terça-feira, 8 de setembro de 2015

Duna de Alejandro Jodorowsky



Duna: entre o épico de Frank Herbert e o maior filme de ficção-científica jamais realizado

De volta às livrarias brasileiras, em novas edições da Aleph, Duna não só se tornou uma das maiores séries ficcional-científicas, como  também se tornou obsessão para Alejandro Jodorowsky.
Por César Alves

Um elenco de peso que incluía Orson Welles, Salvador Dalí e Mick Jagger, entre outros; trilha sonora composta exclusivamente para a película pelo Pink Floyd; uma super produção de ficção-científica, sob a direção de Alejandro Jodorowsky. Sugiro ao amigo leitor (a) que imagine como seria tal obra, pois imaginá-la é tudo o que se pode fazer, tendo em vista que se trata de uma das mais influentes e cultuadas obras cinematográficas, jamais realizadas: Duna de Jodorowsky!
Considerada um marco na produção literária de ficção-científica moderna, Duna, que inaugura a série épica, escrita por Frank Herbert, foi publicado originalmente em 1965 e ainda hoje ostenta o título de obra de ficção-científica mais vendida em todo o mundo.
Vencedor do Prêmio Hugo de 1966 – primeiro dos muitos que colecionaria durante sua trajetória –, Duna daria início a saga que viria a se tornar uma das mais longevas do gênero, sendo seguido por mais outros cinco títulos, que estão ganhando novas edições em português, através da editora Aleph – já estão disponíveis os livros que formam a primeira trilogia: Duna, Filhos de Duna e Messias de Duna.
Num futuro distante, muito depois do desaparecimento de nossa civilização da qual, embora praticamente esquecida, ainda sobrevivem, numa espécie de memória ancestral, conceitos e tradições religiosas e filosóficas, adaptadas ao novo ambiente, a história se desenrola durante a expansão de um Império Intergaláctico, dividido em feudos planetários controlado por Casas Nobres, sob a liderança da casta imperial da Casa Corrino.
O herói da trama, Paul Atreides, é filho do Duque Leto Atreides e herdeiro da Casa Atreides, tem seu destino mudado na ocasião da transferência de sua família para o planeta Arrakis, fornecedor e única fonte no universo do cobiçado Melange, especiaria cobiçada, espécie de alucinógeno ou droga capaz de proporcionar ao usuário poderes psíquicos e extra-sensoriais inimagináveis.
É na jornada de descobertas de Paul e outros personagens do universo expandido de Duna que Herbert parte para explorar a complexidade das relações políticas, religiosas e emocionais, passando pelo debate em torno da interação entre avanço tecnológico, exploração de meios naturais e seu impacto ecológico, muito pertinente na época de seu lançamento, o que explica o fato de a série ser ainda hoje apontada como uma das mais importantes e inovadoras obras de ficção e fantasia publicadas na segunda metade do século vinte.
Não é de se admirar que a série tenha se tornado uma das franquias literárias mais cultuadas da história e recebesse uma adaptação cinematográfica, o que aconteceu em 1984, sob a direção do não menos cultuado David Lynch. O filme de Lynch, no entanto, – pelo menos para este escriba – ficou muito aquém não só do original, como também da obra cinematográfica de seu diretor.
O que nem todo mundo sabe é que a aventura audiovisual de Duna não começa com Lynch, mas quase uma década antes, como uma obsessão quase religiosa de outro cultuado diretor, o chileno Alejandro Jodorowsky, rendendo uma obra que se tornou tão revolucionária quanto lendária, mesmo que nunca tenha sido concluída.

Duna de Jodorowsky



Na primeira metade dos anos 1970, o multimídia Alejandro Jodorowsky gozava de respeito quase devoto entre a nata intelectual e artística internacional. Entre seus admiradores e colaboradores estava o ex-beatle John Lennon, por exemplo.
Personalidade do primeiro time das vanguardas latino-americanas, passeando com desenvoltura nas mais diversas funções; entre elas as de ator, diretor, dramaturgo e poeta – também psicólogo ou “psicomago”, como prefere –, era como cineasta que seu nome ganhava mais atenção. Adepto dos experimentos estéticos do surrealismo, seus projetos cinematográficos sempre foram marcados por sua obsessão inquestionável de ter controle indiscutível sob cada detalhe da produção, escrevendo, dirigindo e atuando. Postura que tinha como princípio sua visão de cinema como algo além do entretenimento e mercado e sim como expressão artística máxima, mais de linguagem, uma experiência sensorial e religiosa.
Assim foram realizados filmes como Pando y Lis (1968), El Topo (1970) e A Montanha Mágica (1973) que, mesmo considerados de público restrito, relegados às sessões especiais, exibidos após a meia noite, ganharam reconhecimento da crítica e do público, que formavam filas para assisti-los, apesar do horário.
Reconhecendo tais qualidades e baseando-se no sucesso que seus filmes obtinham entre o público europeu, seus distribuidores franceses decidiram lhe oferecer carta branca e orçamento ilimitado para seu próximo projeto. Reza a lenda que, durante a reunião com seu produtor, Michel Seydoux, lhe foi perguntado o que ele gostaria de filmar. Olhando para a estante de livros, Jodorowsky teria apontada uma das obras e respondido:
“Duna!”
Ao que foi apoiado de imediato, tendo em vista o sucesso que o livro vinha obtendo nas livrarias e a quase certeza de se repetir na grande tela. O mais engraçado é que, segundo o próprio diretor, até ali, embora soubesse do que se tratava o livro de Frank Herbert, Jodorowsky não o havia lido, o que tratou de fazer no mesmo dia, já preparando seu roteiro.
Um castelo francês teria sido alugado para funcionar como sede da equipe de pré-produção e ao diretor foi dado total controle e liberdade para contratar quem bem entendesse. Alejandro abraçou o projeto como uma verdadeira missão religiosa, cruzada revolucionária em busca de corações e mentes que fariam daquela sua obra definitiva. Para a produção gráfica, criação de storyboards e figurinos, foram convocados os geniais H. R. Giger, Moebius e Chris Foss. Com o aval de seus produtores, Salvador Dalí foi contratado, mesmo tendo exigido receber como “o ator mais bem pago da história de Hollywood”; Orson Welles teria a sua disposição o chef de seu restaurante francês predileto, como cozinheiro particular, durante as filmagens; Mick Jagger colocou-se a disposição para atuar no filme, antes mesmo de ser solicitado, ao saber das intenções do diretor de incluí-lo na película, assim como David Carradine.

Jodorowsky chegou a dispensar o responsável pelos efeitos especiais de 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, por achar que ele não abraçaria o projeto como um apóstolo devotado e sim como um investidor financeiro, preferindo o, até ali pouco conhecido, Dan O´Bannion dos filmes de John Carpenter, futuro criador da série Helloween.
Reunindo-se com os integrantes do Pink Floyd, nos estúdios Abbey Road, durante as gravações de The Dark Sido of the Moon, ficou acertado que a banda assumiria a composição da trilha sonora.
Com tudo isso, não há duvidas de que estava pronta a estrutura que faria do Duna de Jodorowsky um clássico e chega a ser inacreditável nunca ter sido concluído.
O projeto caminhava bem até esbarrar na burocracia e visão mercantilista do braço norte-americano da produção. Para apresentá-lo aos grandes estúdios de Hollywood, um storyboard, com descrições técnicas, movimentos de câmeras, cenas desenhadas por Moebius e tudo o mais, foi criado e passou pelas mãos de cada um dos manda-chuvas da indústria, recebendo elogios, mas pouca disposição para arriscar em uma obra tão ousada. Além do mais, Jodorowsky não abria mão de concluir e exibir seu filme exatamente como o concebera, recusando-se a aceitar as mudanças sugeridas pelos magnatas da indústria e, muito menos, editá-la – o filme teria cerca de doze horas de duração!
O projeto acabou engavetado, mas sua influencia sobre tudo o que foi feito depois, ainda hoje, é visível. O storyboard, concebido por Jodorowsky e Moebius, acabou circulando como um guia nas mãos de diretores e produtores da indústria, sendo suas indicações de enquadramento, movimento de câmera, estética gráfica e, inclusive, cenas inteiras, aproveitadas em obras como Star Wars, Alien, Blade Runner, Prometheus e diversas outras grandes e médias produções de Sci-Fi até hoje.

A saga de Alejandro Jodorowsky e seu Duna, aliás, foi alvo de um ótimo documentário, Jodorowsky´s Dune (2013), dirigido por Frank Pavich.



Nenhum comentário:

Postar um comentário