Contra vampiros emos e lobisomens vegans, Lovecraft é a cura
Vida e obra de um dos
mais criativos e brilhantes autores fantásticos da era moderna ganham as
livrarias brasileiras, em plena era do Terror Ritalina.
Por César Alves
A galeria de monstros assustadores que povoam o
imaginário humano desde tempos imemoriais, como vampiros, zumbis, gárgulas,
lobisomens e demais criaturas mitológicas e folclóricas, quase que em sua
totalidade, vem passando por um processo de transformação e modernização, desde
o advento da indústria do entretenimento – nem sempre bem vindo, tendo em vista
os vampiros emos e licantropos
vegetarianos dos livros e filmes blockbusters
recentes, que fazem a cabeça da garotada. A mesma indústria que ajudou a tornar
ainda mais populares e não menos assustadores – nas interpretações de Boris
Karloff, Lon Chaney, Max Schreck, Bella Lugosi e Christopher Lee – parece hoje
decidida a destruir a reputação dos personagens de terror clássicos.
Um aficionado por teorias conspiratórias
poderia nos chamar a atenção para o detalhe de que ela também é responsável por
alguns dos protagonistas dos terrores noturnos contemporâneos, como Freddy
Krueger, Jason de Sexta-feira 13, Alien e o Predador, entre muitos outros.
Não acho que seja o caso e estou quase certo de
que a coisa tem mais a ver com a percepção, por parte dos produtores e
empresários culturais, de que adolescentes, com déficit de atenção,
hiperatividade e muito dinheiro dos pais pra gastar, ofereciam um nicho inexplorado
para autores e diretores com dislexia. Inventaram o Terror Ritalina ou Ficção
Fantástico-Anencefálica (rótulos meus – prometo, que serão os primeiros e
últimos).
Achei que não tinha mais volta, estávamos pegos
e até passei a amaldiçoar Anne Rice e a culpar seus vampiros metrossexuais –
apesar de não listá-la entre os autores e roteiristas a quem me refiro, afinal,
possui seus méritos – como precursora disso tudo. Isso até que um de meus
sobrinhos, depois de ler O Iluminado e outros de Stephen King, me perguntar por
H. P. Lovecraft e me pedir emprestado alguns de seus livros. Levou três deles
e, pouco mais de uma semana depois, voltou em busca de outros.
Ta bom, pode ser fato isolado, mas, pouco
depois, na livraria de um amigo, chegam algumas garotas saudáveis, bem
alimentadas, recém saídas da adolescência, prováveis leitoras da série Crepúsculo,
procurando por Lovecraft, citando de memória os títulos que queriam.
Percebendo minha surpresa com a cena, depois de
as moças saírem, comenta o amigo livreiro:
“O Lovecraft anda bem popular, entre a garotada.
Todo dia, vem alguém aqui procurando. Sempre uma molecada nova, meio
moderninha. Sempre foi Cult. Mas ta ficando pop
entre os adolescentes.”
Ele disse num tom jocoso, mas, se fosse verdade,
achei ótimo, perceber que, ao menos uma parte dos garotos e garotas de hoje
estivessem abandonando o Harry Potter,
principalmente, sabendo o que a leitura de O
Alquimista fez no processo de estupidificação de boa parte dos garotos e
garotas da minha época.
Se Lovecraft virou pop, não tenho ainda
certeza, mas ver o Cthulhu – entidade cósmica, criada e citada pelo autor em
diversas de suas histórias – aparecer em um episódio recente da escatológica
animação de Matt Stone e Trey Parker, South
Park, pode ser um sinal.
Considerado um dos maiores mestres da arte
literária em explorar o fantástico e o medo, Howard Phillips Lovecraft vai
muito além. Nascido em 1890, admirador incondicional de Edgar Allan Poe, sua
colaboração para com o gênero extrapola concepções, estéticas e convencionais.
Criador de toda uma mitologia própria de seres fantásticos e criaturas tão
inacreditáveis, quanto assustadoras, Lovecraft praticamente reinventou a
literatura de terror, ao misturar com desenvoltura e muita criatividade, o sobrenatural,
o científico e o filosófico.
Dono de um intelecto único e pesquisador
dedicado do oculto e ciências gerais, em sua obra, o impossível e o fantástico
não eram gratuitos. Embora concebido como ficção e sem a pretensão do realismo,
em sua grande maioria, para serem publicados em revistas baratas e escapistas –
pulp fictions –, suas tramas e situações, seu universo e os personagens que
nele vivem, são criados dentro dos limites do possível e, como toda grande obra
do gênero, é da ocorrência fantástica, dentro dos limites do real, que provoca
medo. Carregadas de seres criptozoológicos, descobertas criptocientíficas e
conceitos criptofilosóficos, narrativa alucinante, fruto de uma mente brilhante
– insana, para muitos –, suas histórias lhe renderam uma série de rótulos para
descrevê-la como única e original, como Weird
Fiction, para ficarmos apenas na minha preferida.
Fruto ou não de uma suposta redescoberta do
autor por novos leitores, a ótima notícia é que a obra de Lovecraft vem
recebendo de editoras como a Iluminuras e Hedra o respeito merecido e, como
exemplo e indicação, tanto para novos, quanto para admiradores antigos, segue abaixo
alguns dos títulos imperdíveis, disponibilizados nas livrarias brasileiras
recentemente.
Pela Iluminuras, que já publicou outros títulos
como A Cor que Caiu do Céu, Nas Montanhas da Loucura e O Horror Sobrenatural em
Literatura (obra de não ficção, onde o mestre desenvolve um estudo profundo
sobre o gênero que adotou e revolucionou), acaba de lançar também O Horror em
Red Hook, A Maldição de Sarnath e A Procura de Kardath.
Já a editora Hedra, que há pouco tempo publicou
Os Melhores Contos de H.P. Lovecraft, lança A Vida de H.P. Lovecraft, estudo
biográfico e artístico, escrito por J.T. Joshi, respeitado mundialmente como um
dos maiores especialistas sobre o autor.
Nada mais a dizer, aos amigos e amigas
leitores, deleitem-se:
Serviço:
Título: À Procura de
Kadath
Título: A Maldição de
Sarnath
Título: O Horror de
Red Hook
Autor: H.P. Lovecraft
Editora Iluminuras
Título: Os Melhores
Contos de H.P. Lovecraft
Autor: H.P. Lovecraft
Título: A Vida de H.P.
Lovecraft
Autor: S.T. Joshi
Editora: Hedra
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