sexta-feira, 24 de abril de 2015

O Perfuraneve - Quadrinhos




A Podridão Viaja de Trem

A ficção-científica pós-apocalíptica de O Perfura Neve, graphic novel concebida pelos franceses Jacques Lob, Jean-Jacques Rochette e Benjamin Le Grand, chega às nossas livrarias.
Por César Alves


Em um vagão lotado de miseráveis, alguns de seus passageiros – talvez tentando se esquecer da fome e do frio –, decidem comemorar o aniversário do mais velho entre eles. A situação e condição em que se encontram não oferecem possibilidade para a realização de uma festa, mas, dentro de suas possibilidades, os passageiros prometem ao ancião o que ele mais gostaria de ter como presente, naquele momento. Ele responde:
“Solidão. Ficar sozinho, nem que seja por uma hora ou duas”.
Todos consentem e se apertam com os demais passageiros do vagão ao lado, para dar ao pobre senhor, uma hora de privacidade, realizando seu desejo. Enquanto aguardam, divertem-se, conversando sobre o que estaria ele fazendo, com a rara privacidade concedida.
Ao final daquela hora, todos retornam ao vagão original, curiosos sobre como ele teria aproveitado seu tempo e se estaria feliz com o presente. Para o espanto de todos, encontram o aniversariante dependurado com uma corda ao redor do pescoço. Aproveitara seus minutos de solidão para dar fim a sua vida e escapar de seu martírio. 

Concebida originalmente em 1980 pelos franceses Jacques Lob e Jean-Jacques Rochette, a graphic novel, O Perfuraneve (Le Transperceneige), é considerada uma obra prima da ficção-científica em quadrinhos e a tradução de Daniel Luhmann, que acaba de ser lançada no Brasil pela Editora Aleph, comprova não se tratar de exagero.
Ambientada num mundo pós-apocalíptico, lançado numa nova Era do Gelo, depois de uma hecatombe nuclear, a trama gira em torno dos conflitos dos últimos sobreviventes da raça humana, condenados a vagar pelo planeta num mega trem de 1.001 vagões, considerado a última esperança da espécie, o Perfuraneve.
Ao contrário do que se deveria esperar – e a historia do homem conhecida até aqui só comprova não ser coisa da ficção –, face à ameaça de extinção, os remanescentes do que foi um dia a civilização não se unem em nome de um bem comum e vencem suas diferenças para salvar a espécie. O que se dá, é exatamente o oposto.
Uma vez embarcados, os passageiros imediatamente passam a reproduzir o comportamento que rege a sociedade, no que ela tem de pior. A beleza e inteligência do texto vêm justamente na maneira como os autores souberam reproduzir isso, através da maneira como estão divididos os vagões. Sendo que os últimos deles acomodam os pobres e miseráveis – os fundistas –, proibidos de interagir com os demais passageiros; enquanto que estes são destinados, de forma crescente, aos mais ricos, revelando melhor conforto e condições de vida, de acordo com as posses e classe econômica de seus passageiros. Sendo assim, O Perfuraneve mergulha nas profundezas de nossa espécie, revelando um microcosmo da civilização em suas mais vergonhosas e desprezíveis características, como a intolerância, a ganância e a violência, expostas nas atitudes políticas, daqueles que administram o trem, com como nos adeptos de uma nova religião, surgida das cinzas das religiões monoteístas conhecidas, que, uma vez confinadas, readaptam sua fé, substituindo a figura de Deus pela Máquina Sagrada que corre nos trilhos.
A série teve continuidade em dois outros volumes, The Explorers (1999) e The Crossing (2000), escritas por Benjamin Legrand. Além do belo tratamento gráfico, a edição brasileira tem a vantagem de reunir toda a saga em um único volume.
Definitivamente, imperdível, a obra original foi adaptada para o cinema em 2013, lançado no Brasil como O Expresso do Amanhã, do diretor coreano Bong Joon-ho, estrelado por Chris Evans (o Capitão América dos filmes da Marvel).


Serviço:

Título: O Perfuraneve
Editora: Aleph
280 páginas


quarta-feira, 15 de abril de 2015

William Eggleston - A Cor Americana



América de Todas as Cores

Provavelmente, mais conhecido no Brasil pelas capas de discos de artistas como Big Star e Primal Scream, maior exposição individual já realizada de William Eggleston,  A Cor Americana, é exibida no Instituto Moreira Salles.
Por César Alves


Meu primeiro contato com a fotografia de William Eggleston se deu atravéss da musica. Eggleston é responsável pelas imagens que ilustram a embalagem de diversos álbuns que fizeram minha trilha sonora pessoal – entre suas capas mais famosas, estão a de Radio City (1974), do Big Star, e Give Out But Don´t Give Up (1994), do Primal Scream. Desde que seu admirador e amigo, Alex Chilton, utilizou uma de suas imagens icônicas para ilustrar a capa do cultuado segundo disco de sua não menos cultuada banda, suas fotos apareceram em tantas outras que muitos o consideram The King of the Album Cover Photo. Não deixa de ser uma verdade, mas limitar seu trabalho a isso é também reducionismo. Sua fotografia é muito mais, como atesta a exposição William Eggleston, a Cor Americana,  que o Instituto Moreira Salles exibe até 28 de junho, no Rio de Janeiro.

Reunindo 172 obras do acervo de instituições renomadas como o Museu de Arte Moderna de New York e o Museum of Fine Arts de Houston, além de itens da coleção pessoal do artista e das galerias Cheim & Read e Victoria Miro, a mostra representa a maior exposição individual do artista já realizada no mundo.
Considerado um dos maiores nomes da fotografia americana da segunda metade do século XX, Eggleston costuma ser associado ao grupo de fotógrafos – entre eles William Klein, Robert Adams, Martin Parr, Jurgen Teller, entre outros –, surgidos durante o pós-guerra, dotados do mesmo inconformismo e desconfiança em relação a hipocrisia da sociedade e de seus líderes. Decididos a não desperdiçar suas vidas, como os garotos, pouco mais velhos do eles, lutando uma guerra sem sentido, assim como seus colegas geracionais literários, os Beatniks, empreenderam uma viagem aos cantos mais obscuros dos Estados Unidos para registrar a América Profunda, munidos de suas máquinas e o desejo de descoberta.
A jornada de Eggleston, no entanto, começa nas dependências de seu próprio quintal. Nascido em Menphis, Tennesee, cresceu sob o ambiente marcado pela tensão racial, indignado com a desigualdade social de uma região, ainda fortemente presa a seu passado escravocrata, e seduzido pela beleza das pessoas simples e a musica. Entre 1960 e meados da década seguinte, o fotógrafo se dedicou a registrar, ainda sem pretensões artísticas, o universo do Sul do país, em cujo entorno, atuavam personagens como Martin Luther King e Elvis Presley, mas, principalmente, as pessoas comuns e a vida simples nos subúrbios.

O fotógrafo é reconhecido por abrir novas fronteiras para o gênero fotográfico. Marcadas por cores vibrantes, suas imagens vão além do registro cotidiano e dos personagens que protagonizavam o momento histórico, marcado pela ambição de um país recém-saído de uma campanha vitoriosa no maior conflito bélico jamais visto, como líder das nações livres, e decidido a assumir como missão abraçar a promessa grandiosa do futuro, fazendo vista grossa para as falhas de seu passado. Sendo assim, a lente de Eggleston também mirava carros, outdoors, fachadas de supermercados e outros objetos que representavam a sociedade de consumo capitalista e sua modernidade em contraste com sua realidade desigual e anacrônica.
Há uma canção de Neil Young que diz: “there´s more to the Picture than meets the eye”. Poucos artistas me remetem tanto ao verso do que Eggleston. Especialista em revelar a intensa maravilha do óbvio, esse “mais” de que fala Young e que suas imagens nos induzem a procurar está sempre presente, embora nunca de forma explícita. Ele fotografa o que vê, mas parece ter o foco no que está além dos olhos. Pelo menos, é a impressão que temos ao passear pela exposição e folhear o belo catálogo que a acompanha.
Como o amigo aqui escreve mais como admirador do que verdadeiro especialista na área, talvez não tenha ficado claro o que tentei dizer no último parágrafo. Sendo assim, aproveito para sugerir um documentário sobre o fotógrafo, disponível na internet, William Eggleston in The Real World, de Michael Almereyda, de 2005.
O diretor do filme se propõe a acompanhar o fotógrafo para registrar seu processo criativo. É na simplicidade com que ele passeia, acompanhado apenas de seu filho, Winston, como ajudante, por lojas, praças e ruas, conversando com gente que passa, observando um poste de luz, um cachorro ou uma escada, é que temos a certeza de que, naquela foto conhecida e que faz parte da exposição do IMS, há muito mais do que um triciclo infantil, largado sozinho.
Com curadoria de Thyago Nogueira, fico na torcida para que a mostra chegue a São Paulo e outras cidades. O Livro-catálogo, de mesmo título, também vale a pena o investimento. Além de reprodução das obras que fazem parte da mostra, traz textos inéditos de David Byrne, Geoff Dyer, Richard Woodward e do curador, Thyago Nogueira.






Serviço:

Exposição:
William Eggleston, a Cor Americana
Local: Instituto Moreira Salles
Endereço: Rua Marques de São Vicente, 476 – Gávea – Rio de Janeiro – RJ

Livro:
William Eggleston, a Cor Americana
Vários Autores
Editora: IMS






segunda-feira, 13 de abril de 2015

Geraldo de Barros e a Fotografia



Geraldo de Barros e a Fotografia
Chega a São Paulo a maior exposição já realizada sobre a obra de Geraldo de Barros.
Por César Alves

Desde a semana passada – depois de passar com sucesso pelo Rio de Janeiro –, uma exposição, no mínimo, imperdível para os amantes da fotografia, arte e experimentação gráfica está em São Paulo. Com curadoria da pesquisadora e coordenadora de artes visuais do Instituto Moreira Salles, Heloísa Espada, Geraldo de Barros e a Fotografia é uma parceria do IMS com as Organizações Sesc e reúne cerca de 300 obras do pintor, designer e fotógrafo paulista, divididas em três ambientes da unidade do Sesc Belenzinho.

Parte da geração de artistas surgidas na esteira das propostas idealizadas pelos Modernistas nas primeiras décadas do século vinte, Geraldo de Barros inicia sua produção em fins da década de trinta, tendo como marca o gosto pela experimentação e a liberdade desenvolta em relação a linguagens, estilos e formatos. Nome dos mais significativos dentro da construção de uma linguagem moderna e diálogo em sintonia com as vanguardas artísticas internacionais no contexto da arte brasileira, Barros esteve diretamente envolvido com movimentos importantes, como o concretismo, e participou ativamente dos grupos Ruptura e Rex.
Reunindo de forma cronológica fotografias, desenhos, gravuras, monotipias e pinturas – concretas e flertes com o Pop –, a exposição oferece uma rara oportunidade de compreender como se deu o processo criativo e evolutivo, durante a construção de uma obra única.
É o que se percebe ao visitar a sala dedicada a série Fotoformas, com peças que formaram a histórica exposição Fotoforma, realizada em 1951, no Masp, ainda em seu primeiro endereço provisório na rua 7 de Abril, no centro de São Paulo.
A exposição conta também com 268 colagens de negativos e 70 ampliações da série Sobras, do final de da trajetória do artista.

Dono de uma visão que ia além do universo artístico, suas preocupações sociais e o desejo de levar sua arte a extremos que iam além dos museus e espaços tradicionais, em 1956, junto com Frei João Batista, Barros fundou a Unilabor, cooperativa que fabricava móveis e mantinha uma escola de arte e um posto de saúde. Ao lado de Alexandre Wollner e Rubem Martim, Geraldo de Barros também esteve a frente do primeiro escritório de design brasileiro, quando, em 1957, fundou a Form-Inform.

Livro
 Recentemente, o Instituto Moreira Salles recebeu cerca de dois mil itens que fazem parte da obra de Geraldo de Barros, tornando-se referência na pesquisa sobre o artista. O material faz parte de sua faceta fotográfica, composto das séries Fotoformas (1940-1950) e Sobras (1996-1998).
Para celebrar a aquisição, além da exposição, o Instituto Moreira Salles, em co-edição com as Edições Sesc-SP, também lança o livro-catálogo Geraldo de Barros e a Fotografia. Belo no formato e rico em conteúdo, a obra se destaca como referência das mais ambiciosas sobre o artista, reunindo reproduções de seus trabalhos e trazendo novos dados sobre sua biografia e temas pouco abordados em trabalhos anteriores, como sua atuação no Foto Cine Clube Bandeirante.
O livro traz também textos, produzidos exclusivamente para compor a obra, escrito por especialistas como Heloísa Espada, Tadeu Chiarelli, Simone Forster, João Bandeira e Giovanna Bagaglia.

Serviço:
Exposição
Geraldo de Barros e a Fotografia (de 7 de abril a 31 de Maio)
Sesc Belanzinho
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000
Telefone: (11) 2076-9700

Livro
Geraldo de Barros e a Fotografia
Autor: Vários
Editora: co-edição IMS e Edições Sesc-SP
300 páginas