravam-se sempre no mesmo restaurante, pelo menos uma vez por ano. Na confraternização de 1954 a conversa teria sido a seguinte:

Honda: Akira, meu amigo! Há quanto tempo! Como é bom te ver!


Kurosawa: Muito bom te ver também, Ishiro! E o momento pede comemoração, pois acabo de finalizar “Os Sete samurais”!

Honda: Que ótima notícia, Akira!

Kurosawa: E você, Ishiro? Quero saber das novidades! O que você tem feito meu amigo?



Honda: Eu também estou muito feliz, Akira! Acabo de terminar “Godzilla”.

Kurosawa (disfarçadamente olhando para os lados): Você acha que chove hoje, Ishiro?


Embora divertida, a piada reflete mais o preconceito dos fãs do cinema dito “de arte” do que a realidade. Ambos nutriam respeito um pelo outro e admiravam-se mutuamente.


Conta-se que Kurosawa teria sugerido a Honda uma visita a Hiroshima para encontrar idéias para seu projeto ainda embrionário e que, anos depois, se tornaria “The H-man(1958)”, ficção científica inspirada no clássico B “A Bolha”, escondendo nas entrelinhas uma crítica aos bombardeios a Hiroshima e Nagasaki, assunto ainda tabu e engasgado na garganta do povo japonês. O pesadelo atômico como uma das marcas do “pai dos piores temores de Tóquio” teria surgido ai.

Honda, por sua vez, teria indicado ao colega certo jovem ator, um pouco indisciplinado, mas muito talentoso. Seu nome? Toshiro Mifune.
 
Lendas a parte, a parceria entre os dois mestres durou até a morte de Kurosawa. Clássicos como Ran, Sonhos e Rapsódia em Agosto, entre outros, tem Honda como produtor e até sua colaboração técnica.


Realizado pela dupla, Nora Inu/Stray Dog (1949), no Brasil “Cão Danado”, inaugura o cinema NipoNoir. O roteiro teria sido escrito pelo jovem Kurosawa como uma novela inspirada em George Simenon.


A trama gira em torno de uma pistola 45 roubada e depois utilizada em uma série de assassinatos misteriosos. Seu dono é o detetive Murakami, interpretado pelo jovem Toshiro Mifune. No Japão do pós-guerra, decidido a criar uma cultura pacifista depois da derrota frente aos aliados e a tragédia nuclear, poucos eram os oficiais da lei com direito a portar armas de fogo.
Como o samurai que perde sua espada, o policial que tem seu armamento extraviado é atingido em seu orgulho. Recuperá-lo é questão de honra.
É a deixa para que Murakami dê início a uma caçada implacável pelo submundo de Tóquio. A jornada sombria tem como mote: “O cão danado (prefiro vira-latas) só enxerga o que ele caça.”
Grande filme lançado por aqui com distribuição da Europa Filmes e também parte daquele Box do Kurosawa que saiu há coisa de uns dois anos. Vale a pena conferir.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Vejo a Terra Prometida - Arthur Flowers e Manu Chitrakar



A odisséia de Martin Luther King

Tradição e modernidade se encontram em Vejo a Terra Prometida, belíssima e original graphic novel que acaba de chegar às livrarias brasileiras.

Por César Alves

Aliar formas narrativas ancestrais à moderna linguagem dos quadrinhos para contar uma das mais fascinantes trajetórias de nossa história recente foi o ponto de partida para Vejo a Terra Prometida, premiada graphic novel da editora indiana Tara Books que acaba de sair no Brasil via Martins Fontes. A idéia era ousada: narrar a vida do pastor, ativista e um dos maiores símbolos da luta pela igualdade de direitos, Doutor Martin Luther King, utilizando a antiga arte patua de difundir mitos, lendas e fatos cotidianos através de pinturas em pergaminhos.

A missão foi dada ao bengalês Manu Chitrakar que, na ocasião, pouco sabia a respeito do Doutor King e a luta pelos direitos civis. Uma vez familiarizado com a história, o artista conseguiu captar de forma impressionante a essência do projeto, identificando nela traços que marcam a clássica jornada do herói desde os mitos fundadores das civilizações. Aqui, o ativista nos é apresentado como o escolhido pelos deuses para empreender uma odisséia de feitos sobrehumanos, com direito às tradicionais descidas ao inferno e ao desfecho heróico em sacrifício ritual. Como nas sagas ancestrais, em seu martírio, o herói oferece o próprio sangue em nome da liberdade de seu povo. É em seu flagelo que ele encontra a vitória. O resultado é uma série de painéis cuja beleza acabou por superar as expectativas dos editores.

Tendo em mãos as pinturas e sabendo estar em posse de um material especial, o próximo passo seria encontrar um autor cujo texto estivesse à altura do tratamento visual dado pelo artista. Escritor e bluesman, Arthur Flowers se encantou com a idéia logo de cara. Admirador e estudioso da vida e obra de Martin Luther King, o poeta é herdeiro da arte de contar histórias dos antigos mestres griots, responsável por manter viva a cultura ancestral africana via narrativa oral. Fruto daqueles turbulentos anos de 1960, o bardo afro-americano é também ativista e estava presente na noite em que o Doutor King fez o histórico discurso Estive no Alto da Montanha, o que o torna ainda mais íntimo do projeto. Seu texto retrata de forma brilhante um personagem cuja trajetória simboliza toda a luta dos afro-americanos por liberdade.

A narrativa começa com os primeiros africanos trazidos como escravos para as Américas, no que se classifica mais como o seqüestro de um povo do que como o êxodo negro descrito por muitos autores, até chegar às primeiras ações que levaram à conquista de seus direitos já na segunda metade do século XX. De maneira clara e fluida, o autor sintetiza a luta pelos direitos civis desde o simbólico e corajoso ato solitário de Rosa Parks em se recusar a ceder seu lugar no ônibus a um passageiro branco – o que resultou em sua prisão, tendo em vista as leis segregacionistas vigentes no período –, passando pelas manifestações pacíficas repreendidas com violência policial, o histórico protesto das crianças e o recrudescimento dos confrontos, com o surgimento dos movimentos mais radicais. No centro da arena, Martin Luther King, guerreiro movido pela roda do destino, armado apenas com suas idéias e seguro de seu conceito de ação direta pela não-violência.

Fascinado com os trabalhos do artista bengalês, Arthur Flowers optou por conduzir o texto de forma a respeitar as pinturas de Chitrakar, compondo versos baseados na tradição dos griots, que dialogam perfeitamente com as ilustrações. Ao invés dos balões que marcam os quadrinhos tradicionais, a narrativa segue livremente em comunhão com as imagens sem invadi-las, fazendo uso apenas de caixas para dar destaque aos fatos mais marcantes, às vezes lembrando o cordel brasileiro.

Tão antigas quanto o cinema, as histórias em quadrinhos percorreram um longo caminho até fugir da definição simplista de mero entretenimento de massa. Se hoje finalmente alcançaram o status de arte, as narrativas gráficas de Will Eisner e o advento das Graphic Novels, caso da obra em questão, merecem muito do crédito. Se o leitor ainda tem dificuldade em aceitar tal fato, Vejo a terra prometida oferece boa oportunidade para rever sua opinião. Em sua beleza e originalidade, tanto narrativa quanto visual, a obra é exemplo do potencial dos quadrinhos como autentica expressão artística e dona de um vasto território ainda por ser explorado.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Fotomontagem como Arma - John Heartfield

 
 
John Heartfield e a fotomontagem como arma política
 
Considerado o “pai da fotomontagem política”, John Heartfield é tema de livro que reúne reproduções de sua obra antifascista, produzida durante o período que vai da ascensão de Adolf Hitler ao poder ao início da Segunda Guerra.
 
por César Alves
 
É comum o erro de interpretar a ascensão do nazismo a uma adesão unânime dos alemães ao populismo de Adolf Hitler e seus seguidores. A existência de uma publicação como a AIZ (Arbeiter Illustrierte Zeitung – Revista ilustrada do trabalhador), editada entre 1930 e 1938 e que chegou a ter tiragens de 500 mil exemplares semanais, põe por terra tal teoria. Idealizado pelos irmãos Helmut e Wieland Herzfeld, o periódico – que, a partir de 1936, passou a se chamar VI (Volks Illustrierte – Revista Ilustrada do Povo) – manteve de forma corajosa durante toda a sua existência uma postura combativa ao nazismo, abordando através da crítica feroz, inteligente e bem humorada a chegada de Hitler ao poder e os perigos que isso representava. Grande parte de seu mérito está nas ilustrações, através da técnica da fotomontagem, de John Heartfield (1891-1968).
 
Verdadeiro nome de Helmut Herzfeld, que adotou o anglicismo para assinar sua obra como um protesto contra a xenofobia antibritânica dos fascistas alemães, Heartfield é tema do livro John Heartfiel – Fotomontagem, focado em sua produção na AIZ e VI e que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela Imprensa Oficial.
 
Um dos principais expoentes do braço berlinense do movimento de vanguarda artística Dada (ele idealizou e editou a publicação Der DADA e organizou a Primeira Feira Dada Internacional de Berlim em 1920), Heartfield é considerado o pai da fotomontagem política.
 
Em 1917, um ano depois de adotar o novo nome, fundou a editora Malik junto com seu irmão, Wieland Herzfeld, pela qual editaram livros e o jornal Neue Jugend (Nova Juventude) que contava com a colaboração do pintor e desenhista expressionista, George Grosz, com quem Heartfield manteve uma rica parceria. Vem justamente de suas discussões com Grosz a idéia do uso da técnica de colagem e fotomontagem como instrumento de conscientização política, o que já estava claro nas páginas do Neue Jugend, mas que seria explorado com mais intensidade anos depois com o lançamento da AIZ.
 
 
Heartfield ingressou no Partido Comunista Alemão em 1918 e foi próximo da Liga Spartakus, dirigida por Rosa Luxemburgo e Karl Liebnech.  Idealista e dono de um talento artístico compromissado com o engajamento político e social, foi essa a postura que Heartfield e os demais colaboradores da AIZ decidiram imprimir à revista.
 
Durante o período que vai da ascensão eleitoral do partido nazista, passa pela nomeação de Hitler como Chanceler em 1933 e chega até bem pouco antes do conflito mundial, o artista criou 237 obras, produzidas em rotogravura e tipografia, marcadas pela precisão técnica e artística, fortemente influenciada por Goya e Daumier. Heartfield, que dizia “pintar com fotografias”, apostava no choque através de fragmentos de imagens, utilizando conflitos gráficos, ópticos, espaciais e cromáticos para expor as relações de poder e a brutalidade do nazifascismo. Tal estratégia se assemelha à utilizada pelo cineasta russo Serguei Einsentein em seus filmes, conforme nos chama a atenção a especialista Annateresa Fabris em texto escrito para o livro.
 
Tanto quanto sua maestria técnica e artística também impressiona o humor sarcástico e ácido de John Heartfield, muito explorado nas obras que ilustram o livro. O artista não poupava esforços para acusar Hitler, seus seguidores e apoiadores, muitas vezes, mostrando o líder nazista como um fantoche nas mãos da elite industrial alemã.
 
No icônico Adolf, o super-homem: engole ouro e fala fino, de 1935, uma chapa de raios-x revela o ditador como tendo uma espinha dorsal feita de moedas e um estômago recheado de ouro, enquanto, ao invés de um coração, em seu peito bate uma suástica.
 
A paródia encontra relação com outras duas imagens; em uma delas, médicos examinam a chapa de um paciente que faz a saudação nazista e se deparam com a espinha curvada, remetendo aos desvios de conduta do regime e em outra apresenta uma suástica feita de moedas, com o título: Sob este símbolo serás conduzido à guerra e a bancarrota, referência à frase dita por um anjo sobre a visão de uma cruz no céu testemunhada durante o sonho que teria levado o imperador romano Constantino a aceitar o cristianismo.
 
Mas se a sátira dá o tom em trabalhos que mostram Goebbles preparando o Führer para um discurso dirigido aos trabalhadores com uma barba postiça de Karl Marx e o de uma família sentada à mesa de jantar (reproduzindo uma peça publicitária), em que os alimentos são instrumentos de metal, sob o título Hurrah! Acabou a manteiga e que alude à falta de alimentos em meio a imensos incentivos financeiros para a indústria siderúrgica nos preparativos para a guerra, por exemplo, em outras, como a que representa uma pomba branca empalada na adaga de uma baioneta para relembrar o massacre dos operários de Genebra, a mensagem é direta e a intenção é mesmo o choque.
 
Tamanha ousadia e coragem em dias tão sombrios não poderiam passar impunes e, em 1933, Heartfield se viu obrigado a fugir para a então Tchecoslováquia, exilando-se em Praga de onde continuou publicando a AIZ que, em suas últimas edições, circulou de forma clandestina na Alemanha. A revista resistiu até 1938, quando o artista se refugiou na Inglaterra de onde manteve seu ativismo contra os regimes autoritários e viveu até o fim da guerra.
 
Fotógrafo, designer gráfico, cenógrafo e promotor cultural, em 1950 Heartfield voltou a Berlim, onde trabalhou com Bertolt Brecht, criando desenhos gráficos e cenários para a Berliner Ensemble. Morreu em 1968, mantendo até o fim de seus dias seu engajamento artístico e sua postura política.
 
O livro que acaba de chegar às livrarias é resultado da exposição de mesmo nome que esteve no Museu Lasar Segall no final do ano passado. Traz, além de reproduções dos mais emblemáticos trabalhos de Heartfield no período de 1930 a 1938 e de capas da revista AIZ, textos de Annateresa Fabris, Jorge Szchwartz, Marcelo Monzani e Jeffrey Hoft.
 
Documento de importância histórica indiscutível e acabamento digno de um artista engajado na realidade social, cuja arte se confundiu com o compromisso e a coragem para acusar as arbitrariedades dos governos autoritários.
 
Serviço: Livro: John Heartfield – Fotomontagem – 196 páginas – Editora: Imprensa Oficial.

sábado, 2 de novembro de 2013

O Ponto Chic e a Boemia Paulistana



Ponto de encontro da Boemia com a História.
Por César Alves

Se a História também aprecia o Happy Hour, em São Paulo escolheu o Ponto Chic como parada obrigatória. Essa é a impressão que temos ao ler Ponto Chic – Um Bar na História de São Paulo, de Angelo Iacocca. Um dos mais antigos e tradicionais bares da cidade, o Ponto Chic faz parte da vida noturna da cidade há mais de nove décadas.
Mais que um estabelecimento comercial, foi incorporado como parte do cotidiano e, principalmente, da vida noturna da metrópole com a qual sua trajetória se confunde. De sua inauguração, ainda nas primeiras décadas do século vinte, aos dias atuais, o Ponto Chic tem sido testemunha ocular e, em alguns casos, cenário  das mudanças políticas, estruturais, culturais e comportamentais ocorridas na cidade.
Muitos dos provocadores e agentes de tais transformações, tinham o estabelecimento como seu local preferido para momentos de lazer e ponto de encontro etílicos, nos quais, além de descontração, buscavam debater acontecimentos e ideias. Sendo assim, não é exagero supor que, entre uma rodada de chope e outra, algumas discussões e conversas que ali aconteceram, tiveram impacto não só sobre a vida dos paulistanos, como também de todos os brasileiros.

Inaugurado no número 27 do Largo do Paissandu por Odilio Cecchini, um italiano boêmio e fanático pelo Palestra Itália, o bar e lanchonete logo se tornou parte importante da vida noturna que se desenvolvia ao longo da Avenida São João. Ali se encontravam a maioria dos cinemas, teatros, confeitarias e casas noturnas. Foi fundado pouco depois da Semana de Arte Moderna de 1922 e, entre os primeiros dos muitos notáveis que fariam parte de sua clientela, estavam os modernistas Oswald de Andrade e Sérgio Milliet. Em seus anos dourados, que vão da década vinte ao final dos anos sessenta, passaram pelo Ponto Chic artistas do circo, celebridades do cinema e da televisão, jornalistas, advogados, políticos, escritores, empresários e socialites, numa lista estelar que traz nomes como Anselmo Duarte, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Lygia Fagundes Telles, Jorge Mautner, Antônio Bivar, Inácio de Loyla Brandão, que escreve o prefácio, entre outros. Adoniran Barbosa costumava se encontrar com os parceiros do Demônios da Garoa nas mesas do Ponto Chic e ali teria começado ou finalizado algumas de suas famosas composições como “Viaduto Santa Ifigênia”. Era também ponto de encontro de profissionais do futebol que para lá rumavam depois dos jogos no Pacaembu. As histórias envolvendo partidas marcantes, negociatas entre dirigentes dos times, jogadores boêmios e discussões entre torcedores afoitos representam alguns dos melhores momentos do livro.

O ambiente, no entanto, sempre foi democrático e ali também se encontravam populares como taxistas, bancários, professores e também representantes do submundo como prostitutas, cafténs e malandros. Teriam sido estes frequentadores os responsáveis por chamar o local de “ponto de gente chique” que, depois de abreviado para Ponto Chic, foi adotado pelos proprietários como nome oficial.

Casa oficial do Bauru

Os estudantes de direito da São Francisco são parte importantes dessa história. Jovens ainda anônimos, eles estavam entre os primeiros a adotar o estabelecimento como ponto de encontro e, no futuro, muitos teriam seus nomes incorporados à história do país. Um deles, Casimiro Pinto Neto, ficaria famoso como locutor do noticioso O Repórter Esso de São Paulo, mas seu nome seria eternizado como o criador do mais paulistano dos lanches. Apelidado pelos colegas Bauru, em referencia a sua cidade natal, em um dia de muita fome, Casimiro pediu ao sanduicheiro que abrisse um pão francês, tirasse o miolo e botasse queijo derretido dentro. Notando a falta de albumina, proteína e vitamina, o estudante completou o lanche com umas fatias de rost beef e rodelas de tomate. Os colegas o imitaram pedindo: “Me vê um do Bauru!” Nascia assim, sua Excelência, o Bauru.

Através de depoimentos de funcionários, frequentadores célebres e anônimos e uma profunda pesquisa, Iacocca parte da trajetória do Ponto Chic para traçar um histórico não só de São Paulo como da sociedade brasileira durante o século vinte, colaborando para fazer deste Ponto Chic - Um Bar na História de São Paulo  leitura deliciosa entre a uma ressaca e outra.  

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Revistas Corporativas ainda são um lixo, mas...


 
Retratos dos dias em que as utopias pareceram possíveis

Livro de memórias e fotografias de Baron Wolman, um dos fundadores da Rolling Stone, reúne instantâneos de ícones da Contracultura.

Por César Alves

Fruto da geração que dizia não confiar em ninguém com mais de trinta anos, aos 45, a revista Rolling Stone talvez já não inspire muita confiança. Afinal, como dizia a frase da camiseta que Kurt Cobain fez questão de vestir quando posou para uma de suas capas históricas: “Revistas corporativas ainda são uma porcaria”. Tudo bem, eles venceram e o sinal está fechado para nós. O mundo é corporativo e é preciso faturar. Mora? Uma das marcas mais bem sucedidas do mercado editorial, hoje é editada em quase todo o mundo, inclusive no Brasil. Mas, quando surgiu, no emblemático ano de 1967, a Rolling Stone fazia parte da imprensa alternativa ou marginal e seu lançamento representou uma mudança tão revolucionária no jornalismo musical quanto os dias revolucionários da década em que nasceu. São daí as memórias e fotos que compõem Os Anos da Rolling Stone – Cada Foto Conta Uma História, livro do fotógrafo Baron Wolman, um dos fundadores do periódico.

Em suas memórias, Wolman se recorda de como o periódico começou. Tudo teria partido do jovem jornalista Jann Wenner, de 21 anos, e Ralph Gleason, respeitado editor de música do San Francisco Chronicle, e da insatisfação de ambos com a cobertura do cenário musical feita pela imprensa especializada da época. Em um seminário sobre o assunto, realizado no Mills College, em Okhland, Califórnia, decidiram se unir para criar uma revista que fizesse a cobertura da cena com o profissionalismo do jornalismo cultural, mas com a postura e liberdade da imprensa alternativa. Convidado a fazer parte do projeto, com um investimento de dez mil dólares, Wolman aceitou. Mas, como não dispunha do dinheiro, comprometeu-se a fazer as fotos sem remuneração, desde que lhe fossem reembolsados os custos com filmes, episódio simbólico de como foram os primeiros, ainda românticos e marginais, anos da revista.

No dia 9 de novembro de 1967, impressa em papel jornal e trazendo uma foto de John Lennon como soldado, tirada de uma cena do filme Que Delícia de Guerra, chegava às bancas o primeiro número da Rolling Stone. O veículo se tornaria a bíblia da contracultura e do movimento hippie. Nomes como Hunter Thompson e seu parceiro, o cartunista Ralph Steadman, Greil Marcus, Tim Cahil, Lester Bangs, Jon Landau, Nick Tosches e Joe Eszterhas, entre os muitos notáveis que passaram por sua redação, dariam novo fôlego ao jornalismo cultural e à literatura americana. O resto é história.

Mas a obra é trabalho de um fotógrafo e são nas imagens aqui compiladas que se encontram seu maior mérito. Tendo a seu favor o fato de representar uma publicação tida pelos artistas como principal veículo de contato com seu público, Wolman aproveitou tal liberdade para explorar ao máximo seu acesso às apresentações e bastidores. Estão aqui imagens icônicas de nomes como The Who, Jimi Hendrix, James Brown, Iggy and The Stooges, entre outros, flagrados em pleno êxtase das apresentações ao vivo, mas também na intimidade dos camarins, estúdios de gravações e até de suas casas. Miles Davis é flagrado em momento familiar, quando era casado com a bela modelo, Betty Davis. Primeiro, na residência do casal, depois no ginásio, treinando os movimentos de sua outra paixão: o boxe.

Pauta sugerida por Wolman, a matéria sobre as groupies acabou ganhando toda uma edição, virou item de colecionador e merece um capitulo do livro. Parte da mitologia do rock´n´roll way of life, tão importante quanto destruir quartos de hotéis, as moças que seguiam as bandas são muitas vezes descritas como um tipo de Maria Guitarra – se fizermos uma relação com o futebol. Besteira. Também fotógrafo de moda, Wolman viu nas meninas uma subcultura do chique, como descreve.

Dando continuidade à parceria entre a editora brasileira Madras e a britânica, especializada em música, Omnibus Press , Os Anos da Rolling Stone inscreve-se como um belíssimo registro de um tempo em que se chegou a acreditar na possibilidade das utopias.

Rolling Stone Brasil – A primeira encarnação

O Brasil também teve uma primeira Rolling Stone, sob a direção de Luiz Carlos Maciel, nos anos 1970, quando o título ainda simbolizava marginalia e independência jornalística. A edição número zero foi lançada em novembro de 1971, trazendo na capa nossa musa tropicalista maior, Gal Costa, em crítica do show FA-TAL, uma saudação na forma de poema escrito por Maciel à volta de Caetano Veloso ao Rio de Janeiro, matéria sobre a vinda de Santana ao Brasil e entrevistas com Caetano e Jorge Mautner.

A primeira encarnação da revista no Brasil durou apenas dois verões. Mas, em menos de dois anos, foram publicadas 36 edições nas quais seus leitores tiveram acesso ao melhor do que acontecia na cena underground nacional e internacional em matérias sobre comportamento, lançamento de discos, livros, peças de teatro shows e etc.

Mais próxima dos ideais de independência que marcaram os primeiros dias de sua mãe americana, a primeira Rolling Stone Brasil parece ter se marginalizado inclusive em relação à original. Os royaltis nunca foram pagos ao ponto de a redação americana parar de mandar material para o Brasil e a edição nacional começar a ser impressa com um sacana “pirata” abaixo do logo. Pressionada por graves problemas financeiros a publicação foi cancelada em 1973.

Serviço – Título: Os Anos da Rolling Stone – Cada Foto Conta Uma História – Autor: Baron Wolman – Editora: Madras/Omnibus Press – 202 páginas.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Paulo Mendes Campos A Vida Não Vale Um Cronista


 
 
Paulo Mendes Campos e a vida quando não vale um cronista
por César Alves

Em 1962, sob o acompanhamento de um médico, Paulo Mendes Campos experimentou ser invadido pelo “jorro caótico” advindo das comportas abertas pelo LSD. A experiência teria feito o cronista sentir “o peso e a nitidez das palavras”, produzindo um “milagre da voz”. Relatado em artigos da época publicados na revista Manchete – depois reproduzidos nos livros O Colunista do Morro e Trinca de Copas –, o experimento foi para ele como encarnar São Francisco de Assis falando com o Lobo, “na falta de uma comparação que preste”. E concluía: “O lobo também sabe que amor com amor se paga”.

Não se engane o leitor desavisado, pensando tratar-se de um expoente da contracultura brasileira. Paulo Mendes Campos é um dos principais nomes de nossa crônica. Para muitos, tão importante quanto Rubem Braga. Viveu e, em sua escrita, fez viver seu tempo como poucos. Incluindo-se ai as promessas de descoberta interior e autoconhecimento dos paraísos artificiais. Embora apenas uma pequena passagem dentro de uma biografia admirável, o episódio lisérgico, no entanto, talvez sirva para definir a obra atual, multifacetada e não menos admirável, dela advinda. Correndo o risco pretensioso de profanar as palavras do próprio autor, sua crônica é como um jorro caótico em intensidade, diversidade de temas, lirismo e criatividade; nitidez da palavra que se faz texto simples, sem ser banal, e culto – quase erudito –, sem ser boçal; é o milagre da voz da inteligência, sagacidade, humor e sensibilidade. Como o lobo, Paulo Mendes Campos não só sabia que amor com amor se paga, como também sabia de mais algumas (muitas) outras coisas.

Estivesse vivo para ler este artigo, talvez Paulo Mendes desse um gole de seu uísque e, com um sorriso maldoso, dissesse que, assim como a tentativa dele descrever a viagem psicodélica, tal comparação também “não preste”. Cabe-nos, então, recolhermo-nos em nossa insignificância e concluir que ao leitor bom mesmo é ir provar direto de seu barato. Sendo assim, mais que uma grata surpresa é saber que sua obra aos poucos volta às nossas livrarias em novas edições publicadas pela Companhia das Letras.

Já estão disponíveis os dois primeiros títulos, O Amor Acaba e O Mais Estranho dos Países, que revelam uma crônica rica na diversidade de temas e ainda extremamente atual, apesar de algumas delas terem sido escritas há mais de meio século. Outra característica marcante é o lirismo poético e filosófico de sua escrita, que, mais que um passeio pelo cotidiano, é um passeio pela alma humana. “As crônicas são servidas por uma erudição fluida que confere a elas a transcendência que é própria dos bons ensaios. Não é só um bom e bem humorado comentarista do cotidiano. Ele enfrenta dúvidas existenciais e filosóficas com doses certas de ceticismo. Sua prosa é decantada em invenção poética e é isso que dá a seu estilo uma marcante peculiaridade”, diz o jornalista Flávio Pinheiro, organizador do projeto.

Segundo Pinheiro, a série pretende resgatar não só sua escrita em prosa, como a poética, faceta pouco conhecida do autor. “Paulo tem claros compromissos com a poesia. Escreveu poesia de primeira qualidade. Leu todos os grandes poetas. Foi esplêndido tradutor de poesia. Eu diria que a poesia o tempo todo fecunda sua prosa. E há mesmo certas crônicas que são pura prosa poética, no melhor sentido do termo, como "O amor acaba". Mas se a prosa está muito contaminada pela poesia, sua poesia tem uma dicção particular”.

Também diretor geral do Instituto Moreira Salles, o jornalista está diretamente ligado ao projeto de catalogação do acervo de Paulo Mendes Campos que o instituto detém desde 2011. “O trabalho de catalogação ainda está em fase inicial. Um item do acervo que nos chama atenção são os diversos cadernos escritos a mão por Paulo Mendes Campos com anotações variadas que prefiguram temas de crônicas e outras observações”. Ano passado, o IMS publicou a bela Carta a Otto – Um Coração de Agosto, missiva escrita por Mendes Campos ao amigo Otto Lara Resende o que abre expectativas sobre futuros lançamentos envolvendo s registros pessoais do cronista, embora ainda não haja projetos em andamento neste sentido.

Um dos lendários “vintanistas” de Mario de Andrade ou os “quatro cavaleiros de um íntimo Apocalipse”, como definiu Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos nasceu em Belo Horizonte no ano de 1922. O grupo de jovens autores mineiros que, além dele e Lara Resende, também contava com Fernando Sabino e Helio Pellegrino, migrou para o Rio de Janeiro, onde ajudaria a renovar as letras e o jornalismo brasileiro na segunda metade do século vinte. Entre nossos cronistas, é comum dizerem que Paulo Mendes Campos foi injustiçado em sua época. “Não há dúvida que a obra de Paulo Mendes Campos mereceria ser mais conhecida porque se trata de um escritor ótimo e singular. Este clamoroso esquecimento está sendo sanado pelas reedições da obra. Mas soa estranho que ele tenha uma fortuna crítica tão escassa, mesmo quando comparada a de outros cronistas”, observa Flávio Pinheiro.

Devolver a um dos maiores nomes de nossa crônica seu lugar de direito e oferecer às novas gerações a oportunidade de ter contato com a obra de Paulo Mendes Campos, desde já, faz do projeto uma das melhores novidades literárias do ano.

Serviço: O Amor Acaba (288 páginas) e O Mais Estranho dos Países (352 páginas), de Paulo Mendes Campos. Editora: Cia. Das Letras.

Bongo Rock – Michael Viner´s Incredible Bongo Band



 
A Surf Music, o Cinema B, o Beatle, o Assassino e a origem da Batida Fumegante

Por César Alves

O que há em comum entre o grupo britânico The Shadows, o assassinato de Bob Kennedy, um filme de terror B chamado “A Coisa de Duas cabeças”, um músico que, induzido por vozes do além, assassiou a própria mãe a golpes de martelo, o ex-Beatle Ringo Starr e o nascimento da batida perfeita do Hip Hop? Resposta: Michael Viner e sua Incredible Bongo Band.
Lançado em 1973 o álbum “Bongo Rock”, da Michael Viner´s Incredible Bongo Band, teria caído no esquecimento não fosse a apropriação da faixa “Apache”, versão de um clássico da surf music sessentista na gravação dos Shadows, pelo DJ jamaicano Kool Herc ainda na fase embrionária do movimento Hip Hop.
Ainda hoje, a santíssima trindade do ritmo e do risco, formada por Herc, Grand Master Flash e Afrika Bambataa, defende a música como a pedra fundamental da batida do rap. E, embora na época de seu lançamento “Bongo Rock” não tenha representado um sucesso arrebatador em vendas, hoje o vinil é disputado a tapas por DJs ao redor do mundo.
Mas este disco vai muito além de “Apache”, tratando-se de um dos melhores exemplares de “disco-para-balançar-as-pistas” já feito. Ao longo das oito faixas originais que compunham o álbum, todo ele instrumental, encontram-se pérolas como a versão do grupo para “In-A-Gadda-Da-Vida”, clássico proto-heavy metal (se é que isso existe) do Iron Butterfly, ou “Let There Be Drums”, famosa tanto na versão de Sandy Nelson, como na dos Ventures, num misto de groove funky, guitarras psicodélicas e percussão poderosa. É deixar rolar e a festa pegar fogo!

Mas a coisa não termina ai. Como todo clássico Cult, “Bongo Rock” possui uma história digna de um romance pulp experimental, carregado de humor e violência bizarra.
Começa quando Michael Viner, depois de perder seu emprego na campanha de Bob Kennedy, após o assassinato do congressista, muda-se para Hollywood para assumir o papel de executivo no departamento de trilhas sonoras dos filmes da MGM.
Encarregado de cuidar da trilha de um terror B intitulado “The Thing With Two Heads (1972)", Viner decidiu reunir uma turma de músicos de estúdio para gravar duas faixas para o filme: “Bongo Rock” e “Bongolia”. Embora até ai a colaboração entre os músicos fosse temporária, limitando-se a composição e gravação das musicas do filme, a banda foi batizada Incredible Bongo Band.
O projeto, no entanto, ganhou outras proporções quando DJs passam a executar as duas primeiras gravações em pistas de casas noturnas, resultando no inesperado sucesso, como grandes hits do momento.
Viner e seus empregadores viram a possibilidade do lucro extra que poderia render a  gravação de um álbum inteiro e assim foi feito.
Uma das histórias mais cômicas envolvendo o lançamento, partiu dos executivos de marketing da gravadora. Baseando-se em uma pesquisa, o departamento acabou por concluir que o público consumidor do gênero predominante na maioria das faixas jamais investiria seu dinheiro em um disco de Black Music feito por um grupo composto por muitos integrantes brancos e poucos negros. A banda concordou e a estratégia utilizada para driblar o problema foi contratar belos modelos afro para posarem nas fotos do encarte e da capa do disco, como se fossem os integrantes da banda (deve ter sido a escola dos produtores do Milli Vanilli).

Como a banda era cada vez mais requisitada para apresentações ao vivo (embora elas nunca tenham acontecido), não demoraria para a farsa ser desmascarada.  O bom senso veio à tona e a arte teve de ser mudada às pressas. Somente a primeira tiragem circulou com as fotos da banda falsa. Hoje, quando aparece uma das cópias no mercado, chega a ser disputado a tapas por colecionadores.
Apesar do sucesso de execuções, na época, o disco não chegou a confirmar as expectativas de vendas. O fracasso, no entanto, tem mais a ver com falhas na distribuição e promoção do álbum do que com as teorias mercadológicas raciais dos executivos. Talvez tenha mais a ver com o fato de, apesar de requisitadas apresentações, uma turnê de promoção do lançamento nunca aconteceu. Muito provavelmente pela dificuldade de reunir o time e sintonizar a agenda dos músicos que gravaram o álbum.
É que, na verdade, a Incredible Bongo Band é uma banda de estúdio que acabou ganhando outras proporções. A cozinha era formada por Michael Viner, músicos de estúdio e uma série de baixistas e bateristas contratados, dentre os quais se destaca o baterista Jim Gordon que tocou, entre muitos outros, com nomes como Frank Zappa, Traffic, John Lennon e Eric Clapton, na fase Derek and The Dominoes. É dele a bateria da gravação original de “Layla”.
Excelente baterista, Gordon teve uma trajetória marcada pela tragédia e aqui entra a violência bizarra prometida no início do texto.
Afundando-se em drogas e dono de um histórico clínico que ia das síndromes maníaco-depressivas aos surtos psicóticos, Gordon acabou por assassinar a própria mãe a golpes de martelo. Impossível não pensar na participação dele, durante as gravações de "Imagine", sem enxergar a carga irônica por trás de John Lennon entoando seu hino à paz e, ao fundo, o Norman Bates do rock na percussão, somente a participação de Charles Manson no Live Aid conseguiria ser mais grotesca. Gordon foi condenado pelo crime e, ainda hoje vive internado em um hospital psiquiátrico.
A Bongo Band ainda gravou um segundo disco em 1974, batizado “Return of The Incredible Bongo Band”. Tão bom quanto o primeiro e fracasso de vendas ainda maior, o disco foi último suspiro ou o epitáfio a ser gravado na lápide de uma carreira que definhava. A Bongo Band nunca retornou dos mortos, mas seu legado, no entanto, ainda vive é sentido nas pistas de dança, já que suas músicas têm sido sampleadas à exaustão por nomes do rap e música eletrônica em geral.

Ah, onde o Ringo Starr entra nessa história? Uma das lendas não confirmadas sobre o ex-Beatle é a de que seriam do narigudo algumas das percussões gravadas no primeiro álbum. Amigo de Viner e do resto dos músicos, sua presença no estúdio é confirmada durante a maioria das sessões. Mas não se sabe se teria gravado em algumas das faixas e, sendo assim, quais delas teriam sua participação.