sexta-feira, 24 de abril de 2015

O Perfuraneve - Quadrinhos




A Podridão Viaja de Trem

A ficção-científica pós-apocalíptica de O Perfura Neve, graphic novel concebida pelos franceses Jacques Lob, Jean-Jacques Rochette e Benjamin Le Grand, chega às nossas livrarias.
Por César Alves


Em um vagão lotado de miseráveis, alguns de seus passageiros – talvez tentando se esquecer da fome e do frio –, decidem comemorar o aniversário do mais velho entre eles. A situação e condição em que se encontram não oferecem possibilidade para a realização de uma festa, mas, dentro de suas possibilidades, os passageiros prometem ao ancião o que ele mais gostaria de ter como presente, naquele momento. Ele responde:
“Solidão. Ficar sozinho, nem que seja por uma hora ou duas”.
Todos consentem e se apertam com os demais passageiros do vagão ao lado, para dar ao pobre senhor, uma hora de privacidade, realizando seu desejo. Enquanto aguardam, divertem-se, conversando sobre o que estaria ele fazendo, com a rara privacidade concedida.
Ao final daquela hora, todos retornam ao vagão original, curiosos sobre como ele teria aproveitado seu tempo e se estaria feliz com o presente. Para o espanto de todos, encontram o aniversariante dependurado com uma corda ao redor do pescoço. Aproveitara seus minutos de solidão para dar fim a sua vida e escapar de seu martírio. 

Concebida originalmente em 1980 pelos franceses Jacques Lob e Jean-Jacques Rochette, a graphic novel, O Perfuraneve (Le Transperceneige), é considerada uma obra prima da ficção-científica em quadrinhos e a tradução de Daniel Luhmann, que acaba de ser lançada no Brasil pela Editora Aleph, comprova não se tratar de exagero.
Ambientada num mundo pós-apocalíptico, lançado numa nova Era do Gelo, depois de uma hecatombe nuclear, a trama gira em torno dos conflitos dos últimos sobreviventes da raça humana, condenados a vagar pelo planeta num mega trem de 1.001 vagões, considerado a última esperança da espécie, o Perfuraneve.
Ao contrário do que se deveria esperar – e a historia do homem conhecida até aqui só comprova não ser coisa da ficção –, face à ameaça de extinção, os remanescentes do que foi um dia a civilização não se unem em nome de um bem comum e vencem suas diferenças para salvar a espécie. O que se dá, é exatamente o oposto.
Uma vez embarcados, os passageiros imediatamente passam a reproduzir o comportamento que rege a sociedade, no que ela tem de pior. A beleza e inteligência do texto vêm justamente na maneira como os autores souberam reproduzir isso, através da maneira como estão divididos os vagões. Sendo que os últimos deles acomodam os pobres e miseráveis – os fundistas –, proibidos de interagir com os demais passageiros; enquanto que estes são destinados, de forma crescente, aos mais ricos, revelando melhor conforto e condições de vida, de acordo com as posses e classe econômica de seus passageiros. Sendo assim, O Perfuraneve mergulha nas profundezas de nossa espécie, revelando um microcosmo da civilização em suas mais vergonhosas e desprezíveis características, como a intolerância, a ganância e a violência, expostas nas atitudes políticas, daqueles que administram o trem, com como nos adeptos de uma nova religião, surgida das cinzas das religiões monoteístas conhecidas, que, uma vez confinadas, readaptam sua fé, substituindo a figura de Deus pela Máquina Sagrada que corre nos trilhos.
A série teve continuidade em dois outros volumes, The Explorers (1999) e The Crossing (2000), escritas por Benjamin Legrand. Além do belo tratamento gráfico, a edição brasileira tem a vantagem de reunir toda a saga em um único volume.
Definitivamente, imperdível, a obra original foi adaptada para o cinema em 2013, lançado no Brasil como O Expresso do Amanhã, do diretor coreano Bong Joon-ho, estrelado por Chris Evans (o Capitão América dos filmes da Marvel).


Serviço:

Título: O Perfuraneve
Editora: Aleph
280 páginas


quarta-feira, 15 de abril de 2015

William Eggleston - A Cor Americana



América de Todas as Cores

Provavelmente, mais conhecido no Brasil pelas capas de discos de artistas como Big Star e Primal Scream, maior exposição individual já realizada de William Eggleston,  A Cor Americana, é exibida no Instituto Moreira Salles.
Por César Alves


Meu primeiro contato com a fotografia de William Eggleston se deu atravéss da musica. Eggleston é responsável pelas imagens que ilustram a embalagem de diversos álbuns que fizeram minha trilha sonora pessoal – entre suas capas mais famosas, estão a de Radio City (1974), do Big Star, e Give Out But Don´t Give Up (1994), do Primal Scream. Desde que seu admirador e amigo, Alex Chilton, utilizou uma de suas imagens icônicas para ilustrar a capa do cultuado segundo disco de sua não menos cultuada banda, suas fotos apareceram em tantas outras que muitos o consideram The King of the Album Cover Photo. Não deixa de ser uma verdade, mas limitar seu trabalho a isso é também reducionismo. Sua fotografia é muito mais, como atesta a exposição William Eggleston, a Cor Americana,  que o Instituto Moreira Salles exibe até 28 de junho, no Rio de Janeiro.

Reunindo 172 obras do acervo de instituições renomadas como o Museu de Arte Moderna de New York e o Museum of Fine Arts de Houston, além de itens da coleção pessoal do artista e das galerias Cheim & Read e Victoria Miro, a mostra representa a maior exposição individual do artista já realizada no mundo.
Considerado um dos maiores nomes da fotografia americana da segunda metade do século XX, Eggleston costuma ser associado ao grupo de fotógrafos – entre eles William Klein, Robert Adams, Martin Parr, Jurgen Teller, entre outros –, surgidos durante o pós-guerra, dotados do mesmo inconformismo e desconfiança em relação a hipocrisia da sociedade e de seus líderes. Decididos a não desperdiçar suas vidas, como os garotos, pouco mais velhos do eles, lutando uma guerra sem sentido, assim como seus colegas geracionais literários, os Beatniks, empreenderam uma viagem aos cantos mais obscuros dos Estados Unidos para registrar a América Profunda, munidos de suas máquinas e o desejo de descoberta.
A jornada de Eggleston, no entanto, começa nas dependências de seu próprio quintal. Nascido em Menphis, Tennesee, cresceu sob o ambiente marcado pela tensão racial, indignado com a desigualdade social de uma região, ainda fortemente presa a seu passado escravocrata, e seduzido pela beleza das pessoas simples e a musica. Entre 1960 e meados da década seguinte, o fotógrafo se dedicou a registrar, ainda sem pretensões artísticas, o universo do Sul do país, em cujo entorno, atuavam personagens como Martin Luther King e Elvis Presley, mas, principalmente, as pessoas comuns e a vida simples nos subúrbios.

O fotógrafo é reconhecido por abrir novas fronteiras para o gênero fotográfico. Marcadas por cores vibrantes, suas imagens vão além do registro cotidiano e dos personagens que protagonizavam o momento histórico, marcado pela ambição de um país recém-saído de uma campanha vitoriosa no maior conflito bélico jamais visto, como líder das nações livres, e decidido a assumir como missão abraçar a promessa grandiosa do futuro, fazendo vista grossa para as falhas de seu passado. Sendo assim, a lente de Eggleston também mirava carros, outdoors, fachadas de supermercados e outros objetos que representavam a sociedade de consumo capitalista e sua modernidade em contraste com sua realidade desigual e anacrônica.
Há uma canção de Neil Young que diz: “there´s more to the Picture than meets the eye”. Poucos artistas me remetem tanto ao verso do que Eggleston. Especialista em revelar a intensa maravilha do óbvio, esse “mais” de que fala Young e que suas imagens nos induzem a procurar está sempre presente, embora nunca de forma explícita. Ele fotografa o que vê, mas parece ter o foco no que está além dos olhos. Pelo menos, é a impressão que temos ao passear pela exposição e folhear o belo catálogo que a acompanha.
Como o amigo aqui escreve mais como admirador do que verdadeiro especialista na área, talvez não tenha ficado claro o que tentei dizer no último parágrafo. Sendo assim, aproveito para sugerir um documentário sobre o fotógrafo, disponível na internet, William Eggleston in The Real World, de Michael Almereyda, de 2005.
O diretor do filme se propõe a acompanhar o fotógrafo para registrar seu processo criativo. É na simplicidade com que ele passeia, acompanhado apenas de seu filho, Winston, como ajudante, por lojas, praças e ruas, conversando com gente que passa, observando um poste de luz, um cachorro ou uma escada, é que temos a certeza de que, naquela foto conhecida e que faz parte da exposição do IMS, há muito mais do que um triciclo infantil, largado sozinho.
Com curadoria de Thyago Nogueira, fico na torcida para que a mostra chegue a São Paulo e outras cidades. O Livro-catálogo, de mesmo título, também vale a pena o investimento. Além de reprodução das obras que fazem parte da mostra, traz textos inéditos de David Byrne, Geoff Dyer, Richard Woodward e do curador, Thyago Nogueira.






Serviço:

Exposição:
William Eggleston, a Cor Americana
Local: Instituto Moreira Salles
Endereço: Rua Marques de São Vicente, 476 – Gávea – Rio de Janeiro – RJ

Livro:
William Eggleston, a Cor Americana
Vários Autores
Editora: IMS






segunda-feira, 13 de abril de 2015

Geraldo de Barros e a Fotografia



Geraldo de Barros e a Fotografia
Chega a São Paulo a maior exposição já realizada sobre a obra de Geraldo de Barros.
Por César Alves

Desde a semana passada – depois de passar com sucesso pelo Rio de Janeiro –, uma exposição, no mínimo, imperdível para os amantes da fotografia, arte e experimentação gráfica está em São Paulo. Com curadoria da pesquisadora e coordenadora de artes visuais do Instituto Moreira Salles, Heloísa Espada, Geraldo de Barros e a Fotografia é uma parceria do IMS com as Organizações Sesc e reúne cerca de 300 obras do pintor, designer e fotógrafo paulista, divididas em três ambientes da unidade do Sesc Belenzinho.

Parte da geração de artistas surgidas na esteira das propostas idealizadas pelos Modernistas nas primeiras décadas do século vinte, Geraldo de Barros inicia sua produção em fins da década de trinta, tendo como marca o gosto pela experimentação e a liberdade desenvolta em relação a linguagens, estilos e formatos. Nome dos mais significativos dentro da construção de uma linguagem moderna e diálogo em sintonia com as vanguardas artísticas internacionais no contexto da arte brasileira, Barros esteve diretamente envolvido com movimentos importantes, como o concretismo, e participou ativamente dos grupos Ruptura e Rex.
Reunindo de forma cronológica fotografias, desenhos, gravuras, monotipias e pinturas – concretas e flertes com o Pop –, a exposição oferece uma rara oportunidade de compreender como se deu o processo criativo e evolutivo, durante a construção de uma obra única.
É o que se percebe ao visitar a sala dedicada a série Fotoformas, com peças que formaram a histórica exposição Fotoforma, realizada em 1951, no Masp, ainda em seu primeiro endereço provisório na rua 7 de Abril, no centro de São Paulo.
A exposição conta também com 268 colagens de negativos e 70 ampliações da série Sobras, do final de da trajetória do artista.

Dono de uma visão que ia além do universo artístico, suas preocupações sociais e o desejo de levar sua arte a extremos que iam além dos museus e espaços tradicionais, em 1956, junto com Frei João Batista, Barros fundou a Unilabor, cooperativa que fabricava móveis e mantinha uma escola de arte e um posto de saúde. Ao lado de Alexandre Wollner e Rubem Martim, Geraldo de Barros também esteve a frente do primeiro escritório de design brasileiro, quando, em 1957, fundou a Form-Inform.

Livro
 Recentemente, o Instituto Moreira Salles recebeu cerca de dois mil itens que fazem parte da obra de Geraldo de Barros, tornando-se referência na pesquisa sobre o artista. O material faz parte de sua faceta fotográfica, composto das séries Fotoformas (1940-1950) e Sobras (1996-1998).
Para celebrar a aquisição, além da exposição, o Instituto Moreira Salles, em co-edição com as Edições Sesc-SP, também lança o livro-catálogo Geraldo de Barros e a Fotografia. Belo no formato e rico em conteúdo, a obra se destaca como referência das mais ambiciosas sobre o artista, reunindo reproduções de seus trabalhos e trazendo novos dados sobre sua biografia e temas pouco abordados em trabalhos anteriores, como sua atuação no Foto Cine Clube Bandeirante.
O livro traz também textos, produzidos exclusivamente para compor a obra, escrito por especialistas como Heloísa Espada, Tadeu Chiarelli, Simone Forster, João Bandeira e Giovanna Bagaglia.

Serviço:
Exposição
Geraldo de Barros e a Fotografia (de 7 de abril a 31 de Maio)
Sesc Belanzinho
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000
Telefone: (11) 2076-9700

Livro
Geraldo de Barros e a Fotografia
Autor: Vários
Editora: co-edição IMS e Edições Sesc-SP
300 páginas


segunda-feira, 30 de março de 2015

Anatole France - A Rebelião dos Anjos



Para Acabar com a Tirania de Deus

Considerada por muitos uma obra-prima da literatura francesa e universal, A Rebelião dos Anjos, último livro do Prêmio Nobel de Literatura de 1921, Anatole France, explora o inconformismo de anjos rebelados para descrever a condição conflituosa da sociedade ocidental no início do século XX e criticar o fanatismo religioso e a intolerância.
Por César Alves

Muito antes de Wim Wenders dar voz aos conflitos existenciais e sentimentos dos seres celestiais que, como emissários do Deus único das religiões monoteístas, protegem nossos espíritos, virtudes e, desde antes de existirmos, o Paraíso Perdido por Adão e Eva; ou nos seduzem, corrompem e negociam nossas almas, quando rebelados e caídos, Anatole France (1844-1924) compôs uma das mais belas e impressionantes tramas protagonizadas por tais criaturas, em A Rebelião dos Anjos.
Título que encerra a brilhante obra do autor de O Crime de Silvestre Bonnard, Thais, O Lírio Vermelho e o Poço de Santa Clara, A Rebelião dos Anjos faz parte daquela lista de obras que os leitores que ainda não leram precisam ler, antes da morte e, aqueles que já tiveram a oportunidade de um mergulho por suas páginas, nunca devem perder a chance de uma nova leitura – quantas vezes forem possíveis, até o final de seus dias. Parte do catálogo da editora Axis Mundi, a tradução de Merle Scoss, reeditada recentemente, oferece a imperdível chance de imersão nas águas – tão turbulentas quanto profundas, em sua fluidez narrativa, lírica, dramática e filosófica – aos novos marujos e escolados lobos do mar literários.
Mas não se engane amigo leitor, o livro vai muito além da uma fábula moral religiosa ou subversão imoral da mitologia cristã e demais religiões monoteístas, que um resumo breve pode sugerir.
Às vezes descrita como alegoria política ou compêndio filosófico e social realista, sob o disfarce do Maravilhoso e Fantástico, a trama narrada por France, apropria-se da imaginação e realidade, do cômico e trágico e do profano e sagrado para descrever seu tempo, com as cores dos mitos de criação ancestrais e atemporais; e o que há de mais demasiadamente humano, através de seres divinos mitológicos, com afrescos cristãos e gnósticos.
Protagonizado por Maurice, jovem, pertencente à elite burguesa, boêmio, bon-vivant e libertino; e Arcade, um anjo encarregado de protegê-lo, aconselhá-lo e guiá-lo, como seu anjo da guarda, em direção ao caminho da virtuosidade cristã, é na curiosidade do último, em relação às descobertas mundana, que a trama toma forma. 
Influenciado pela leitura de grandes pensadores da ciência, filosofia, matemática e literatura – lidos na vasta biblioteca pertencente à família de seu protegido, enquanto este se diverte com mulheres casadas, empregadas bonitas e ingênuas, jogatina e bebedeira, certa noite – Arcade se apresenta a Maurice para informá-lo de que abdica de sua função e, vestindo as calças de um suicida, sai pelo mundo em busca de outros anjos caídos como ele para arquitetar um segundo levante dos anjos, contra a ditadura de Deus.
É na jornada de Arcade, por entre ruas estreitas, povoadas por miseráveis e tavernas violentas e mal iluminadas, freqüentadas por almas perdidas e ébrias, ladrões, vagabundos, comunistas e anarquistas, que arquitetam levantes e atentados contra a burguesia e os representantes do estado para promover a desordem; promover a vingança popular definitiva que pouco avança além das mesas dos bares e o banho de sangue nas ruas de amanhã, termina por ser adiado ou substituído por um banho de vômito de inconformistas bêbados, sobre o assoalho da bodega, onde poucas horas antes, como em todas as outras noites, recitavam seus manifestos, convocavam o povo às armas, tendo como público, nada além de um punhado de sem-tetos maltrapilhos e uma multidão de ratos, cães e gatos sem dono, mais interessados em recolher sobras e migalhas.
Que o leitor não se deixe levar por um resumo breve, devido a natureza de alguns de seus personagens. Em Anatole France, a história de um anjo da guarda que desiste de seu protegido e a busca do último para reencontrá-lo é muito mais do que uma fábula moral ou provocação imoral anticristã, como pode sugerir a alguns.
Escrito em meio as convulsões ideológicas, sociais e culturais que marcam os primeiros anos de um século explosivo. Avanços tecnológicos e descobertas científicas, em contraste com um abismo de desigualdade, separando uma multidão de miseráveis que passavam fome nas ruas ou definhavam nas fábricas em jornadas diárias desumanas por um salário dos mais injustos de um punhado de poderosos glutões financeiros e políticos; acirramento do diálogo entre os representantes das classes prejudicadas com os representantes de industriais gananciosos, proprietários das fábricas e donos não eleitos do poder, como compradores de um Estado corrupto.
Há muito do autor, da sociedade e do contexto histórico. Exemplos do que dito, existem vários, mas fico no meu predileto, o anjo caído Sophar, que no mundo dos homens usa a alcunha de Barão Max Everdingen. Responsável por guardar o ouro do soberano celeste, devido a seu talento para administrar tesouros e sua paixão pelo brilho dos minerais preciosos, até descobrir seu verdadeiro Paraíso na economia dos homens, quando a França, “terra abençoada da Economia e do Crédito”, desperta sua curiosidade. Seduzido, o anjo rouba os cofres que deveria guardar e foge para o mundo dos homens, onde se torna um capitalista respeitado e poderoso. Ao contrário de seus semelhantes, ele não apóia a revolução, mas também não está do lado dos que buscam a manutenção do status quo. Entre Deus e o Diabo, prefere o dinheiro e, como todo bom capitalista, aproveita a tensão para fazer ficar mais rico, como fornecedor de armas para ambos os lados.
Obra madura de um autor já reconhecido e experimentado, A Rebelião dos Anjos sintetiza, em cada capítulo, os temas e idéias que marcaram o pensamento de Anatole France por toda a sua vida; o desprezo por toda a forma de agrilhoar as liberdades, através do fanatismo religioso, ideologias políticas impostas, através de leis arbitrárias ou pelo cerceamento da livre expressão da censura de estado e amordaçamento dos contrários. Como diz uma de suas citações mais famosas: “Há que se duvidar sempre, mesmo da dúvida”.
Frase nada descabida, aliás, principalmente, em se tratando de A Rebelião dos Anjos. Assim como “aqueles que combatem monstros correm o risco de tornarem-se monstros também”, é no sonho de um dos personagens que a revelação se mostra aos rebelados:  o risco dos que se propõe a derrubar o Demiurgo é de obter sucesso em sua empreitada e, sendo assim, ver-se obrigado a se fazer Demiurgo.


Serviço:
Título: A Rebelião dos Anjos
Autor: Anatole France
Editora: Axis Mundi

288 páginas

terça-feira, 17 de março de 2015

O Quinto Beatle - Quadrinhos



O Quinto Fabuloso de Liverpool

Sucesso de crítica e vendas, a premiada biografia do empresário dos Fab Four em quadrinhos deve virar filme e chega ao Brasil pela editora Aleph.
Por César Alves

Contrariando um velho clichê muito explorado em artigos, livros e documentários sobre a história dos Beatles – a de que o produtor George Martin seria a cabeça de número cinco na máquina criativa e bem sucedida dos quatro fabulosos de Liverpool –, em 1999, o ex-Beatle, Paul McCartney teria declarado: “se houve um quinto beatle, este foi Brian Epstein. Brian era praticamente parte do grupo”. O depoimento foi a inspiração para o título de O Quinto Beatle, Graphic Novel, recentemente, publicada no Brasil pela editora Aleph, que conta a história do empresário, divulgador e principal responsável pela beatlemania em quadrinhos.

Escrita por Vivek J. Tiwary e com desenhos de Andrew C. Robinson, a obra narra a história de Epstein, a partir do momento que ele descobre seus futuros protegidos e decide empresariá-los até sua morte, em 1967, por uma overdose acidental.
Dono de uma loja de discos e também empresário de outras bandas de Liverpool, como Gerry and The Peacemakers e Billy J. Kramer, Brian Epstein foi o primeiro a perceber o potencial do grupo, ao ponto de insistir em conseguir um contrato para eles quando ninguém apostava que eles poderiam ser alguma coisa, dentro do Show Business. Visionário, desde os primeiros momentos da carreira do quarteto, declarava “um dia, eles serão maiores do que Elvis Presley”, provocando risadas em gente do meio musical.
Epstein, que era judeu, quando ser judeu era no máximo algo aceitável, e homossexual, quando o homossexualismo era tratado como crime ou doença, foi responsável pela construção visual dos Beatles, convencendo-os a trocar seus casacos de couro rockers pelos famosos terninhos de gola que os fizeram mais apresentáveis para o público britânico
São os desafios, tanto na vida pessoal, quanto profissional, abraçados pelo empresário que dão o tom da narrativa, que representa em alguns momentos, Epstein como um toureiro. Tais experimentos visuais foram a opção dos autores para representar, de forma simbólica, os embates internos e externos sofridos por ele, que tomava remédios para “curar” seu homossexualismo.
Em vários momentos, os autores recorrem a elementos fantasiosos para caracterizar os efeitos das drogas, colocando o leitor na perspectiva de Epstein. Como, por exemplo, a negociação entre ele e o apresentador Ed Sullivan para a apresentação dos Beatles no programa de maior audiência nos Estados Unidos da época e que deu ignição à beatlemania. Durante a conversa com Sullivan, o apresentador fala através de um boneco de ventríloquo.

O texto foi construído através dos depoimentos de amigos e colaboradores do empresário, como Nat Weiss, advogado dos Fab Four, e Joanne Pettersen, assistente pessoal de Brian Epstein.
Da relação afetuosa entre Epstein e Pettersen – aqui como Moxie –, passando pela explosão mundial do grupo; os escândalos – como a declaração de Lennon de que “os Beatles agora são maiores que Jesus Cristo” e sua repercussão entre conservadores e religiosos xiitas –, e as férias na Espanha que o empresário teria passado com John e que ainda hoje rende debates sobre a sexualidade de Lennon, trata-se de um belíssimo trabalho.
A Graphic Novel esteve por cinco semanas entre a lista dos mais vendidos do The New York Times, foi indicada ao Prêmio Eisner, o mais importante dos quadrinhos, e vai ser adaptado para o cinema no ano que vem, com direito ao uso de canções, autorizado pelos Beatles sobreviventes.


Serviço:
Título: O Quinto Beatle.
Autor: Vivek J. Tiwary.
Ilustrador: Andrew C. Robinson.
168 páginas
Editora: Aleph.





segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Contra vampiros emos e lobisomens vegans, Lovecraft é a cura - Artigo


Contra vampiros emos e lobisomens vegans, Lovecraft é a cura

Vida e obra de um dos mais criativos e brilhantes autores fantásticos da era moderna ganham as livrarias brasileiras, em plena era do Terror Ritalina.
Por César Alves

A galeria de monstros assustadores que povoam o imaginário humano desde tempos imemoriais, como vampiros, zumbis, gárgulas, lobisomens e demais criaturas mitológicas e folclóricas, quase que em sua totalidade, vem passando por um processo de transformação e modernização, desde o advento da indústria do entretenimento – nem sempre bem vindo, tendo em vista os vampiros emos e licantropos vegetarianos dos livros e filmes blockbusters recentes, que fazem a cabeça da garotada. A mesma indústria que ajudou a tornar ainda mais populares e não menos assustadores – nas interpretações de Boris Karloff, Lon Chaney, Max Schreck, Bella Lugosi e Christopher Lee – parece hoje decidida a destruir a reputação dos personagens de terror clássicos.

Um aficionado por teorias conspiratórias poderia nos chamar a atenção para o detalhe de que ela também é responsável por alguns dos protagonistas dos terrores noturnos contemporâneos, como Freddy Krueger, Jason de Sexta-feira 13, Alien e o Predador, entre muitos outros.
Não acho que seja o caso e estou quase certo de que a coisa tem mais a ver com a percepção, por parte dos produtores e empresários culturais, de que adolescentes, com déficit de atenção, hiperatividade e muito dinheiro dos pais pra gastar, ofereciam um nicho inexplorado para autores e diretores com dislexia. Inventaram o Terror Ritalina ou Ficção Fantástico-Anencefálica (rótulos meus – prometo, que serão os primeiros e últimos).
Achei que não tinha mais volta, estávamos pegos e até passei a amaldiçoar Anne Rice e a culpar seus vampiros metrossexuais – apesar de não listá-la entre os autores e roteiristas a quem me refiro, afinal, possui seus méritos – como precursora disso tudo. Isso até que um de meus sobrinhos, depois de ler O Iluminado e outros de Stephen King, me perguntar por H. P. Lovecraft e me pedir emprestado alguns de seus livros. Levou três deles e, pouco mais de uma semana depois, voltou em busca de outros.
Ta bom, pode ser fato isolado, mas, pouco depois, na livraria de um amigo, chegam algumas garotas saudáveis, bem alimentadas, recém saídas da adolescência, prováveis leitoras da série Crepúsculo, procurando por Lovecraft, citando de memória os títulos que queriam.
Percebendo minha surpresa com a cena, depois de as moças saírem, comenta o amigo livreiro:
“O Lovecraft anda bem popular, entre a garotada. Todo dia, vem alguém aqui procurando. Sempre uma molecada nova, meio moderninha. Sempre foi Cult. Mas ta ficando pop entre os adolescentes.”
Ele disse num tom jocoso, mas, se fosse verdade, achei ótimo, perceber que, ao menos uma parte dos garotos e garotas de hoje estivessem abandonando o Harry Potter, principalmente, sabendo o que a leitura de O Alquimista fez no processo de estupidificação de boa parte dos garotos e garotas da minha época.

Se Lovecraft virou pop, não tenho ainda certeza, mas ver o Cthulhu – entidade cósmica, criada e citada pelo autor em diversas de suas histórias – aparecer em um episódio recente da escatológica animação de Matt Stone e Trey Parker, South Park, pode ser um sinal.
Considerado um dos maiores mestres da arte literária em explorar o fantástico e o medo, Howard Phillips Lovecraft vai muito além. Nascido em 1890, admirador incondicional de Edgar Allan Poe, sua colaboração para com o gênero extrapola concepções, estéticas e convencionais. Criador de toda uma mitologia própria de seres fantásticos e criaturas tão inacreditáveis, quanto assustadoras, Lovecraft praticamente reinventou a literatura de terror, ao misturar com desenvoltura e muita criatividade, o sobrenatural, o científico e o filosófico.
Dono de um intelecto único e pesquisador dedicado do oculto e ciências gerais, em sua obra, o impossível e o fantástico não eram gratuitos. Embora concebido como ficção e sem a pretensão do realismo, em sua grande maioria, para serem publicados em revistas baratas e escapistas – pulp fictions –, suas tramas e situações, seu universo e os personagens que nele vivem, são criados dentro dos limites do possível e, como toda grande obra do gênero, é da ocorrência fantástica, dentro dos limites do real, que provoca medo. Carregadas de seres criptozoológicos, descobertas criptocientíficas e conceitos criptofilosóficos, narrativa alucinante, fruto de uma mente brilhante – insana, para muitos –, suas histórias lhe renderam uma série de rótulos para descrevê-la como única e original, como Weird Fiction, para ficarmos apenas na minha preferida.
Fruto ou não de uma suposta redescoberta do autor por novos leitores, a ótima notícia é que a obra de Lovecraft vem recebendo de editoras como a Iluminuras e Hedra o respeito merecido e, como exemplo e indicação, tanto para novos, quanto para admiradores antigos, segue abaixo alguns dos títulos imperdíveis, disponibilizados nas livrarias brasileiras recentemente.
Pela Iluminuras, que já publicou outros títulos como A Cor que Caiu do Céu, Nas Montanhas da Loucura e O Horror Sobrenatural em Literatura (obra de não ficção, onde o mestre desenvolve um estudo profundo sobre o gênero que adotou e revolucionou), acaba de lançar também O Horror em Red Hook, A Maldição de Sarnath e A Procura de Kardath.
Já a editora Hedra, que há pouco tempo publicou Os Melhores Contos de H.P. Lovecraft, lança A Vida de H.P. Lovecraft, estudo biográfico e artístico, escrito por J.T. Joshi, respeitado mundialmente como um dos maiores especialistas sobre o autor.
Nada mais a dizer, aos amigos e amigas leitores, deleitem-se:

Serviço:

Título: À Procura de Kadath
Título: A Maldição de Sarnath
Título: O Horror de Red Hook
Autor: H.P. Lovecraft
Editora Iluminuras

Título: Os Melhores Contos de H.P. Lovecraft
Autor: H.P. Lovecraft
Título: A Vida de H.P. Lovecraft
Autor: S.T. Joshi
Editora: Hedra




segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Robert Walser - Absolutamente Nada e Outras Histórias



A Intencionalidade Superior de Robert Walser

Livro reúne 41 textos curtos do autor suíço que influenciou nomes como Elias Canetti, Franz Kafka e Herman Melville, entre outros, oferecendo nova oportunidade aos leitores brasileiros de mergulhar no universo literário de um dos grandes autores europeus esquecidos por nossas editoras.
Por César Alves

No Brasil, podemos ler menos coisas de Robert Walser do que sobre ele. O que não significa que estamos bem servidos de material biográfico sobre o autor, já que sua trajetória pessoal continua envolta em mistério, passagens jamais confirmadas de fontes pouco confiáveis e um sem número de lendas que, graças ao culto em torno de Walser e sua obra, só fizeram crescer, desde sua morte. Mas, ao contrário do que diz Walter Benjamin na abertura de seu artigo sobre Robert Walser, mal parafraseado por este amigo que vos escreve, no Brasil o autor é muito comentado e muito, muito pouco mesmo, lido.
Praticamente ignorado por nossas casas editoriais, apesar do peso de seu nome – além de Benjamim, Walser é citado como referência e verdadeira admiração por nomes como Herman Melville e Franz Kafka, entre outros – e da incontestável qualidade e grandiosidade de sua obra, tendo apenas uma quantidade miserável de seus títulos traduzidos e publicados por aqui – se não me engano, até agora, apenas dois de seus livros haviam sido lançados no Brasil. Motivo mais que justo para recebermos com festejos e fogos de artifício a chegada de Absolutamente nada e outras histórias, que a editora 34 acaba de lançar.
Reunindo 41 textos curtos do autor, o volume foi traduzido diretamente do alemão por Sérgio Tellaroli e oferece oportunidade imperdível aos leitores brasileiros de entrar em contato com autor cuja simplicidade narrativa – carregada de imaginação, inventividade e sensibilidade, no que diz respeito ao conteúdo – ultrapassa o sublime, expondo uma complexidade temática, filosófica e lírica, poucas vezes vista na literatura universal.

O que este escriba traduz aqui – muito porcamente – por simplicidade narrativa e que Walter Benjamin chamou, corretamente, de “extrema ausência de intenção”, em seu excelente artigo sobre Robert Walser (pode ser encontrado na edição brasileira de Magia + Técnica. Arte + Política, de Walter Benjamin, publicado no Brasil pela Editora Brasiliense), seria um dos motivos de o autor ser tão pouco explorado e praticamente ignorado por estudiosos e especialistas em literatura, tão dedicados que são às formas e técnicas da construção estética, como reguladora e juízo de valor da escrita como arte. O fato de o próprio Robert Walser, certa vez, ter declarado jamais revisar seus textos, ao que tudo indica, talvez tenha colaborado para que sua obra, embora reconhecida, cultuada e sempre reeditada na Europa, tenha recebido muito menos atenção dos especialistas do que realmente merece, ao longo dos anos e décadas.
É ao artigo de Benjamin que, novamente, recorro para dizer que é justamente na ausência de intencionalidade de Walser que pode estar o grande valor de sua escrita de inventividade. Sua despretensão, no fundo, revela uma “intencionalidade superior”, conforme descreve Walter Benjamin – tomado de empréstimo para intitular este texto.
Tal intencionalidade superior em sua ausência de intenções é nítida nos textos que compõem o recente lançamento. O autor levou sua vida de forma nômade e é justamente o olhar humano de um viajante, traduzindo a complexidade da existência, sob a simplicidade da vida e o que ela oferece de melhor e pior o que encontramos em cada uma das deliciosas páginas do livro. Walser amava as mulheres e aqui há muitas delas, no que todas elas têm de delicado e também no que não têm; o amor é força motriz de algumas histórias, portanto, há amor, mas também não há, posto que, para o autor, no fundo, todo individuo é um solitário.
Aqui o autor discorre sobre o romance impossível de uma cegonha e um porco espinho; um anjo que não come porque a comida cansa; a descoberta do amor por um macaco; e a nitidez com que se desmascara a frágil existência humana, quando vista do alto, durante um passeio de balão. Mas há também ensaios sobre a liberdade, considerações sobre O Idiota de Dostoiévski, uma cara de solicitação de emprego nada corriqueira e um humor, fino e sarcástico maravilhoso.
Exemplo da genialidade e brilhantismo do autor de dizer muito, parecendo dizer absolutamente nada, é o brilhante conto que dá nome ao livro. Num breve e pobre resumo deste que vos escreve, fala sobre uma Esposa que vai ao mercado fazer compras, com o objetivo de oferecer um jantar especial ao Marido. Ela pode escolher o que quiser levar e se perde em meio a tanta variedade de produtos e possibilidades disponíveis. Podendo levar de tudo, ela decide levar “absolutamente nada”.

Quando, à noite, o Esposo chega do trabalho, pergunta à Mulher:
“O que teremos para o jantar?”
“Absolutamente, nada!”
Ela responde.
Seu cônjuge estranha, mas nada diz. E a mulher esclarece:
“Precisamos variar o cardápio, pois é um dia especial. Então, hoje me dediquei a preparar absolutamente nada.”
O marido sorri com ternura e sente-se feliz com a dedicação de sua amada.
Eles, então, se sentam à mesa. Preenchem seus pratos com absolutamente nada, saboreiam e se fartam com porções de absolutamente nada e, no final, sentem-se satisfeitos com absolutamente nada.
Nascido em Biel, Suíça, em 1878, Robert Walser escreveu três romances, diversos volumes de contos e prosas curtas, além de incontáveis páginas e artigos para jornais e revistas. Apesar de sua importância e do reconhecido valor de sua obra, até agora, apenas dois títulos de sua autoria estavam disponíveis em nossas livrarias, vertidos para o português: O Ajudante (Arx, 2003), traduzido por Zé Pedro Antunes; e Jacob van Gunten (Cia das Letras, 2011), tradução de Sérgio Tellaroli, o mesmo tradutor de Absolutamente nada e outras histórias, objeto de nosso artigo.
Após uma produção intensa, em 1925, Robert Walser publicou seu último texto Die Rose (A Rosa). Em 1929, aos 50 anos de idade, o autor teria se internado  numa clínica psiquiátrica. Seu estado psicológico só agrava a partir daí, gerando diversas internações, até a última delas, em 1933, na qual permaneceria até o fim de seus dias. Walser teria falecido no natal de 1956, enquanto caminhava solitário, como costumava fazer, nas dependências da instituição mental. Seu corpo teria sido encontrado caído na neve por funcionários.
O culto a Robert Walser e sua obra, só fez aumentar, depois de sua morte. Até hoje, a possibilidade de o autor ter escrito inéditos posteriores a 1925, ainda gera lendas e histórias jamais confirmadas. Uma das lendas relativas aos seus últimos anos de que gosto conta que, durante sua última internação, depois de mais de duas décadas sem publicar e muita duvida no meio literário sobre se o autor ainda estaria ou não vivo, um jovem repórter teria conseguido se infiltrar no hospital para tentar uma entrevista. Segundo reza a lenda, Walser não se comunicava com ninguém, passava seus dias passeando pelas dependências da instituição e cuidando de um jardim, onde teria acontecido o suposto encontro. O repórter teria tentado estabelecer contato com o autor de várias formas. Walser, no entanto, apenas teria ignorado suas investidas, dedicando-se aos cuidados para com o jardim, como se ele não estivesse ali.
Cansado de tentar, certo de que não arrancaria nada e conformado em não obter qualquer resposta às suas perguntas, teria feito uma última tentativa:
_ Se puder me responder ao menos uma pergunta, senhor Walser, me diga se o senhor ainda escreve...
 Tendo como resposta apenas o silêncio, o jovem se despediu e seguiu seu caminho. Já de costas, poucos passos a frente, em direção da saída, o escritor teria exclamado em voz baixa:
_ Eu não estou aqui para escrever. Estou aqui para ser louco.
Fato ou ficção, acho a lenda, no que tem de bela e melancólica, digna de um ficcionista cuja própria vida gera ficção.

Serviço: Absolutamente nada e outras histórias
Autor: Robert Walser
Tradução: Sérgio Tellaroli
Editora: Editora 34
170 páginas