Duna: entre o épico de
Frank Herbert e o maior filme de ficção-científica jamais realizado
De volta às livrarias
brasileiras, em novas edições da Aleph, Duna não só se tornou uma das maiores
séries ficcional-científicas, como
também se tornou obsessão para Alejandro Jodorowsky.
Por César Alves
Um elenco de peso que incluía Orson Welles,
Salvador Dalí e Mick Jagger, entre outros; trilha sonora composta
exclusivamente para a película pelo Pink Floyd; uma super produção de
ficção-científica, sob a direção de Alejandro Jodorowsky. Sugiro ao amigo
leitor (a) que imagine como seria tal obra, pois imaginá-la é tudo o que se
pode fazer, tendo em vista que se trata de uma das mais influentes e cultuadas
obras cinematográficas, jamais realizadas: Duna de Jodorowsky!
Considerada um marco na produção literária de
ficção-científica moderna, Duna, que inaugura a série épica,
escrita por Frank Herbert, foi publicado originalmente em 1965 e ainda hoje
ostenta o título de obra de ficção-científica mais vendida em todo o mundo.
Vencedor do Prêmio Hugo de 1966 – primeiro dos muitos que colecionaria durante
sua trajetória –, Duna daria início a
saga que viria a se tornar uma das mais longevas do gênero, sendo seguido por mais
outros cinco títulos, que estão ganhando novas edições em português, através da
editora Aleph – já estão disponíveis os livros que formam a primeira trilogia: Duna, Filhos de Duna e Messias de
Duna.
Num futuro distante, muito depois do
desaparecimento de nossa civilização da qual, embora praticamente esquecida,
ainda sobrevivem, numa espécie de memória ancestral, conceitos e tradições
religiosas e filosóficas, adaptadas ao novo ambiente, a história se desenrola
durante a expansão de um Império Intergaláctico, dividido em feudos planetários
controlado por Casas Nobres, sob a liderança da casta imperial da Casa Corrino.
O herói da trama, Paul Atreides, é filho do
Duque Leto Atreides e herdeiro da Casa Atreides, tem seu destino mudado na
ocasião da transferência de sua família para o planeta Arrakis, fornecedor e
única fonte no universo do cobiçado Melange,
especiaria cobiçada, espécie de alucinógeno ou droga capaz de proporcionar ao
usuário poderes psíquicos e extra-sensoriais inimagináveis.
É na jornada de descobertas de Paul e outros
personagens do universo expandido de Duna que Herbert parte para explorar a
complexidade das relações políticas, religiosas e emocionais, passando pelo debate
em torno da interação entre avanço tecnológico, exploração de meios naturais e
seu impacto ecológico, muito pertinente na época de seu lançamento, o que
explica o fato de a série ser ainda hoje apontada como uma das mais importantes
e inovadoras obras de ficção e fantasia publicadas na segunda metade do século
vinte.
Não é de se admirar que a série tenha se
tornado uma das franquias literárias mais cultuadas da história e recebesse uma
adaptação cinematográfica, o que aconteceu em 1984, sob a direção do não menos
cultuado David Lynch. O filme de Lynch, no entanto, – pelo menos para este
escriba – ficou muito aquém não só do original, como também da obra
cinematográfica de seu diretor.
O que nem todo mundo sabe é que a aventura
audiovisual de Duna não começa com Lynch, mas quase uma década antes, como uma
obsessão quase religiosa de outro cultuado diretor, o chileno Alejandro
Jodorowsky, rendendo uma obra que se tornou tão revolucionária quanto lendária,
mesmo que nunca tenha sido concluída.
Duna de Jodorowsky
Na
primeira metade dos anos 1970, o multimídia Alejandro Jodorowsky gozava de
respeito quase devoto entre a nata intelectual e artística internacional. Entre
seus admiradores e colaboradores estava o ex-beatle John Lennon, por exemplo.
Personalidade do primeiro time das vanguardas
latino-americanas, passeando com desenvoltura nas mais diversas funções; entre
elas as de ator, diretor, dramaturgo e poeta – também psicólogo ou “psicomago”,
como prefere –, era como cineasta que seu nome ganhava mais atenção. Adepto dos
experimentos estéticos do surrealismo, seus projetos cinematográficos sempre
foram marcados por sua obsessão inquestionável de ter controle indiscutível sob
cada detalhe da produção, escrevendo, dirigindo e atuando. Postura que tinha
como princípio sua visão de cinema como algo além do entretenimento e mercado e
sim como expressão artística máxima, mais de linguagem, uma experiência sensorial
e religiosa.
Assim foram realizados filmes como Pando y Lis (1968), El Topo (1970) e A Montanha
Mágica (1973) que, mesmo considerados de público restrito, relegados às
sessões especiais, exibidos após a meia noite, ganharam reconhecimento da
crítica e do público, que formavam filas para assisti-los, apesar do horário.
Reconhecendo tais qualidades e baseando-se no
sucesso que seus filmes obtinham entre o público europeu, seus distribuidores
franceses decidiram lhe oferecer carta branca e orçamento ilimitado para seu
próximo projeto. Reza a lenda que, durante a reunião com seu produtor, Michel
Seydoux, lhe foi perguntado o que ele gostaria de filmar. Olhando para a
estante de livros, Jodorowsky teria apontada uma das obras e respondido:
“Duna!”
Ao que foi apoiado de imediato, tendo em vista
o sucesso que o livro vinha obtendo nas livrarias e a quase certeza de se
repetir na grande tela. O mais engraçado é que, segundo o próprio diretor, até
ali, embora soubesse do que se tratava o livro de Frank Herbert, Jodorowsky não
o havia lido, o que tratou de fazer no mesmo dia, já preparando seu roteiro.
Um castelo francês teria sido alugado para
funcionar como sede da equipe de pré-produção e ao diretor foi dado total
controle e liberdade para contratar quem bem entendesse. Alejandro abraçou o
projeto como uma verdadeira missão religiosa, cruzada revolucionária em busca
de corações e mentes que fariam daquela sua obra definitiva. Para a produção
gráfica, criação de storyboards e figurinos, foram convocados os geniais H. R.
Giger, Moebius e Chris Foss. Com o aval de seus produtores, Salvador Dalí foi
contratado, mesmo tendo exigido receber como “o ator mais bem pago da história de
Hollywood”; Orson Welles teria a sua disposição o chef de seu restaurante
francês predileto, como cozinheiro particular, durante as filmagens; Mick
Jagger colocou-se a disposição para atuar no filme, antes mesmo de ser
solicitado, ao saber das intenções do diretor de incluí-lo na película, assim
como David Carradine.
Jodorowsky chegou a dispensar o responsável
pelos efeitos especiais de 2001: Uma
Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, por achar que ele não abraçaria o
projeto como um apóstolo devotado e sim como um investidor financeiro,
preferindo o, até ali pouco conhecido, Dan O´Bannion dos filmes de John
Carpenter, futuro criador da série Helloween.
Reunindo-se com os integrantes do Pink Floyd,
nos estúdios Abbey Road, durante as gravações de The Dark Sido of the Moon, ficou acertado que a banda assumiria a
composição da trilha sonora.
Com tudo isso, não há duvidas de que estava
pronta a estrutura que faria do Duna de Jodorowsky um clássico e chega a ser
inacreditável nunca ter sido concluído.
O projeto caminhava bem até esbarrar na
burocracia e visão mercantilista do braço norte-americano da produção. Para
apresentá-lo aos grandes estúdios de Hollywood, um storyboard, com descrições
técnicas, movimentos de câmeras, cenas desenhadas por Moebius e tudo o mais,
foi criado e passou pelas mãos de cada um dos manda-chuvas da indústria,
recebendo elogios, mas pouca disposição para arriscar em uma obra tão ousada. Além
do mais, Jodorowsky não abria mão de concluir e exibir seu filme exatamente
como o concebera, recusando-se a aceitar as mudanças sugeridas pelos magnatas
da indústria e, muito menos, editá-la – o filme teria cerca de doze horas de
duração!
O projeto acabou engavetado, mas sua influencia
sobre tudo o que foi feito depois, ainda hoje, é visível. O storyboard,
concebido por Jodorowsky e Moebius, acabou circulando como um guia nas mãos de
diretores e produtores da indústria, sendo suas indicações de enquadramento, movimento
de câmera, estética gráfica e, inclusive, cenas inteiras, aproveitadas em obras
como Star Wars, Alien, Blade Runner, Prometheus e diversas outras grandes e
médias produções de Sci-Fi até hoje.
A saga de Alejandro Jodorowsky e seu Duna,
aliás, foi alvo de um ótimo documentário, Jodorowsky´s Dune (2013), dirigido
por Frank Pavich.
Nenhum comentário:
Postar um comentário