terça-feira, 28 de agosto de 2018

Oito livros e um destino - Historias de livros perdidos




Oito livros e um destino


Escritor italiano, Giorgio van Straten, narra o fascinante e, muitas vezes, trágico histórico de obras escritas e jamais publicadas de grandes nomes da literatura universal, como Lord Byron, Sylvia Plath, Walter Benjamin e Nikolai Gogol, entre outros.
Por Cesar Alves


Num trágico dia de fevereiro, em 1852, Nikolai Gogol, postado diante de sua lareira, dedicava-se a lançar em direção as chamas cerca de 500 paginas de um manuscrito. Reza a lenda que lagrimas escorriam do rosto do consagrado autor russo e um dos cânones da literatura universal durante o processo. Depois de ver a ultima folha de papel com seus escritos ser consumida pelo fogo, um convalescente Gogol teria voltado para sua cama aos prantos, aonde viria a falecer dez dias depois. A cena teria sido presenciada por um empregado que, de acordo com seu testemunho, confirmava tratar-se da segunda parte de Almas Mortas. Talvez mais conhecida do que propriamente lida, o que muitos não sabem é que a obra como conhecemos é apenas a primeira parte de uma trilogia que o autor russo pretendia tornar sua “Divina Comédia das estepes”.
O episodio é citado no livro Historias de livros perdidos, onde o escritor italiano, Giorgio van Straten, seleciona oito títulos, jamais publicados, escritos por gigantes da literatura mundial. Além de Gogól, a lista traz nomes como Lord Byron, Sylvia Plath, Ernest Hemingway, Walter Benjamin, Bruno Schulz, Malcolm Lowry e Romano Bilenchi.
O conceito de obra perdida pode ser interpretado de mais de uma maneira, incluindo aqueles projetos citados por seus autores, mas jamais levados a cabo, devido a decisão do próprio artista ou fatalidade do destino. Aqui, no entanto, as obras escolhidas trazem em comum o fato de todas elas terem sido concretizadas, porém nunca publicadas, e destruídas pelos mais variados motivos. Algumas delas, inclusive, já estavam nas mãos de seus editores quando, por uma decisão dos herdeiros foram condenadas ao esquecimento.
É o caso de A avenida do italiano Romano Bilenchi. A obra – cujo original chegou a ser lido por Straten quando foi descoberto logo após a morte de seu autor, em 1989 – foi vetada para publicação pela viúva de Bilenchi, devido ao conteúdo extremamente intimo e pessoal do texto memorialista e autobiográfico. O pior para o pesquisador foi descobrir que, pouco antes de morrer, Maria, ultima companheira do escritor, teria destruído tanto o original quanto as copias microfilmadas do livro para que o trabalho jamais viesse a luz.
Aliás, a preocupação dos herdeiros e pessoas próximas dos autores com o efeito negativo que as revelações feitas na narrativa possam ter sobre a memória do artista e suas próprias vidas pessoais representa uma das principais motivações para que muitas obras póstumas jamais venham a publico. Exemplo é o caso das Memórias de Lord Byron carregadas de confissões intimas, incluindo descrições de orgias e aventuras sexuais com colegas do mesmo sexo, que teriam convencido sua família a promover um segundo funeral do autor, durante o qual a obra teria sido incinerada, numa espécie de ritual protagonizado por seus parentes e amigos.
O mesmo destino teria tido o romance confessional, Dupla Exposição, de Sylvia Plath, destruído por seu marido, o também escritor, Ted Hughes, logo após o suicídio da poeta. Embora haja rumores de que a obra ou parte dela esteja entre os escritos preservados por Hughes e doados para a University of Georgia, sob a condição de que não viessem a publico antes de 2022, setenta anos após sua morte.
Straten também cita os momentos turbulentos de tensão política que costumam dar vazão ao que de pior se esconde nas profundezas da alma humana, fomentando intolerância e violência, dentre os principais assassinos de idéias e criações artísticas de nossa tragédia histórica, debruçando-se sobre dois dramas que nos conduzem a Europa, durante a Segunda Grande Guerra. São os casos de O Messias, de Bruno Schulz, cujos originais se encontravam em posse do autor quando ele foi assassinado por nazistas em 1942 e provavelmente foram destruídos por seus captores; e o dos escritos que o filosofo Walter Benjamin levava em sua bagagem, quando tentava chegar a Espanha através da Polonia e teria cometido suicídio ao ser impedido de entrar para evitar ser preso e enviado a um campo de concentração. Os textos de Benjamin – aqui batizados de O que havia na valise preta – incluiriam poemas, escritos filosóficos e até um possível romance, segundo pessoas que conviveram com ele.


Serviço:
Historias de livros perdidos
Autor: Giorgio van Straten
Tradução: Silvia Massimini Felix
Editora Unesp
115 paginas



segunda-feira, 30 de julho de 2018

Um enigma chamado Edward Burra



Um enigma chamado Edward Burra

Pouco conhecido e catalogável, pintor e viajante inglês retratou como poucos o século 20. Da Paris boemia do período entre guerras as ruas do Harlem na década de trinta, testemunhou a explosão da guerra civil espanhola e a segunda guerra mundial, fazendo de sua arte uma crônica da historia e da humanidade em seu lado mais sombrio.
Por Cesar Alves


Conta-se que certa vez, na casa localizada em Rye, East-Sussex (Inglaterra), onde o pintor britânico, Edward Burra, nascera e costumava refugiar-se para manter contato com suas raízes e pintar, seu secretario atendeu a uma ligação telefônica. Ao ser informado do que se tratava, Burra teria gritado, para que quem estivesse do outro lado da linha pudesse ouvir:
“Tell them to fuck off! I’m busy!”
A chamada vinha da Real Academia Britânica. Ligavam para informar que, em reconhecimento ao conjunto de sua obra, seu nome teria sido indicado para fazer parte do seleto grupo de notáveis da instituição.
Fato ou apenas mais um dos mitos que cercam o nome de um dos mais enigmáticos artistas britânicos do século passado, a historia ao menos serve como exemplo da postura pessoal de Edward Burra em relação ao universo das artes e seu pouco interesse em ver-se inserido naquele contexto.
Preso em um corpo desfigurado, provocado por uma doença crônica que lhe causou dores intensas ao longo de sua vida, foi na arte e nas viagens que Edward Burra deu sentido a sua existência.
Apaixonado pelo som das big bands, pela vida noturna e pelas, ainda jovens, culturas do cinema e do jazz, Edward Burra é normalmente lembrado por seus registros de pubs londrinos e cenas dos cabarés e da vida boemia parisiense, o que costuma levar muita gente a cair no erro de reduzi-lo a um simples cronista da vida noturna e das elites culturais do inicio do século passado, o que não vale nem como uma introdução ao seu trabalho. Burra possui facetas que vão muito além do que suas obras mais conhecidas revelam.
O artista teve contato e flertou com as principais linguagens e expressões criativas das vanguardas artísticas européias, principalmente com o Cubismo e Surrealismo, sem abraçar nenhuma delas. Dotado de memória fotográfica, ao contrario de muitos de seus colegas de oficio, nunca levou consigo um caderno para registrar as cenas que pretendia explorar. Tão devotado a vida noturna e cultural das grandes metrópoles era devotado ao contato com a natureza e a tranqüilidade do campo, buscando refugio na propriedade de sua família, onde nascera e pintava seus quadros que também não partiam de um rascunho ou esboço, mas na própria tela.
Durante a ressaca da primeira grande guerra, viajou a Paris para ver in loco a efervescência cultural propagandeada sobre a capital francesa, que se transformara na nova Meca da vida artística e intelectual européia e endereço oficial do modernismo. Sempre com um olhar irônico e satírico em relação a burguesia boemia que festejava como se não houvesse amanhã – feito quem busca na embriagues se esquecer que, de acordo com o caminhar da carruagem e o futuro incerto que se descortinava a olhos vistos, talvez não houvesse mesmo – transformou o que vivenciou em algumas de suas obras mais conhecidas.
Burra, no entanto, não limitou sua temporada na cidade luz aos pontos turísticos, restaurantes e salões luxuosos. Também fez questão de caminhar pelo lado selvagem, percorrendo ruas escuras, convivendo com marinheiros, prostitutas, drag-queens, batedores de carteira, traficantes e toda a fauna low-life que a selva dos bares e zonas proibidas de uma grande metrópole tem a oferecer, revelando uma das principais características sobre o artista e sua obra: o olhar atento ao que se esconde por trás da mascara da sociedade, feita de desejos sombrios e obscuros, cheios de violência e sexo. O que talvez explique o quanto há de melancólico mesmo em seus quadros estrelados por ícones sexuais como Josephine Baker e Mae West e bon vivants anônimos de sorrisos ébrios, sempre carregados de simbologia erótica escondida em formatos fálicos e triangulares ou poses e situações que remetem ao sexo oral ou autodeleite masturbatório; ou objetos pontiagudos, afiados como o olhar sinistro impresso em alguns dos personagens retratados, que chegam a sugerir assassinos e psicopatas em busca de suas próximas vitimas.
Em 1933, sua paixão pelo jazz e a cultura afro-americana do outro lado do atlântico, viajou pela primeira vez aos Estados Unidos, onde freqüentou as noites de bailes do Savoy Dance e percorreu as ruas e bairros do Harlem, registrando em primeira mão o surgimento de um estilo de vida totalmente original no modo de vestir, no gestual e na ginga características dos jovens negros norte-americanos. Suas pinturas do período, povoadas por seres da noite, trajados de sobretudos e casacos de pele multicoloridos, ostentando jóias e penteados afros, feitos na época poderiam muito bem ilustrar o universo musicado por Curtis Mayfield no álbum Superfly (1972).
 Fruto de uma família abastada do interior de Londres, Edward Burra nunca precisou trabalhar para ganhar seu sustento. Recusando-se a passar o resto da vida recluso, conforme o destino que sua saúde frágil parecia lhe reservar, ainda jovem, o artista decidiu tirar proveito de sua boa condição financeira para conhecer o mundo. Sua disposição para atender ao chamado da estrada era tanta que, certa vez, sua mãe teria declarado a pessoas próximas que nunca sabia se o filho teria saído para ver o jardim, comprar cigarros ou visitar a Espanha ou o México.
É justamente durante uma de suas jornadas que seu trabalho sofre uma das mais profundas transformações e entra na fase predileta do amigo que vos escreve. Inspirado pelas touradas e dançarinas de flamenco, Burra estava na Espanha quando estourou a Guerra Civil. Em uma de suas cartas aos amigos, teria declarado:
“Estávamos num restaurante, quando senti um forte cheiro de fumaça. Perguntei a alguém o que era e responderam:
_ Não é nada. Apenas uma igreja queimando.
Aquilo me deu nojo”.
 Guernica ou Goya a se debruçar  sobre seus Desastres da Guerra, mas como que tocado por um soco direto na alma, dando-se conta da realidade aterrorizante que rondava a fantasia do ambiente burguês do qual fazia parte, o artista parece ter enxergado no fascismo mais do que uma ameaça aos valores humanos e democraticos conquistados pela civilização e sim como o reflexo do monstro que se encontrava escondido nas profundezas do coração humano em sua totalidade.
Talvez movido pelo mesmo asco que levou Picasso a conceber
A partir daí, seus quadros passam a retratar cenas apocalípticas, protagonizadas por soldados com mascaras de médicos da peste, crianças e adultos com faces desfiguradas pelo horror estampado em seus olhares, montes de cadáveres e refugiados em fuga, sob o olhar de demônios, medusas e Belzebu em pessoa. Um espetáculo de fogo e sangue do verdadeiro inferno na terra.
Se ainda existe dança, é protagonizada por esqueletos. Como que tocado por uma revelação, Edward Burra parece ter aberto um terceiro olho que revelava o que de mais sombrio e horripilante se escondia nas profundezas do espírito humano.
Este olhar pessimista sobre o homem e quanto ao futuro da espécie o acompanharia até sua morte, em 1976, quando passara a imprimir o mesmo cenário de destruição e morte que enxergava nos conflitos políticos e bélicos aos avanços do progresso, pintando paisagens sendo devoradas por tratores com mandíbulas de dragões e bestas mitológicas.
Apesar de seu comprometimento com a pintura, procurando entender e dialogar com a arte e os artistas de seu tempo – por um curto período, chegou a fazer parte do Unit One, coletivo de artistas de vanguarda, ligado ao Surrealismo, reunido por Paul Nash –, Burra sempre teve aversão a explicar e contextualizar sua própria obra. Odiava dar nomes a seus quadros, concedeu poucas entrevistas durante a vida e, quando perguntado sobre um trabalho especifico, costumava dar respostas evasivas e dizer que não se lembrava de quando e porque o tinha feito. Numa de suas raras entrevistas, percebendo a insatisfação da entrevistadora com a falta de objetividade de suas respostas, Burra sintetiza “I never tell anybody anything”.


O pintor, no que diz respeito a sua vida pessoal, cultivou muitas amizades e era descrito pelos que o conheceram como uma pessoa bastante sociável. É justamente a partir de sua vasta correspondência – Burra tinha o habito de escrever cartas diariamente, nas quais fazia relatos pessoais, falava sobre suas viagens, mas muito pouco sobre arte –, que Jane Stevenson empreendeu a pesquisa que deu origem a seu livro Edward Burra, The Twentieth-Century Eye (Editora Jonathan Cape-UK, sem tradução no Brasil), biografia do artista que serviu de base para este texto.


quinta-feira, 5 de julho de 2018

A historia da revista Senhor



Bendita era a Senhor.

Periódico que mudou a cara de nosso jornalismo impresso, a revista Senhor está de volta em livros que contam sua trajetória e compilam alguns de seus melhores artigos organizados por Ruy Castro.
Por César Alves

Em 1959 o país ainda respirava os ares de modernidade insuflados pelo governo Juscelino Kubitschek. A construção de Brasília e o surgimento de movimentos estéticos como a Bossa Nova e o Cinema Novo, entre outros, davam a impressão de que um outro Brasil começava a nascer. Na esteira dessa nova nação, notava-se também a presença de um novo brasileiro. Maduro e mais sofisticado, ele se interessava por política, livros, cinema, música e viagens. Estava em sintonia com seu tempo e, portanto, carente de uma publicação brasileira que refletisse seus gostos e hábitos. Sócios da editora Delta-Larousse, Simão e Sérgio Waissman identificavam-se com este público e assumiram a missão de atender a essa reivindicação. 
Sua ideia era criar um veículo direcionado a profissionais liberais, com bom poder aquisitivo, que valorizasse o texto e a criatividade na produção gráfica e, ao mesmo tempo, funcionasse como um cartão de visitas de sua marca junto a seus clientes. Para assumir o posto de editor e redator-chefe, convidaram Nahum Sirotsky que trouxe consigo a equipe e o conceito estético editorial que colocariam as revistas brasileiras em pé de igualdade com o que de melhor era produzido na imprensa internacional. Com as águas de março que fecharam o verão daquele ano, chegou também às nossas bancas a primeira edição da revista Senhor – ou Sr. A Revista do Senhor, como era intitulada no início – destinada a atender justamente aos gostos deste novíssimo homem brasileiro e que acabou também por mudar a cara de nosso jornalismo cultural. Quase meio século desde sua derradeira edição, Senhor está de volta, agora em dois livros, com o lançamento de Uma Senhora Revista e O Melhor da Senhor.

Concebidos por Maria Amélia Mello e organizados por Ruy Castro, ambos merecem desde já figurar entre os mais gratificantes lançamentos do ano. Não só por atender a uma antiga reivindicação dos saudosistas do periódico, mas, principalmente, por disponibilizar para as novas gerações, alguns dos momentos mais brilhantes de nossa imprensa escrita e literatura. Em seus cinco anos de existência, passaram pela redação de Senhor, nomes como Paulo Francis, Carlos Scliar, Nahum Sirotsky, Jaguar, Luiz Lobo e Ivan Lessa, que formaram o núcleo criativo responsável pelo conceito estético e editorial que seriam sua marca até o fim. O time de colaboradores forma uma lista de notáveis que aqui ocuparia toda uma página, merecendo destaque Jorge Amado, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Glauber Rocha, Darcy Ribeiro, Zuenir Ventura, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Luiz Carlos Maciel, Ferreira Gullar, Otto Lara Resende, Otto Maria Carpeaux, entre outros.
O primeiro volume, Uma Senhora Revista, dedica-se a contar a história da Senhor através daqueles que a fizeram. Os artigos são escritos pelos principais protagonistas da aventura editorial, em textos assinados por Naum Sirotsky, Paulo Francis, Luiz Lobo e Ivan Lessa. Como escreve Ruy Castro na introdução do livro, Senhor já nasce pronta. Desde o primeiro número a revista já dizia a que vinha. Assuntos mais sérios como economia e política ficavam a cargo da dupla Naum Sirotsky e Paulo Francis que também era responsável pela crítica cultural e literária e por selecionar os contos e novelas de autores nacionais e internacionais publicados mensalmente na Senhor. O design gráfico revolucionário, que acabou por angariar prêmios internacionais na época, vinha de Carlos Scliar. Os cartuns de Jaguar e o texto de Luiz Lobo imprimiam a dose de humor que se tornaria referencia em publicações futuras e característica evidente já na apresentação de sua primeira edição. 
Apesar de ser um veículo destinado ao público masculino, seu primeiro editorial era destinado às leitoras. Iniciava-se com um respeitoso “Minhas Senhoras” e dizia que, apesar de ser uma revista masculina, a Senhor era direcionada às mulheres, uma vez que eram elas na verdade quem compravam ou condenavam uma revista à morte. Em seu auge, devido ao número de leitores que se ofereciam para escrever na revista, partiu de Jaguar e Lessa o anúncio “O leitor também pode colaborar com a Senhor, comece escrevendo aqui:”. O “aqui” guiava o leitor para um cupom para adquirir uma assinatura da revista.
Bendita também pelo que tinha de maldita, a publicação fez história, valorizando a criatividade, o bom texto, a ousadia gráfica e contando com um time de bambas de nosso jornalismo e literatura. A seleção de reportagens, artigos, contos e reproduções de capas, anúncios e ensaios fotográficos realizada por Ruy Castro para O Melhor da Senhor, faz deste volume a cereja do bolo. Estão no livro as beldades, devidamente vestidas, mas, nem por isso, desprovidas do poder da sedução, que faziam a cabeça dos marmanjos, como Odete Lara linda e deliciosamente esparramada na beira da piscina. Otto Maria Carpeaux narra seus encontros com Franz Kafka. Em seu único diálogo com o autor de O Processo, Carpeux não teria compreendido a pronuncia do nome e a conversa teria transcorrido da seguinte forma: “KAUKA.” “Como é o nome?” “KAUKA!” “Muito prazer”. O leitor vai se deleitar com o brilhante artigo de Armando Nogueira em num clássico da crônica esportiva, intitulado Didi: O Homem Que Passa, e Glauber Rocha discorrendo sobre as ousadias cinematográficas de Luis Buñuel.

A literatura era um dos principais focos de Senhor que trouxe em suas páginas autores como Clarice Lispector, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, entre outros, em contos e novelas, alguns inéditos, como A Morte e A Morte de Quincas Berro D´Água, do criador de Gabriela, Tiêta e dos Capitães da Areia. Também foram traduzidos, exclusivamente para a revista, textos de Kafka, Truman Capote, Dorothy Parker e muitos outros, alguns destes autores sendo apresentados pela primeira vez ao leitor brasileiro.
No auge, a revista contava com 45 mil assinantes e média de 20 a 30 páginas de anúncios para cerca de 100 de editorial, chegando a ser difícil entender como um projeto editorial como este chegou ao fim. A derrocada da revista, no entanto, está mais ligada às incertezas políticas e econômicas que assolaram o país a partir da década de sessenta do que à má administração. A Senhor não sobreviveu para ver o período sombrio representado pelo golpe militar, ocorrido dois meses depois de seu último suspiro. Porém, não é errado dizer que a revista está na raiz de todo o jornalismo de resistência – em maior ou menor grau – representado pela imprensa alternativa surgida nos meses e anos subsequentes. Muitos de seus colaboradores estiveram por traz de títulos como O Pasquim, A Flor do Mal e outros. É possível detectar sua influência no melhor que nossa imprensa escrita produziu depois. O lançamento da Imprensa Oficial é, sem sombra de dúvida, certeza de leitura prazerosa e deleite visual, graças ao belo acabamento gráfico, reprodução de capas, fotos e anúncios publicitários da época. Aos colegas de profissão e estudantes da área, a obra representa aquisição obrigatória, tanto como fonte de pesquisa, como de inspiração. Nós, que tanto amamos este ofício – por vezes ingrato, mas sempre prazeroso –, oremos: Senhor, olhai por nós!


Serviço: O Melhor da Senhor – 412 páginas; Uma Senhora Revista – 108 páginas. Lançamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

(texto publicado originalmente na revista Brasileiros)

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Com a Palavra Luiz Gama - Imprensa Oficial






Orfeu negro

Nascido livre e levado à escravidão aos dez anos de idade, o lendário Luiz Gama encarna como poucos os ideais libertários do Brasil de fins do século XIX. Pouco citado em nossos livros, o “Vate Negro” retoma seu lugar na história em lançamentos que resgatam sua trajetória ímpar e obra que funde literatura, política e jornalismo.
Por César Alves


Os nomes dos que tem na luta pela liberdade a marca de sua existência deveriam figurar com destaque na história de qualquer nação soberana. Sendo assim é de estranhar que Luiz Gama seja tão pouco citado em nossos livros. Dono de uma biografia intensa e trajetória dedicada à defesa da igualdade de direitos e ao livre pensamento, o poeta, jornalista e advogado – autodidata em todas as áreas – merece figurar entre os principais artífices na construção de um novo Brasil. Multifacetado e tendo no abolicionismo e na derrubada da monarquia suas principais bandeiras, sua atuação no combate às arbitrariedades dos que detinham o poder político e financeiro no século XIX foi marcante nos mais diversos palcos. Vai da literatura, com a publicação de seu único livro, Primeiras trovas burlescas de Getulino; passa pela luta por uma imprensa livre, através de artigos corajosos nas redações de jornais oficiais e também de periódicos independentes; chegando à ação direta nos tribunais, como o advogado de argumentos imbatíveis pelos direitos dos humildes e injustiçados. Antes tarde do que nunca, o resgate de sua importância histórica tem ganhado forma nos últimos anos através de lançamentos como a reedição de Primeiras Trovas Burlescas pela Martins Fontes, uma série de ensaios e novas biografias. Passados 180 anos de seu nascimento, a Imprensa Oficial presta justa homenagem neste Com a palavra, Luiz Gama – poemas, artigos, cartas e máximas.
Filho de Luiza Mahin, uma quitandeira africana livre de Costa Mina, com um fidalgo de nome nunca revelado – sabe-se que fazia parte de uma tradicional família baiana de origem portuguesa –, o Vate Negro, como ficaria conhecido no futuro, nasceu em Salvador no ano de 1830. Embora tenha vindo ao mundo como homem livre, Luiz Gonzaga Pinto da Gama conheceu a escravidão aos dez anos de idade quando foi vendido pelo próprio pai a um mercador de escravos. Da Bahia o garoto é levado ao Rio de Janeiro e depois Santos, de onde segue a pé até Campinas para ser vendido. Na época, escravos de origem baiana tinham fama de rebeldes e, por este motivo, Luiz Gama não foi comprado, ficando o mercador como seu senhor. É como cativo que chega à capital de São Paulo, principal cenário de sua trajetória sem precedentes.
Provando a máxima de que educação confere liberdade, é graças a um estudante de direito que aluga um dos quartos na casa de seu senhor que Luiz Gama é alfabetizado aos dezessete anos. Ato corajoso, tendo em vista que na época ensinar um negro tinha conotação de crime, o jovem torna-se amigo do garoto escravo e também lhe fornece as primeiras noções de direito. De forma impressionante, pouco tempo depois, Gama reúne documentos que provam seu nascimento como homem livre e consegue alforria defendendo-se por conta própria e antecipando seu futuro como grande advogado. Aqui é preciso tomar cuidado. Foi justamente sua atuação marcante no universo do direito e sua fama como “o advogado dos escravos”, que acabaram por soterrar a imagem do homem de múltiplos talentos que realmente foi.
Já livre, aos dezoito anos ingressa na guarda municipal, onde trava contato com uma das maiores autoridades da São Paulo de então: Conselheiro Furtado de quem se torna protegido e com quem anos mais tarde romperia suas relações publicamente, com direito a troca de rusgas na imprensa. Sua carreira militar termina seis anos depois, após cumprir pena de 39 dias por insubordinação. Mais tarde escreveria: “desde que me fiz soldado, comecei a ser homem; porque até os dez anos fui criança; dos dez aos dezoito anos fui soldado”.
Nomeado amanuense da Secretaria de Polícia de São Paulo, Gama começa a ter contato com os problemas dos mais humildes que por lá apareciam ávidos por justiça, quase um privilégio das elites. É onde também passa a aperfeiçoar seus conhecimentos na área jurídica. A época marca sua aproximação de personalidades republicanas e a formação de alianças com nomes emblemáticos que teriam importância para seu futuro e também do país, como o poeta e professor de direito José Bonifácio, o Moço. Membro da maçonaria, associado à Loja América, um dos núcleos do antimonarquismo paulistano, em pouco tempo Luiz Gama escreveu seu nome entre os principais intelectuais do período. Personagem símbolo da luta abolicionista, como rábula – profissional autorizado a exercer advocacia sem curso superior, desde que comprovado profundo conhecimento na área – passou a defender de forma gratuita casos de escravos e parte da população menos assistida pelo Estado, também fornecendo aconselhamentos e participando pessoalmente da libertação – sempre através de meios legais – de trabalhadores escravizados. Suas conquistas representam feito jamais igualado na luta contra escravidão em todo o mundo. Há registros de que teria sido o responsável direto pela libertação de mais de quinhentos escravos. Extra-oficialmente, há quem diga que o número se aproxime de mil.
Contrariando os que defendiam idéias pseudo-científicas, muito em voga na época, de que o conhecimento e a capacidade intelectual para desenvolvê-lo e produzir coisas belas eram uma questão de raça, privilégio dos escolhidos e de pele alva, pouco mais de dez anos separam a alfabetização do menino escravo de sua ascensão como o brilhante intelectual que se tornou. Apenas doze anos se passaram até que Luiz Gama publicasse seu primeiro e único livro de poesia, ganhasse o respeito como autor de artigos invejáveis na imprensa e o orador, autor de discursos históricos na defesa de suas idéias. É ai que se encontra um dos principais méritos deste lançamento. Dividido em capítulos como Poemas, Artigos, Cartas e Máximas, o livro apresenta ao leitor as diversas faces de um pensador cuja obra singular une literatura, jornalismo e política.

Lírica de Carapinha
Publicado em 1859, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino teve apenas duas edições na época, sendo praticamente empurrado para o esquecimento nas décadas seguintes. O que poucos perceberam é que o surgimento do poeta Luiz Gama representava um marco em nossa literatura. Sem mencionar o valor incontestável de seu lirismo, a obra impressiona por sua ousadia e importância histórica. Não bastando o fato de que pela primeira vez um autor negro tinha sua obra publicada, Gama vai além. Apropria-se das referências dos poetas brasileiros e europeus que o influenciaram, mas assume sua raça e posiciona-se como uma nova voz já desde o título do livro. Embora o autor assine com seu nome de batismo, as trovas são creditadas a Getulino, pseudônimo retirado de uma tribo guerreira nômade oriunda da África, os Getulos. O poeta se apresenta como o Orfeu de Carapinha, tomando de empréstimo a lírica do musicista encantador de deuses e mortais da Grécia mitológica clássica, porém substituindo sua lira por instrumentos de origem africana. Canta pela primeira vez a beleza da mulher negra, declamando que, à alva Vênus dos poetas clássicos prefere “A musa de Guiné, cor de azeviche”.
Embora cante as belezas do espírito como faziam seus contemporâneos, desde os primeiros poemas o Vate Negro mostra sagacidade e domínio da ironia em versos satíricos de forte conteúdo político e social. Esta, aliás, seria uma de suas marcas em poemas publicados mais tarde na imprensa paulistana. Sua pena não dá trégua aos poderosos, mas sobra também para os “mulatos falsários”, como ele definia mestiços que renegavam sua ascendência africana. Os versos de “Quem sou Eu?”, também conhecido como “Bodarrada” – chamavam Bodes os mestiços de pele mais escura – dizem: “Se negro sou, ou sou Bode./Pouco importa./O que isto pode?”. Também ataca o preconceito dominante de parte das elites intelectuais: “Ciências e letras/Não são para ti/pretinho da costa/não é gente aqui”. E, se os versos: “No meu cantinho./Encolhidinho./Mansinho e quedo./Banindo o medo (...)/O que estou vendo./Vou descrevendo” podem dar a falsa impressão de uma humildade cômoda, em outros salta feito leão contra a hipocrisia dos poderosos : Se a justiça, por ter olhos vendados,/É vendida, por certos magistrados,/Que o pudor aferrando na gaveta,/Sustentam – que o Direito é pura peta;/E se os altos poderes sociais,/Toleram estas cenas imorais,/Se não mente o rifão, já mui sabido:/ “Ladrão que muito furta é protegido”/É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,/Onde possa empantufar a larga pança!”. O lançamento traz uma coletânea que inclui tanto textos extraídos de Primeiras Trovas Burlescas, como outros publicados apenas em jornais da época.

O jornalismo de combate de Barrabrás
Naqueles tempos em que jornalismo e literatura se confundiam, não é de se estranhar que alguém com tanto a dizer como Luiz Gama estendesse seu campo de atuação às redações. Como jornalista, Luiz Gama também fez história, podendo ser considerado um dos precursores de nossa imprensa independente ou alternativa. Em 1864, uniu-se ao cartunista Angelo Agostini para fundar o semanário de humor, Diabo Coxo. Embora a publicação tenha durado pouco mais de um ano, o periódico foi o primeiro jornal ilustrado da cidade de São Paulo e marca a descoberta da imprensa como principal canal difusor de suas idéias. Tendo no jornalismo atividade oficial a partir daí, Luiz Gama participaria da criação e edição de outros títulos não menos notórios, como Cabrião, O Polichinelo e O Radical Paulista – o último, ao lado de Rui Barbosa –, entre outros.  
Talvez um dos maiores exemplos da cordialidade hipócrita de nosso racismo, Gama foi acusado por seus detratores de negro com pretensões literárias frustradas e até “agente da Internacional”. Durante muito tempo, a indignação e virulência de seu texto foram rotuladas como um rancor enraizado contra a parcela de pele branca da sociedade. Seu discurso, no entanto, não é pautado pela distinção racial e seus principais alvos eram as instituições dominantes no Brasil da segunda metade do século XIX: a monarquia e a igreja.
Vítima de complicações causadas pelo diabetes, o autor, que gostava de pseudônimos como Barrabrás – em referência ao bairro do Brás, onde morava –, com o qual assinou alguns de seus artigos mais virulentos contra as elites, faleceu jovem, aos 52 anos de idade, no auge de sua popularidade como republicano e fervoroso abolicionista. O impacto de sua morte movimentaria a capital paulistana. Seu velório teria atingindo proporções inéditas até então, sendo acompanhado por mais de três mil pessoas. Conta-se que em meio à cerimônia fúnebre o féretro teria sido “tomado” das mãos de seus companheiros republicanos pelos ex-escravos e demais populares, que o tinham como protetor, e conduzido nos braços do povo até o Cemitério da Consolação onde está enterrado. O evento ainda seria assunto na mídia nos meses que se seguiram em artigos e homenagens assinadas por notáveis como Rangel Pestana e Raul Pompéia, entre outros. Além dos poemas e artigos do autor já citados, Com a palavra, Luiz Gama também traz tais homenagens e se completa com suas máximas, trechos de sua correspondência e ilustrações, apresentando um rico panorama do pensamento de um personagem sem igual em nossa história.
Serviço: Com a palavra, Luiz Gama. Organizadora: Ligia Fonseca Ferreira. Editora: Imprensa Oficial. 306 páginas.

Box: Sangue indomável
Pesquisando de forma aprofundada as origens de Luiz Gama é quase impossível não pensar em predestinação. Descrita como uma negra bonita, de corpo frágil e personalidade forte, sua mãe, Luiza Mahin, teria participado de diversos levantes e rebeliões pela emancipação negra no Brasil escravocrata do século XIX. Embora as informações a seu respeito sejam escassas e desencontradas, é certo que teve papel importante em pelo menos uma das insurreições mais significativas do período: a Revolta dos Malês.
Organizado por um grupo de cerca de 600 negros muçulmanos, o movimento pretendia acabar com a imposição dos ritos católicos a que eram submetidos, libertar os escravos muçulmanos e instituir em Salvador um governo teocrático baseado no Islam. Levada a cabo no dia 25 de janeiro de 1835, a revolta teve motivação religiosa, com inspiração nas jihads – guerras santas – e nasceu destinada ao fracasso. Entre os principais motivos, estava o fato de não contar com o apoio de boa parte da população negra, a maioria católica e de outras religiões, que temia ser alvo de perseguição uma vez instaurado o governo muçulmano. Além do mais, seu núcleo fora infiltrado por informantes que, à traição, impediram o elemento surpresa, essencial para o sucesso de qualquer ação revolucionária. Avisado com antecedência, o governo não teve dificuldades em conter a rebelião. Seus líderes foram presos e executados. Outros foram deportados.
Luiza Mahin teria deixado seu filho aos cuidados do pai e fugido para o Rio de Janeiro. Seu destino a partir daí é uma incógnita. Conta-se que teria participado de outras revoltas no Rio. Lá teria sido presa e deportada para Angola, mas, não havendo documentos que comprovem tal informação, é também possível que tenha sido executada. Embora também não existam provas a respeito, certos autores defendem que Mahin teria conseguido fugir e encontrado refúgio no Maranhão. Tal teoria a coloca, inclusive, como uma das peças fundamentais para o desenvolvimento e popularização do Tambor de Crioula, dança típica de origem africana praticada ainda hoje por afro-descendentes maranhenses. Depois de adulto, Luiz Gama lançou-se em diversas campanhas para investigar pistas de seu paradeiro. Todas infrutíferas.
Considerada uma heroína e exemplo de mulher guerreira em diversas comunidades baianas, Luiza Mahin pouco conviveu com o filho. Seu papel sob a biografia de Luiz Gama, no entanto, possui simbologia marcante e impossível de se ignorar. Herdeiro do espírito indomável da mãe, o Vate Negro parece ter trazido nas veias sua inclinação à liberdade e à insubmissão.
Sobre ela, o filho escreveu: "Sou filho natural de negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa."

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Marcello Quintanilha lança novo livro e fala sobre roteiro na sede da editora Veneta






Marcello Quintanilha lança novo livro e fala sobre roteiro na sede da editora Veneta


Evento também promove a adaptação cinematográfica da premiada graphic novel, Tungstênio, que chega aos cinemas em junho, e conta com as participações de Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Heitor Dhalia, roteiristas e diretor do filme.
Por Cesar Alves


No próximo sábado, dia 19 de maio, a editora Veneta abre suas portas para um encontro com um dos nomes mais importantes dos quadrinhos brasileiros, Marcello Quintanilha, para o lançamento de seu mais novo trabalho, Todos os santos, que acaba de ser publicado pela casa. O evento promove um bate-papo com o autor sobre o novo livro e também sobre criação de roteiro para cinema a partir dos quadrinhos. Caso de sua graphic novel, Tungstenio, que acaba de ganhar adaptação cinematográfica dirigida por Heitor Dhalia, com Fabrício Boliveira, Jose Dumont, Samira Carvalho e Wesley Guimarães, no elenco, e roteiro de Marçal Aquino e Fernando Bonassi.

Também autor de Talco de vidro e Hinário nacional, começou profissionalmente ainda adolescente, ilustrando quadrinhos na extinta Bloch Editores. Colaborou com as revistas General, Metal Pesado, Nervos de Aço e Heavy Metal, entre outras. Estreou como autor de graphic novels em 1999, com a publicação de A Fealdade de Fabiano Gorila, inspirada na vida de seu pai, um ex-jogador de futebol.
Todos os Santos faz um resumo da obra do artista, reunindo ilustrações e historias em quadrinhos do inicio de sua carreira aos dias atuais. A obra recupera alguns dos primeiros trabalhos publicados pelo autor nas revistas de terror e artes marciais dos anos 1980 e trechos de suas primeiras investidas como ilustrador profissional, como os quadrinhos Os dragões de Bali, A ciência única, Catacumbas de lava e Bast, o olhar maligno da múmia.
O livro conta com raridades como a cultuada vencedora do premio da primeira Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro de 1991, Acordados!! Acordados!! – que nunca havia sido publicada. Traz ainda textos de Aldir Blanc e Marcio Paixão Nunes e uma entrevista com pesquisador e critico inglês Paul Grevett.
Também participam do encontro, Marçal Aquino e Fernando Bonassi, roteiristas do filme que chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 21 de junho.


Serviço:
Lançamento de Todos os Santos e bate-papo sobre roteiro
Com: Marcello Quintanilha, Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Heitor Dhalia
Sábado (19 de maio, 15h)
Local:
Editora Veneta –rua Araujo, 124 – 1º. Andar – Republica


segunda-feira, 14 de maio de 2018

Uma vida política – Norberto Bobbio






Uma vida política – Norberto Bobbio

Um dos mais relevantes pensadores políticos italianos do século vinte oferece seu testemunho pessoal em autobiografia organizada por Alberto Papuzzi.
Por Cesar Alves


Nascido em 1909, Norberto Bobbio teve o inicio de sua vida marcada pela ascensão de Mussolini ao poder na Itália. Ter crescido sob a pressão do regime fascista foi fundamental na formação de seu pensamento e no fortalecimento de suas convicções, vindo a se tornar uma das vozes mais ativas em favor das causas democráticas no século vinte.
Organizado por Alberto Papuzzi, traduzido por Luiz Sergio Henriques e publicado pela editora Unesp, Autobiografia: Uma vida política oferece uma jornada por alguns dos mais significativos eventos que marcaram a historia do ultimo século, bem como a vida e a obra do pensador italiano, através de seu testemunho pessoal. O texto nos envolve desde o inicio, devido a sua prosa vivida e a carga dramática impressa em cada depoimento, descrevendo momentos de sua vida pessoal e fatos históricos fundamentais para a construção do mundo como o conhecemos. Sem deixar de avaliar a importância que tiveram na formação de seu pensamento e na concepção de sua obra.
Norberto Bobbio vinha de uma família de classe media de Turim, que, embora não apoiasse o fascismo, via nele um “mal necessário” frente ao que consideravam o verdadeiro perigo: o bolchevismo. Foi na escola e, mais tarde, no ambiente universitário que o futuro pensador se deu conta do erro de pensar como seus pais, fazendo vista grossa ao que já se mostrava vir da eclosão do ovo da serpente. A partir daí, passa a integrar ativamente o grupo de jovens  intelectuais anti-fascistas italianos que incluía nomes como os escritores Cesare Pavese e Carlo Levi; seu futuro editor, Giulio Einaud; o critico Leone Guinsburg e Vittorio Fuo.
Após a queda de Mussolini, em setembro de 1943, Norberto Bobbio e outros de sua geração foram catapultados da completa exclusão participativa na vida política de seu pais para o envolvimento mais que engajado dentro da mesma.
Desde os anos 1930, Bobbio vinha participando do movimento liberal socialista que mais tarde se tornou parte do Partido da ação. Embora de forma tímida, Bobbio chegou a se engajar em algumas operações clandestinas contra a ocupação alemã e chegou a ser preso.
Apesar de sua influencia intelectual e uma breve participação nas eleições da assembléia constituinte italiana de 1946, Norberto Bobbio optou por uma carreira acadêmica ao invés da política. Especialista em jurisprudência e filosofia, Norberto Bobbio foi professor e autor de alguns dos livros mais importantes na sua área.
Morto em 2004, Norberto Bobbio foi uma das vozes mais atuantes e ativas contra quaisquer ameaças aos valores democráticos e as sombras do totalitarismo se faziam presentes. Defensor do dialogo racional e moderado frente ao perigo dos extremos, Bobbio teria muito a dizer nos dias que correm.
Mais que um livro de memórias, Autobiografia: Uma vida política faz um histórico do século vinte e, de certa forma, nos oferece a chance de entender os erros do passado que parecemos prestes a repetir no presente.

Serviço:
Autobiografia: Uma vida política
Autor: Norberto Bobbio
Organizador: Alberto Papuzzi
Editora Unesp
276 paginas







quarta-feira, 25 de abril de 2018

Animais Domésticos e Outras Receitas - Luana Chnaiderman








Animais Domésticos e Outras Receitas

Autora do celebrado livro infantil, Minhocas, surpreende em seu primeiro livro de contos voltados ao público adulto.
Por César Alves

Autora do elogiado livro infantil Minhocas, publicado pela extinta editora Cosac & Naify em 2014, e também do belo Fuga (FTD, 2017), no qual explora com ousadia e delicadeza temas relevantes ao universo adolescente, Luana Chnaiderman ganhou notoriedade no universo literário como uma das mais gratas surpresas da nova prosa infanto-juvenil. Agora, provando que sua prosa não está a serviço de um único segmento etário, a autora nos surpreende mais uma vez com Os Animais Domésticos e outras receitas.
Lançado na semana passada pela editora Perspectiva, o livro marca sua estréia como autora de ficção adulta e não decepciona.
Dona de uma prosa calcada na lírica poética e harmonia quase musical, que pode ser detectada na escolha das palavras e na formatação e organização do texto, a obra reúne contos breves que, na maioria das vezes, versam sobre a vida urbana e cotidiana em contraste com o inevitável chamado do mundo natural, numa ambientação quase onírica.
Divididas em categorias como Do Mar, Da Terra e Do Ar, as histórias aqui narradas são de uma delicadeza que quase engana o leitor desavisado quanto à profundidade melancólica e o turbilhão de sentimentos no qual se encontram imersas as personagens que as protagonizam. Sim. Há receitas, conforme promete o título da obra. Mas também há um taxidermista apaixonado por seu zoológico de animais domésticos e selvagens mortos – muitos dos quais só conhece sobre seus hábitos e comportamentos quando vivos, através de documentários sobre o mundo natural – e também séries de exercícios físicos programados para o horário marcado na academia. Como o leitor irá perceber, a prosa de Luana Chnaiderman é saborosa, mas de um sabor agridoce.
Mestre pelo Departamento de Letras Orientais da USP, Luana cresceu rodeado por livros, o que, segundo a própria autora, ajudou-a a vencer a timidez, encontrando naquele universo uma espécie de refúgio. Vinda de uma família de intelectuais – ela é neta de Boris Scnaiderman, tradutor de Dostoiévski e um dos nomes mais respeitados de nossa literatura contemporânea –, desde muito nova a autora percebeu que seu destino estaria, de alguma forma, relacionado ao universo da literatura.
Além do recém-lançado Os Animais Domésticos e outras receitas e dos dois títulos citados no início do texto, Luana Chnaiderman também recontou mitos ancestrais deixados por Griots e preservados pela tradição oral das tribos africanas em Contos de Moçambique (FTD, 2017).
O novo livro, aliás, faz parte da coleção Arranha-Céu da editora Perspectiva, que promete trazer às prateleiras de nossas livrarias o melhor e mais ousado da prosa contemporânea em português.


Serviço:
Animais Domésticos e outras receitas
Autor: Luana Chnaiderman
Editora Perspectiva
Coleção Arranha-Céu
144 páginas



terça-feira, 10 de abril de 2018

Símbolos que representam a si mesmos – Roy Wagner





Símbolos que representam a si mesmos – Roy Wagner

Roy Wagner destrincha e importância dos símbolos e seu papel na construção e desenvolvimento da cultura em Símbolos que representam a si mesmos, lançamento da editora Unesp.
Por César Alves.

Professor de antropologia na Universidade de Virginia, Roy Wagner é autor daquele que é tido como um dos mais importantes títulos da antropologia contemporânea, não só por sua importância histórica, como também por sua relevância ainda hoje, A Invenção da Cultura.
Publicado em 1975, no livro o autor trazia à luz o argumento de que a cultura surge da dialética entre o individual e o mundo social. Sua análise tinha como base as relações entre invenção e convenção, inovação e controle e significado e contexto, insistindo na importância da criatividade e colocando a humanidade, como espécie inventora por natureza, no coração do processo que dá origem à cultura.
Anos depois, Roy Wagner retomaria o argumento de a Invenção da Cultura, em Símbolos que Representam a si mesmos, que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela Editora Unesp. Tão importante quanto a obra que a precedeu, aqui Roy Wagner aborda a importância dos símbolos e seu papel na criação da cultura.
Fazendo uso de exemplos tirados de sua relação pessoal com os povos Daribí, da Guinéa, e também da cultura ocidental, Wagner aborda a questão da criação de significado, examinando as qualidade não referenciais dos símbolos, do ponto de vista estético e das propriedades de sua forma, que autoriza aos símbolos comunicarem por si mesmos.
Em resumo, a obra aborda o sentido como poder organizador e constitutivo na vida cultural. Seu argumento é de que o fenômeno humano é uma ideia única e coerente, organizada mental, física e culturalmente em torno da forma de percepção que chamamos de “sentido”. Essa ideia possibilita uma perspectiva em desdobramento, simples e unificada, em vez do mosaico explanatório gerado pela colisão acidental entre um fenômeno genérico conhecido e disciplinas acadêmicas particulares.


Serviço:
Símbolos que representam a si mesmos
Autor: Roy Wagner
Tradução: Priscila Santos da Costa
Editora Unesp
197 páginas


sábado, 7 de abril de 2018

Hey That´s no Way to Say Goodbye





Hey That´s no Way to Say Goodbye
Por César Alves

 “Bird on a wire”, filme de Tony Palmer, registra a turnê de mesmo nome realizada por Leonard Cohen em 1972. Como é de conhecimento geral, Cohen já vinha de uma carreira internacional bem sucedida, como poeta e escritor.
Embora tenha participado de uma banda country ainda na adolescência, sua incursão na música aconteceu quase que por acidente, após Judy Collins gravar duas de suas composições. Sua participação no Newport Folk Festival de 1966, abriu os olhos do produtor John Hammond, que já tinha no currículo Aretha Franklin, Billie Holliday e Bob Dylan entre outros, e convidou o canadense para gravar um álbum. O resultado foi a obra – de lirismo e importância incontestáveis – “Songs of Leonard Cohen” de 1968. Com os discos, vêm também as apresentações ao vivo e turnês. É ai que a coisa se complica. Como muitos de seus pares, Cohen também sofre da timidez característica da maioria dos gênios. O artista nunca escondeu seu desconforto diante de uma grande audiência.
É notório que Cohen sofre de depressão desde os nove anos. Idade que tinha na época do falecimento de seu pai. E isto, em parte, explica os grandes períodos de reclusão por que sua trajetória vez ou outra passou. É justamente esta faceta do artista que fica clara em um dos momentos mais tensos e também belos da turnê de 72. Cohen tenta em vão introduzir os primeiros acordes de uma de suas mais lindas canções “Bird on a wire”, mas é sempre interrompido pelos aplausos e gritos de reverência da platéia. Ele chega a pedir que as pessoas não aplaudam, mas levantem as mãos para demonstrar que reconhecem e gostam da música, mas é em vão.
Extremamente constrangido e irritado, ele se levanta e abandona o palco quase lembrando momentos de nosso João Gilberto. Nos bastidores, os organizadores e parte de seu entourage tenta convencê-lo a voltar e obtêm do artista respostas como: “...eu não posso”, “...não consigo mais fazer isto”. Fica claro que não se trata de “frescura” de artista, mas sim do estranhamento natural de quem não se sente parte daquilo. A platéia, então, começa a entoar o cântico “hevenu shalom alechem”.
É ai que a poesia se manifesta como que arquitetada pelo acaso. Está no sorriso constrangido e na timidez quase infantil de Cohen – na época um garoto de quase quarenta anos –, está naqueles quatro ou cinco integrantes da platéia que se esquecem do motivo da confusão e arriscam aplausos também tímidos e também no silêncio do público quando o artista volta ao palco para tocar “Hey, that´s no way to say goodbye”, quase como um pedido de desculpas. Mas está, principalmente, no olhar da garota que olha hipnotizada para o palco. Estaria ela pensando num jeito de dizer adeus a alguém? Acho que não existe uma maneira correta para se dizer adeus. Principalmente, quando ainda não queremos partir...


(César Alves, 24 de Maio de 2010)

terça-feira, 3 de abril de 2018

Bob Dylan e Greil Marcus




Bob Dylan e Greil Marcus

Menos disponível nas prateleiras brasileiras do que sua prosa merece, Greil Marcus se inscreve entre os cronistas do universo musical predileto deste que vos escreve.
Por César Alves

Nascido em 1945, Greil Marcus presenciou – às vezes in loco – momentos que redefiniram a musica contemporânea, trabalhando para veículos como Rolling Stone, Creem e Village Voice. Alguns de seus livros, como “Mystery train” (1975) são considerados revolucionários na forma de se fazer crítica de rock. Marcus não acredita no hype e, quando segue uma pauta, vai além do objeto estudado considerando fenômenos sociais e seu contexto histórico.
Daí que seus textos podem citar heréticos medievais, o Dada (é sempre bom lembrar que não existe dadaísmo e, se você não concorda, você é Dada!) e os Situacionistas para chegar ao punk. Infelizmente no Brasil seus livros não são publicados com frequência. Que eu saiba, saiu por aqui apenas a coletânea “A última transmissão”, parte da ótima coleção iêiêiê da Conrad Books (que saudades dessa editora!), cuja reportagem sobre o novo punk (Pós-punk, se preferir), representado por bandas como o Gang of Four e o, ainda iniciante, selo Rough Trade é exemplo do que escrevi acima.
Agora chega às nossas livrarias “Like a Rolling Stone: Bob Dylan na Encruzilhada”, lançamento da Companhia das Letras. Aqui, Marcus debruça-se sobre a histórica gravação de mister Robert Zimmermann de “Like a Rolling Stone”, canção que abre o álbum histórico “Highway 61 Revisited”. O jornalista teve acesso às sessões de gravações do clássico, ocorridas em 15 de junho de 1965, período conturbado na carreira do artista. Dylan vinha de sua estréia com instrumentos elétricos, ocorrida no álbum anterior “Bringing it all back home”, e suas apresentações normalmente culminavam com gritos de “Judas!” vindo da platéia mais purista, que o havia alçado a posto de seu porta-voz – só não perguntaram antes se ele aceitava o cargo.
A verdade é que “Like a Rolling Stone” representa uma virada no conceito criativo do rock. A partir dali, o rock, que também havia influenciado Dylan para sua guinada elétrica, começa a abandonar os temas leves e pode-se dizer que só a partir dai ganha status de arte. Marcus, no entanto, não se fecha numa biografia da música, fazendo uma análise da importância de Dylan através dos artistas que influenciou e o fato de sua obra ainda ser relevante nos dias de hoje.
Curiosidade: Os teclados, que são uma das marcas da canção são tocados pelo lendário guitarrista Al Kooper. A verdade é que Kooper nunca havia tocado um instrumento de teclas antes – pelo menos é o que reza a lenda – e o que está ali é o guitarrista “tentando” fazê-lo.




sábado, 3 de março de 2018

Guido Crepax e A História de "O"





Pauline Reagé, segundo Crepax

Clássico da literatura erótica do século 20, A História de “O”, de Pauline Reagé – pseudônimo da jornalista francesa Anne Célline Desclós –, ganhou uma magistral adaptação para os quadrinhos sob a condução do maestro dos quadrinhos e criador de Valentina.
Por César Alves


Em meio à atual febre de tramas eróticas nas livrarias de todo o mundo, fenômeno ressuscitado pela série de livros Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James, é bom lembrar que sexo e arte sempre se deitaram na mesma cama. Seus segredos, no entanto, podem ter tido representação gráfica muito antes do aparecimento da imprensa. Papiro de Turim, documento descoberto em 1822, mostra desenhos feitos pelos egípcios de suas atividades sexuais, talvez seja a prova de que o gosto pelo erotismo vem muito antes de Gutenberg criar a primeira impressora no século 14 e tornar, algum tempo depois, a literatura acessível e os “livros proibidos” virarem tão populares quanto a Bíblia – muitos estudiosos consideram o documento egípcio “a primeira revista erótica da história”.
Artista gráfico e autor das mais originais histórias em quadrinhos, Guido Crepax entendeu o recado. Com as aventuras de sua personagem Valentina, criada em 1965 para a revista Linus, Crepax se tornou o mestre do erotismo gráfico e um dos artífices do movimento de emancipação feminina no universo da Cultura pop. Graças a seu traço inconfundível, argumentação que, mais que o erotismo, flerta com a filosofia e o diálogo entre o onírico e o psicológico, sem abrir mão do experimentalismo no formato narrativo e visual, é também considerado um dos responsáveis por elevar os quadrinhos ao status de arte.
Agora, sua obra começa a retornar às livrarias brasileiras, mais uma vez pela L&PM Editores – que lançou vários livros seus na década de 1980. O primeiro relançamento é o clássico A História de “O”, uma das poucas obras do autor que, contraditoriamente, não traz Valentina como protagonista. A editora promete ainda relançar outros títulos, no total de oito volumes programados.
O fato de não ter Valentina não representa exatamente uma decepção aos leitores – nem mesmo para quem adora a fotógrafa que usa botas de couro e espartilho e se tornou ícone da emancipação feminina na década de 1960. A História de “O” é baseada na obra publicada em 1953, na França, escrita por Pauline Reagé (um dos pseudônimos da escritora e jornalista francesa Anne Célline Desclos, que também assinava Dominic Áury). Na trama, a personagem “O” é uma mulher independente, levada para um castelo por seu amante, René, onde as mulheres eram ensinadas a ser submissas sexualmente aos homens. Apesar de aprender a ser escrava sexual do namorado, “O” é consciente de seu poder sobre os homens e, assim, coloca prazer e submissão lado a lado para alcançar o prazer. Nada mais polêmico e escandaloso.

Ainda que o roteiro não seja de Crepax, a adaptação que ele próprio fez traz todas as características que marcaram a sua obra: erotismo explícito e sem pudores, como no texto original, paixão por desenhar espartilhos e bondages – um deleite para voyeuristas, traço inconfundível e narrativa que exige mais de uma leitura, em que imagem, composição e distribuição dos quadros vão além dos balões de diálogos. A apropriação da trama por Crepax, embora fiel à narrativa original, faz da novela gráfica uma obra diferenciada – é bom ler as duas versões. Essa HQ revela o gosto de Crepax por adaptações literárias, o que fez desde o início de sua carreira. Sua primeira história, aliás, foi uma adaptação de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, que desenhou aos 12 anos.
Filho do primeiro violoncelista do Teatro Scala, de Milão, Itália, Crepax nasceu em 1933. Estudou arquitetura pela Universidade de Milão e, ao mesmo tempo, atuou como ilustrador em trabalhos de publicidade. Produziu capas de revistas e livros, pôsteres e ilustrações para capas de LPs – que lhe deu reputação no meio musical. Até decidir-se pelas histórias em quadrinhos, transitou por assuntos variados, mas seu maior mote foi o erotismo.

“Valentina sou eu!”
Valentina, sua mais famosa criação, veio a se tornar um dos ícones culturais do século 20, chegando a ser considerada a primeira mulher emancipada made in Italy. Assim como – dentro da Cultura Pop e o universo dos quadrinhos – a Mulher Maravilha está para os movimentos de sufrágio e liberação feminina da primeira metade do último século, Valentina está para a mulher moderna que retoma com força os ideais feministas tanto quanto o foi nos anos da contracultura e da revolução sexual, época em que foi criada. Protagonista e regente de seu destino, livre das amarras sociais e comportamentais, pronta a explorar seus desejos sem culpa e abrir caminho à frente de sua história, sem se preocupar com a opinião de uma sociedade falocêntrica ou pedir licença a um homem, surgiu como personagem secundária no terceiro episódio das aventuras do herói Neutron e tomou o lugar do protagonista logo nas primeiras aparições.
Morto em 2003, além de Valentina, Crepax criou outras heroínas, com destaque para Bianca e Anita, publicadas no Brasil pela L&PM, além de adaptar obras de Edgar Allan Poe e Marquês de Sade, entre outros. Sobre sua obra, o cineasta francês Alain Resnais disse: “Seguidamente, é necessário tomar uma página de Crepax e ler várias vezes para captar certos detalhes”. Para novos leitores, A História de “O” é um excelente ponto de partida.

(Originalmente publicado na extinta Revista Brasileiros)