terça-feira, 29 de outubro de 2013

Revistas Corporativas ainda são um lixo, mas...


 
Retratos dos dias em que as utopias pareceram possíveis

Livro de memórias e fotografias de Baron Wolman, um dos fundadores da Rolling Stone, reúne instantâneos de ícones da Contracultura.

Por César Alves

Fruto da geração que dizia não confiar em ninguém com mais de trinta anos, aos 45, a revista Rolling Stone talvez já não inspire muita confiança. Afinal, como dizia a frase da camiseta que Kurt Cobain fez questão de vestir quando posou para uma de suas capas históricas: “Revistas corporativas ainda são uma porcaria”. Tudo bem, eles venceram e o sinal está fechado para nós. O mundo é corporativo e é preciso faturar. Mora? Uma das marcas mais bem sucedidas do mercado editorial, hoje é editada em quase todo o mundo, inclusive no Brasil. Mas, quando surgiu, no emblemático ano de 1967, a Rolling Stone fazia parte da imprensa alternativa ou marginal e seu lançamento representou uma mudança tão revolucionária no jornalismo musical quanto os dias revolucionários da década em que nasceu. São daí as memórias e fotos que compõem Os Anos da Rolling Stone – Cada Foto Conta Uma História, livro do fotógrafo Baron Wolman, um dos fundadores do periódico.

Em suas memórias, Wolman se recorda de como o periódico começou. Tudo teria partido do jovem jornalista Jann Wenner, de 21 anos, e Ralph Gleason, respeitado editor de música do San Francisco Chronicle, e da insatisfação de ambos com a cobertura do cenário musical feita pela imprensa especializada da época. Em um seminário sobre o assunto, realizado no Mills College, em Okhland, Califórnia, decidiram se unir para criar uma revista que fizesse a cobertura da cena com o profissionalismo do jornalismo cultural, mas com a postura e liberdade da imprensa alternativa. Convidado a fazer parte do projeto, com um investimento de dez mil dólares, Wolman aceitou. Mas, como não dispunha do dinheiro, comprometeu-se a fazer as fotos sem remuneração, desde que lhe fossem reembolsados os custos com filmes, episódio simbólico de como foram os primeiros, ainda românticos e marginais, anos da revista.

No dia 9 de novembro de 1967, impressa em papel jornal e trazendo uma foto de John Lennon como soldado, tirada de uma cena do filme Que Delícia de Guerra, chegava às bancas o primeiro número da Rolling Stone. O veículo se tornaria a bíblia da contracultura e do movimento hippie. Nomes como Hunter Thompson e seu parceiro, o cartunista Ralph Steadman, Greil Marcus, Tim Cahil, Lester Bangs, Jon Landau, Nick Tosches e Joe Eszterhas, entre os muitos notáveis que passaram por sua redação, dariam novo fôlego ao jornalismo cultural e à literatura americana. O resto é história.

Mas a obra é trabalho de um fotógrafo e são nas imagens aqui compiladas que se encontram seu maior mérito. Tendo a seu favor o fato de representar uma publicação tida pelos artistas como principal veículo de contato com seu público, Wolman aproveitou tal liberdade para explorar ao máximo seu acesso às apresentações e bastidores. Estão aqui imagens icônicas de nomes como The Who, Jimi Hendrix, James Brown, Iggy and The Stooges, entre outros, flagrados em pleno êxtase das apresentações ao vivo, mas também na intimidade dos camarins, estúdios de gravações e até de suas casas. Miles Davis é flagrado em momento familiar, quando era casado com a bela modelo, Betty Davis. Primeiro, na residência do casal, depois no ginásio, treinando os movimentos de sua outra paixão: o boxe.

Pauta sugerida por Wolman, a matéria sobre as groupies acabou ganhando toda uma edição, virou item de colecionador e merece um capitulo do livro. Parte da mitologia do rock´n´roll way of life, tão importante quanto destruir quartos de hotéis, as moças que seguiam as bandas são muitas vezes descritas como um tipo de Maria Guitarra – se fizermos uma relação com o futebol. Besteira. Também fotógrafo de moda, Wolman viu nas meninas uma subcultura do chique, como descreve.

Dando continuidade à parceria entre a editora brasileira Madras e a britânica, especializada em música, Omnibus Press , Os Anos da Rolling Stone inscreve-se como um belíssimo registro de um tempo em que se chegou a acreditar na possibilidade das utopias.

Rolling Stone Brasil – A primeira encarnação

O Brasil também teve uma primeira Rolling Stone, sob a direção de Luiz Carlos Maciel, nos anos 1970, quando o título ainda simbolizava marginalia e independência jornalística. A edição número zero foi lançada em novembro de 1971, trazendo na capa nossa musa tropicalista maior, Gal Costa, em crítica do show FA-TAL, uma saudação na forma de poema escrito por Maciel à volta de Caetano Veloso ao Rio de Janeiro, matéria sobre a vinda de Santana ao Brasil e entrevistas com Caetano e Jorge Mautner.

A primeira encarnação da revista no Brasil durou apenas dois verões. Mas, em menos de dois anos, foram publicadas 36 edições nas quais seus leitores tiveram acesso ao melhor do que acontecia na cena underground nacional e internacional em matérias sobre comportamento, lançamento de discos, livros, peças de teatro shows e etc.

Mais próxima dos ideais de independência que marcaram os primeiros dias de sua mãe americana, a primeira Rolling Stone Brasil parece ter se marginalizado inclusive em relação à original. Os royaltis nunca foram pagos ao ponto de a redação americana parar de mandar material para o Brasil e a edição nacional começar a ser impressa com um sacana “pirata” abaixo do logo. Pressionada por graves problemas financeiros a publicação foi cancelada em 1973.

Serviço – Título: Os Anos da Rolling Stone – Cada Foto Conta Uma História – Autor: Baron Wolman – Editora: Madras/Omnibus Press – 202 páginas.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Paulo Mendes Campos A Vida Não Vale Um Cronista


 
 
Paulo Mendes Campos e a vida quando não vale um cronista
por César Alves

Em 1962, sob o acompanhamento de um médico, Paulo Mendes Campos experimentou ser invadido pelo “jorro caótico” advindo das comportas abertas pelo LSD. A experiência teria feito o cronista sentir “o peso e a nitidez das palavras”, produzindo um “milagre da voz”. Relatado em artigos da época publicados na revista Manchete – depois reproduzidos nos livros O Colunista do Morro e Trinca de Copas –, o experimento foi para ele como encarnar São Francisco de Assis falando com o Lobo, “na falta de uma comparação que preste”. E concluía: “O lobo também sabe que amor com amor se paga”.

Não se engane o leitor desavisado, pensando tratar-se de um expoente da contracultura brasileira. Paulo Mendes Campos é um dos principais nomes de nossa crônica. Para muitos, tão importante quanto Rubem Braga. Viveu e, em sua escrita, fez viver seu tempo como poucos. Incluindo-se ai as promessas de descoberta interior e autoconhecimento dos paraísos artificiais. Embora apenas uma pequena passagem dentro de uma biografia admirável, o episódio lisérgico, no entanto, talvez sirva para definir a obra atual, multifacetada e não menos admirável, dela advinda. Correndo o risco pretensioso de profanar as palavras do próprio autor, sua crônica é como um jorro caótico em intensidade, diversidade de temas, lirismo e criatividade; nitidez da palavra que se faz texto simples, sem ser banal, e culto – quase erudito –, sem ser boçal; é o milagre da voz da inteligência, sagacidade, humor e sensibilidade. Como o lobo, Paulo Mendes Campos não só sabia que amor com amor se paga, como também sabia de mais algumas (muitas) outras coisas.

Estivesse vivo para ler este artigo, talvez Paulo Mendes desse um gole de seu uísque e, com um sorriso maldoso, dissesse que, assim como a tentativa dele descrever a viagem psicodélica, tal comparação também “não preste”. Cabe-nos, então, recolhermo-nos em nossa insignificância e concluir que ao leitor bom mesmo é ir provar direto de seu barato. Sendo assim, mais que uma grata surpresa é saber que sua obra aos poucos volta às nossas livrarias em novas edições publicadas pela Companhia das Letras.

Já estão disponíveis os dois primeiros títulos, O Amor Acaba e O Mais Estranho dos Países, que revelam uma crônica rica na diversidade de temas e ainda extremamente atual, apesar de algumas delas terem sido escritas há mais de meio século. Outra característica marcante é o lirismo poético e filosófico de sua escrita, que, mais que um passeio pelo cotidiano, é um passeio pela alma humana. “As crônicas são servidas por uma erudição fluida que confere a elas a transcendência que é própria dos bons ensaios. Não é só um bom e bem humorado comentarista do cotidiano. Ele enfrenta dúvidas existenciais e filosóficas com doses certas de ceticismo. Sua prosa é decantada em invenção poética e é isso que dá a seu estilo uma marcante peculiaridade”, diz o jornalista Flávio Pinheiro, organizador do projeto.

Segundo Pinheiro, a série pretende resgatar não só sua escrita em prosa, como a poética, faceta pouco conhecida do autor. “Paulo tem claros compromissos com a poesia. Escreveu poesia de primeira qualidade. Leu todos os grandes poetas. Foi esplêndido tradutor de poesia. Eu diria que a poesia o tempo todo fecunda sua prosa. E há mesmo certas crônicas que são pura prosa poética, no melhor sentido do termo, como "O amor acaba". Mas se a prosa está muito contaminada pela poesia, sua poesia tem uma dicção particular”.

Também diretor geral do Instituto Moreira Salles, o jornalista está diretamente ligado ao projeto de catalogação do acervo de Paulo Mendes Campos que o instituto detém desde 2011. “O trabalho de catalogação ainda está em fase inicial. Um item do acervo que nos chama atenção são os diversos cadernos escritos a mão por Paulo Mendes Campos com anotações variadas que prefiguram temas de crônicas e outras observações”. Ano passado, o IMS publicou a bela Carta a Otto – Um Coração de Agosto, missiva escrita por Mendes Campos ao amigo Otto Lara Resende o que abre expectativas sobre futuros lançamentos envolvendo s registros pessoais do cronista, embora ainda não haja projetos em andamento neste sentido.

Um dos lendários “vintanistas” de Mario de Andrade ou os “quatro cavaleiros de um íntimo Apocalipse”, como definiu Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos nasceu em Belo Horizonte no ano de 1922. O grupo de jovens autores mineiros que, além dele e Lara Resende, também contava com Fernando Sabino e Helio Pellegrino, migrou para o Rio de Janeiro, onde ajudaria a renovar as letras e o jornalismo brasileiro na segunda metade do século vinte. Entre nossos cronistas, é comum dizerem que Paulo Mendes Campos foi injustiçado em sua época. “Não há dúvida que a obra de Paulo Mendes Campos mereceria ser mais conhecida porque se trata de um escritor ótimo e singular. Este clamoroso esquecimento está sendo sanado pelas reedições da obra. Mas soa estranho que ele tenha uma fortuna crítica tão escassa, mesmo quando comparada a de outros cronistas”, observa Flávio Pinheiro.

Devolver a um dos maiores nomes de nossa crônica seu lugar de direito e oferecer às novas gerações a oportunidade de ter contato com a obra de Paulo Mendes Campos, desde já, faz do projeto uma das melhores novidades literárias do ano.

Serviço: O Amor Acaba (288 páginas) e O Mais Estranho dos Países (352 páginas), de Paulo Mendes Campos. Editora: Cia. Das Letras.

Bongo Rock – Michael Viner´s Incredible Bongo Band



 
A Surf Music, o Cinema B, o Beatle, o Assassino e a origem da Batida Fumegante

Por César Alves

O que há em comum entre o grupo britânico The Shadows, o assassinato de Bob Kennedy, um filme de terror B chamado “A Coisa de Duas cabeças”, um músico que, induzido por vozes do além, assassiou a própria mãe a golpes de martelo, o ex-Beatle Ringo Starr e o nascimento da batida perfeita do Hip Hop? Resposta: Michael Viner e sua Incredible Bongo Band.
Lançado em 1973 o álbum “Bongo Rock”, da Michael Viner´s Incredible Bongo Band, teria caído no esquecimento não fosse a apropriação da faixa “Apache”, versão de um clássico da surf music sessentista na gravação dos Shadows, pelo DJ jamaicano Kool Herc ainda na fase embrionária do movimento Hip Hop.
Ainda hoje, a santíssima trindade do ritmo e do risco, formada por Herc, Grand Master Flash e Afrika Bambataa, defende a música como a pedra fundamental da batida do rap. E, embora na época de seu lançamento “Bongo Rock” não tenha representado um sucesso arrebatador em vendas, hoje o vinil é disputado a tapas por DJs ao redor do mundo.
Mas este disco vai muito além de “Apache”, tratando-se de um dos melhores exemplares de “disco-para-balançar-as-pistas” já feito. Ao longo das oito faixas originais que compunham o álbum, todo ele instrumental, encontram-se pérolas como a versão do grupo para “In-A-Gadda-Da-Vida”, clássico proto-heavy metal (se é que isso existe) do Iron Butterfly, ou “Let There Be Drums”, famosa tanto na versão de Sandy Nelson, como na dos Ventures, num misto de groove funky, guitarras psicodélicas e percussão poderosa. É deixar rolar e a festa pegar fogo!

Mas a coisa não termina ai. Como todo clássico Cult, “Bongo Rock” possui uma história digna de um romance pulp experimental, carregado de humor e violência bizarra.
Começa quando Michael Viner, depois de perder seu emprego na campanha de Bob Kennedy, após o assassinato do congressista, muda-se para Hollywood para assumir o papel de executivo no departamento de trilhas sonoras dos filmes da MGM.
Encarregado de cuidar da trilha de um terror B intitulado “The Thing With Two Heads (1972)", Viner decidiu reunir uma turma de músicos de estúdio para gravar duas faixas para o filme: “Bongo Rock” e “Bongolia”. Embora até ai a colaboração entre os músicos fosse temporária, limitando-se a composição e gravação das musicas do filme, a banda foi batizada Incredible Bongo Band.
O projeto, no entanto, ganhou outras proporções quando DJs passam a executar as duas primeiras gravações em pistas de casas noturnas, resultando no inesperado sucesso, como grandes hits do momento.
Viner e seus empregadores viram a possibilidade do lucro extra que poderia render a  gravação de um álbum inteiro e assim foi feito.
Uma das histórias mais cômicas envolvendo o lançamento, partiu dos executivos de marketing da gravadora. Baseando-se em uma pesquisa, o departamento acabou por concluir que o público consumidor do gênero predominante na maioria das faixas jamais investiria seu dinheiro em um disco de Black Music feito por um grupo composto por muitos integrantes brancos e poucos negros. A banda concordou e a estratégia utilizada para driblar o problema foi contratar belos modelos afro para posarem nas fotos do encarte e da capa do disco, como se fossem os integrantes da banda (deve ter sido a escola dos produtores do Milli Vanilli).

Como a banda era cada vez mais requisitada para apresentações ao vivo (embora elas nunca tenham acontecido), não demoraria para a farsa ser desmascarada.  O bom senso veio à tona e a arte teve de ser mudada às pressas. Somente a primeira tiragem circulou com as fotos da banda falsa. Hoje, quando aparece uma das cópias no mercado, chega a ser disputado a tapas por colecionadores.
Apesar do sucesso de execuções, na época, o disco não chegou a confirmar as expectativas de vendas. O fracasso, no entanto, tem mais a ver com falhas na distribuição e promoção do álbum do que com as teorias mercadológicas raciais dos executivos. Talvez tenha mais a ver com o fato de, apesar de requisitadas apresentações, uma turnê de promoção do lançamento nunca aconteceu. Muito provavelmente pela dificuldade de reunir o time e sintonizar a agenda dos músicos que gravaram o álbum.
É que, na verdade, a Incredible Bongo Band é uma banda de estúdio que acabou ganhando outras proporções. A cozinha era formada por Michael Viner, músicos de estúdio e uma série de baixistas e bateristas contratados, dentre os quais se destaca o baterista Jim Gordon que tocou, entre muitos outros, com nomes como Frank Zappa, Traffic, John Lennon e Eric Clapton, na fase Derek and The Dominoes. É dele a bateria da gravação original de “Layla”.
Excelente baterista, Gordon teve uma trajetória marcada pela tragédia e aqui entra a violência bizarra prometida no início do texto.
Afundando-se em drogas e dono de um histórico clínico que ia das síndromes maníaco-depressivas aos surtos psicóticos, Gordon acabou por assassinar a própria mãe a golpes de martelo. Impossível não pensar na participação dele, durante as gravações de "Imagine", sem enxergar a carga irônica por trás de John Lennon entoando seu hino à paz e, ao fundo, o Norman Bates do rock na percussão, somente a participação de Charles Manson no Live Aid conseguiria ser mais grotesca. Gordon foi condenado pelo crime e, ainda hoje vive internado em um hospital psiquiátrico.
A Bongo Band ainda gravou um segundo disco em 1974, batizado “Return of The Incredible Bongo Band”. Tão bom quanto o primeiro e fracasso de vendas ainda maior, o disco foi último suspiro ou o epitáfio a ser gravado na lápide de uma carreira que definhava. A Bongo Band nunca retornou dos mortos, mas seu legado, no entanto, ainda vive é sentido nas pistas de dança, já que suas músicas têm sido sampleadas à exaustão por nomes do rap e música eletrônica em geral.

Ah, onde o Ringo Starr entra nessa história? Uma das lendas não confirmadas sobre o ex-Beatle é a de que seriam do narigudo algumas das percussões gravadas no primeiro álbum. Amigo de Viner e do resto dos músicos, sua presença no estúdio é confirmada durante a maioria das sessões. Mas não se sabe se teria gravado em algumas das faixas e, sendo assim, quais delas teriam sua participação.