Mostrando postagens com marcador Musica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Musica. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 3 de abril de 2018

Bob Dylan e Greil Marcus




Bob Dylan e Greil Marcus

Menos disponível nas prateleiras brasileiras do que sua prosa merece, Greil Marcus se inscreve entre os cronistas do universo musical predileto deste que vos escreve.
Por César Alves

Nascido em 1945, Greil Marcus presenciou – às vezes in loco – momentos que redefiniram a musica contemporânea, trabalhando para veículos como Rolling Stone, Creem e Village Voice. Alguns de seus livros, como “Mystery train” (1975) são considerados revolucionários na forma de se fazer crítica de rock. Marcus não acredita no hype e, quando segue uma pauta, vai além do objeto estudado considerando fenômenos sociais e seu contexto histórico.
Daí que seus textos podem citar heréticos medievais, o Dada (é sempre bom lembrar que não existe dadaísmo e, se você não concorda, você é Dada!) e os Situacionistas para chegar ao punk. Infelizmente no Brasil seus livros não são publicados com frequência. Que eu saiba, saiu por aqui apenas a coletânea “A última transmissão”, parte da ótima coleção iêiêiê da Conrad Books (que saudades dessa editora!), cuja reportagem sobre o novo punk (Pós-punk, se preferir), representado por bandas como o Gang of Four e o, ainda iniciante, selo Rough Trade é exemplo do que escrevi acima.
Agora chega às nossas livrarias “Like a Rolling Stone: Bob Dylan na Encruzilhada”, lançamento da Companhia das Letras. Aqui, Marcus debruça-se sobre a histórica gravação de mister Robert Zimmermann de “Like a Rolling Stone”, canção que abre o álbum histórico “Highway 61 Revisited”. O jornalista teve acesso às sessões de gravações do clássico, ocorridas em 15 de junho de 1965, período conturbado na carreira do artista. Dylan vinha de sua estréia com instrumentos elétricos, ocorrida no álbum anterior “Bringing it all back home”, e suas apresentações normalmente culminavam com gritos de “Judas!” vindo da platéia mais purista, que o havia alçado a posto de seu porta-voz – só não perguntaram antes se ele aceitava o cargo.
A verdade é que “Like a Rolling Stone” representa uma virada no conceito criativo do rock. A partir dali, o rock, que também havia influenciado Dylan para sua guinada elétrica, começa a abandonar os temas leves e pode-se dizer que só a partir dai ganha status de arte. Marcus, no entanto, não se fecha numa biografia da música, fazendo uma análise da importância de Dylan através dos artistas que influenciou e o fato de sua obra ainda ser relevante nos dias de hoje.
Curiosidade: Os teclados, que são uma das marcas da canção são tocados pelo lendário guitarrista Al Kooper. A verdade é que Kooper nunca havia tocado um instrumento de teclas antes – pelo menos é o que reza a lenda – e o que está ali é o guitarrista “tentando” fazê-lo.




sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Não Confie em Nenhum Disco com Menos de 50



Jubileu ou Não Confie em Nenhum Disco com Menos de 50
Por César Alves

Sendo previsível, na cobertura de música, posso dizer que será o ano da previsibilidade.
2017 marca o jubileu de lançamento de diversos discos que revolucionaram o segmento musical a partir daí. Obras como Sgt. Peppers dos Beatles; Velvet Underground and Nico da banda de Lou Reed e John Cale; Forever Changes do Love; High Priestess of Soul da Nina Simone; Astral Weeks do Van Morrison; Surrealistic Pillow do Jefferson Airplane e uma infinidade de outros títulos que tomariam mais de “textão” só para relacioná-los, correndo o risco de deixar muita coisa boa de fora.
Conhecendo bem a cobertura musical como é feita no Brasil, posso antecipar desde já o festival de clichês e até as frases prontas de quem e sobre que obras escreverão nos próximos meses.
Deixei de escrever sobre musica há mais de dez anos, tendo em vista que perdi o interesse na musica como assunto e percebi que havia gente muito mais gabaritada para cobrir o tema do que eu. Por outro lado, gosto de muita coisa feita no ano de 1967, não só pela qualidade musical, mas também pelo contexto histórico e social em que foram compostos e gravados.
Do meu ponto de vista ignorante, sempre achei que 67 foi apenas o ápice de um período de três a cinco anos, a partir da segunda metade de cada década, em que a produção musical popular passa por uma inquietação criativa que antecipa o que será a musica da década seguinte. Então, sempre conforme a visão do amigo aqui, seria o ponto mais alto de algo que começa em 1966 e vai até 1970, preparando o terreno para o rock progressivo (que tem raiz no produção Baroquee), a musica Disco (o Funk e Soul e a produção musical voltada para pistas de dança), o Heavy Metal (os discos do Blue Chear e Black Sabath) e até o punk (o já citado VU e as estréias do MC5 e The Stooges).
Foi assim nas décadas seguintes, com o surgimento do punk rock e rock industrial, a invasão das festas de quarteirão e suas Sound Machines nos bairros negros pobres da Jamaica aos Estados Unidos e a musica eletrônica tocada em pistas de boates gays que abrem caminho para o pós-punk, os selos de rock independentes, Rap e o movimento Hip Hop e a House Music. Assim como os álbuns do Sonic Youth, Jesus and Mary Chain, Dinosaur Jr, entre outros, e as estréias do Public Enemy, N.W.A. e outros marcariam o que seria o rock e o rap dos anos 90.
Do lado de cá, fico tentando adivinhar qual de meus amigos irá assinar o primeiro de muitos artigos clichês sobre o jubileu do “ano mágico” de 1967 na música. Mas o que eu gostaria mesmo era de poder antecipar quais discos e artistas representam hoje algo que nos faça ter boas expectativas quanto ao que está por vir nos anos 2020...
Surpreendam-me!


terça-feira, 17 de março de 2015

O Quinto Beatle - Quadrinhos



O Quinto Fabuloso de Liverpool

Sucesso de crítica e vendas, a premiada biografia do empresário dos Fab Four em quadrinhos deve virar filme e chega ao Brasil pela editora Aleph.
Por César Alves

Contrariando um velho clichê muito explorado em artigos, livros e documentários sobre a história dos Beatles – a de que o produtor George Martin seria a cabeça de número cinco na máquina criativa e bem sucedida dos quatro fabulosos de Liverpool –, em 1999, o ex-Beatle, Paul McCartney teria declarado: “se houve um quinto beatle, este foi Brian Epstein. Brian era praticamente parte do grupo”. O depoimento foi a inspiração para o título de O Quinto Beatle, Graphic Novel, recentemente, publicada no Brasil pela editora Aleph, que conta a história do empresário, divulgador e principal responsável pela beatlemania em quadrinhos.

Escrita por Vivek J. Tiwary e com desenhos de Andrew C. Robinson, a obra narra a história de Epstein, a partir do momento que ele descobre seus futuros protegidos e decide empresariá-los até sua morte, em 1967, por uma overdose acidental.
Dono de uma loja de discos e também empresário de outras bandas de Liverpool, como Gerry and The Peacemakers e Billy J. Kramer, Brian Epstein foi o primeiro a perceber o potencial do grupo, ao ponto de insistir em conseguir um contrato para eles quando ninguém apostava que eles poderiam ser alguma coisa, dentro do Show Business. Visionário, desde os primeiros momentos da carreira do quarteto, declarava “um dia, eles serão maiores do que Elvis Presley”, provocando risadas em gente do meio musical.
Epstein, que era judeu, quando ser judeu era no máximo algo aceitável, e homossexual, quando o homossexualismo era tratado como crime ou doença, foi responsável pela construção visual dos Beatles, convencendo-os a trocar seus casacos de couro rockers pelos famosos terninhos de gola que os fizeram mais apresentáveis para o público britânico
São os desafios, tanto na vida pessoal, quanto profissional, abraçados pelo empresário que dão o tom da narrativa, que representa em alguns momentos, Epstein como um toureiro. Tais experimentos visuais foram a opção dos autores para representar, de forma simbólica, os embates internos e externos sofridos por ele, que tomava remédios para “curar” seu homossexualismo.
Em vários momentos, os autores recorrem a elementos fantasiosos para caracterizar os efeitos das drogas, colocando o leitor na perspectiva de Epstein. Como, por exemplo, a negociação entre ele e o apresentador Ed Sullivan para a apresentação dos Beatles no programa de maior audiência nos Estados Unidos da época e que deu ignição à beatlemania. Durante a conversa com Sullivan, o apresentador fala através de um boneco de ventríloquo.

O texto foi construído através dos depoimentos de amigos e colaboradores do empresário, como Nat Weiss, advogado dos Fab Four, e Joanne Pettersen, assistente pessoal de Brian Epstein.
Da relação afetuosa entre Epstein e Pettersen – aqui como Moxie –, passando pela explosão mundial do grupo; os escândalos – como a declaração de Lennon de que “os Beatles agora são maiores que Jesus Cristo” e sua repercussão entre conservadores e religiosos xiitas –, e as férias na Espanha que o empresário teria passado com John e que ainda hoje rende debates sobre a sexualidade de Lennon, trata-se de um belíssimo trabalho.
A Graphic Novel esteve por cinco semanas entre a lista dos mais vendidos do The New York Times, foi indicada ao Prêmio Eisner, o mais importante dos quadrinhos, e vai ser adaptado para o cinema no ano que vem, com direito ao uso de canções, autorizado pelos Beatles sobreviventes.


Serviço:
Título: O Quinto Beatle.
Autor: Vivek J. Tiwary.
Ilustrador: Andrew C. Robinson.
168 páginas
Editora: Aleph.





sexta-feira, 20 de junho de 2014

A Flying "V" de Dave Davies





A Flying V de Dave Davies
por César Alves


Os Kinks sempre serão uma de minhas bandas prediletas e sempre rendem assunto para o colega aqui. Mas o motivo deste texto é uma guitarra. A Flying “V”usada por Dave, o caçula dos Davies.
A última vez que ela apareceu em um leilão, foi arrematada por meio milhão de dólares. Instrumentos que pertenceram a artistas de renome costumam valer muito, mas o verdadeiro motivo do valor alcançado pelo item é que, além de ter sido tocada pelo irmão caçula de Ray Davies, é também o protótipo, feito em 1959, do que seria a clássica Gibson Flying V, cujo projeto tinha sido abandonado devido ao formato pouco atraente do instrumento.
A história de como a guitarra foi parar nas mãos do mais jovem e encrenqueiro dos “safados” é ainda mais interessante. Conta a lenda, que os organizadores da primeira turnê americana deles perderam o instrumento usado por Davies e, desesperados para substituí-lo, deram dinheiro ao guitarrista e o mandaram a loja mais próxima escolher uma nova guitarra.
Apesar de o The Kinks já estar galgando o caminho do sucesso, o dinheiro do caçula Dave era controlado pelo irmão mais velho, Ray, e o empresário do grupo, logo o garoto viu uma boa oportunidade de comprar um instrumento barato e embolsar o troco para outras “coisinhas”. Na loja, insistiu que não gostara de nenhum dos instrumentos disponíveis e perguntou por aquela guitarra estranha guardando poeira no fundo da loja.
Não levando a sério, o vendedor teria dito: “Isso ai? É uma guitarra velha que ninguém quer, pois é muito feia. A única garantia que posso lhe dar é que você terá um modelo exclusivo, pois não foram fabricadas outras.” Davies imediatamente fechou negócio por alguns dólares, o valor exato, o guitarrista diz já não se lembrar e voltou feliz para o hotel para agüentar a chacota dos outros integrantes da banda. O modelo começou a ser fabricado em meados dos anos 60 e ganhou popularidade na década seguinte, empunhado por artistas de glam rock, funk e hard rock.
Não dá pra dizer até que ponto Dave Davies aparecendo em shows e programas de TV com seu protótipo, colaborou para o futuro da Flying V, mas a história é muito boa e entrou para o caderno das lendas do universo pop.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Soldado Dave Brubeck e a Grande Lição de um Pai



O Soldado Dave Brubeck e a Grande Lição de um Pai

por César Alves

Antes de se tornar legenda no capítulo piano da história do Jazz, Dave Brubeck alistou-se como voluntário na expectativa de ir para o campo de batalha e fazer a diferença durante a 2ª. Guerra. O ano era 1942 e, apesar de não da maneira como esperava, ele fez. Amante das teclas desde criança, filho de uma pianista de formação clássica, responsável por suas primeiras aulas no instrumento e por despertar seu interesse pela música, muito novo Dave dava sinais de uma carreira promissora.

A descoberta de sua paixão e veículo através da qual expressaria seu talento chegou pelo rádio. Aparelho revolucionário e peça das mais importantes para um século que chegara para escancarar as portas do futuro, o rádio era a maravilha moderna capaz de captar as ondas sonoras que traziam ao jovem Brubeck as batidas fortes de uma música nova e selvagem. Embora desse a impressão de ter sido enviado como presente por civilizações mais avançadas de planetas muito distantes, o ritmo que o conquistara tinha suas origens nas comunidades negras de New Orleans e de lá se espalhado pelo país, assumindo o Harlem como residência oficial. Se o século vinte seria o século do futuro, o jazz era a trilha sonora dos homens do amanhã. Sua popularidade havia rompido as barreiras raciais que poucos anos antes pareciam intransponíveis e, se ainda faltava muito para que a luta pelos direitos civis ganhasse força e se tornasse uma realidade, pode-se dizer que os primeiros passos foram dados ai.

Graças à onda do swing e o sucesso das Big Bands nas primeiras décadas do século, brancos e negros se divertiam juntos em casas históricas como o Savoy. Dave queria fazer parte dessa história, mas no caminho surgira o conflito que definiria a política do século e a ameaça fascista parecia motivo o suficiente para adiar qualquer sonho.

É ai que reencontramos o soldado Brubeck do início do texto. Parte da minoria branca que não aceitava o segregacionismo racial dominante em seu país, Dave ficou chocado ao saber que, mesmo em tempos de guerra, tal pensamento vingava dentro do exército. Até o sangue para transfusão era separado entre, sangue branco, para soldados brancos; e negro, para soldados negros.

Logo após aportar na Europa, já acampado com seu regimento num posto aliado, aguardava às ordens para sua primeira missão. Foi durante a visita de um grupo de artistas, num dos eventos promovidos para distrair as tropas, que perguntaram entre os soldados se havia alguém capaz de tirar algumas notas no piano. A trupe tinha o instrumento, mas não o instrumentista. Já sentindo falta das teclas, Brubeck não perdeu a oportunidade e se ofereceu.

Sua performance agradou tanto que recebeu ordens de seus superiores para formar uma banda do exército. Acatou as ordens, porém fez questão de incluir negros entre seus músicos. Brigou principalmente por dois nomes, Gil White, mestre de cerimônias, e Richard Flowers, trombone. Em suas palavras, “se havia segregacionismo no exército, na Dave Brubeck Wolf Pack Band (nome que dera ao projeto) não haveria!”

A história está bem documentada na série “A história do jazz” de Ken Burns. Brubeck conta que, ao final da guerra, logo após desembarcar com seus músicos num porto Norte-Americano, decidiram todos almoçar e beber para comemorar. O dono do estabelecimento recusou-se a servi-los, alegando que, se eles insistissem em comer ali, os negros do grupo teriam que se alimentar na cozinha. Brubeck recusou e, ao saírem, ouviu de Richard Flowers: “Acabo de voltar de uma guerra que não era minha, disposto a dar meu sangue pelo meu país. Vi coisas que vão ficar comigo para sempre, como uma marca em minha alma. E, agora, nem posso me sentar para beber na mesma mesa que vocês, meus amigos. Qual o motivo daquilo tudo porque passamos?”

No mesmo episódio, o pianista conta que aprendeu a respeitar as diferenças com seu pai. Lembra-se do primeiro homem negro que viu. Segundo Brubeck, ainda era criança quando, certo dia, seu pai o chamou. “Quero que conheça meu amigo, filho.” Ao chegarem na casa desse amigo, que era negro, seu pai pediu: “Tire a camisa e mostre as suas costas para ele.” Havia marcas de açoites cicatrizadas deformando todo o corpo do homem. De forma severa, seu pai lhe disse: “Trouxe você aqui para que entenda, filho. Agora você tem idade para compreender e é bom guardar bem essa imagem. Esse tipo de coisa não pode acontecer nunca mais!”

Bons pais fazem grandes homens!

sábado, 30 de novembro de 2013

US 69 - Yesterday´s Folks (1969) - Disco




US 69 – Yesterday´s Folks (1969)
por César Alves


A primeira vez que ouvi esse disco foi na Galeria do Rock, na loja do Alberto, amigo e fornecedor de velharias sixties durante os anos 90. Uma daquelas pérolas obscuras do período que pouca gente conhece e deveria de tão bom. É o único disco que conheço desses caras e, correndo o risco de estar errado, também o único que gravaram.

Adoro a palavra, mas odeio usar o termo “psicodélico” quando o assunto é musica. Afinal, pode se referir a muita coisa e, algumas sem a menor relação, englobando dos 13th Floor Elevators aos Beatles, passando por Spacemen 3 e Mercury Ver e também Steppenwolf e Iron Butterfly – até o Serguei afirma ser psicodélico. Mas, no caso do US 69 e suas viagens musicais lisérgicas, não consegui encontrar outra definição. Sendo assim, dentre as diversas formas do universo rock psicodélico, eles estão no meio termo entre o que chamavam Psychedelic Folk e Psychedelic Jazz e se enquadram na categoria de bandas como The Insect Trust, que uniam pesquisa de efeitos sonoros eletrônicos que buscavam reproduzir no ouvinte as sensações de uma viagem de ácido, conduzidas por um amálgama de gêneros como o rock, o folk e o jazz.

Eram liderados pelo guitarrista e compositor Bill Durso. O time também contava com o baterista Bill Cartier e o baixista e flautista, Gil Nelson.

Sempre tive uma curiosidade a respeito dos outros dois integrantes que completam a cozinha; os irmãos Bob e Don DePalma, ambos multi instrumentistas, ambos de formação clássica e ambos oriundos da escola do jazz. Os irmãos DePalma possuem alguma relação com o cineasta Brian? Nunca encontrei nada a respeito. Não é só por causa do sobrenome, mas também porque descobri que, depois do US 69, durante os anos 70, a dupla passou a trabalhar para a indústria cinematográfica, conduzindo sonoplastia e compondo trilhas sonoras. Se algum de meus queridos amigos e amigas sabe se são parentes ou não, gostaria de saber.

Curiosidades à parte, trata-se uma excelente banda e ótimo disco e recomendo. É o tipo de álbum que se deixa rolar de cabo a rabo numa tarde de sábado ou dia de folga com os amigos ou sozinho, como trilha sonora da preguiça.
 
Difícil escolher uma parte de um disco cuja experiência real, só é completa no todo, mas destaco “African Sunshine” e a faixa de dez minutos que encerra a obra, “2069 – A Spaced Oddity”, certamente inspirada no filme de Kubrick e na obra de Arthur C. Clark, mas seria também uma referência a David Bowie?

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Bongo Rock – Michael Viner´s Incredible Bongo Band



 
A Surf Music, o Cinema B, o Beatle, o Assassino e a origem da Batida Fumegante

Por César Alves

O que há em comum entre o grupo britânico The Shadows, o assassinato de Bob Kennedy, um filme de terror B chamado “A Coisa de Duas cabeças”, um músico que, induzido por vozes do além, assassiou a própria mãe a golpes de martelo, o ex-Beatle Ringo Starr e o nascimento da batida perfeita do Hip Hop? Resposta: Michael Viner e sua Incredible Bongo Band.
Lançado em 1973 o álbum “Bongo Rock”, da Michael Viner´s Incredible Bongo Band, teria caído no esquecimento não fosse a apropriação da faixa “Apache”, versão de um clássico da surf music sessentista na gravação dos Shadows, pelo DJ jamaicano Kool Herc ainda na fase embrionária do movimento Hip Hop.
Ainda hoje, a santíssima trindade do ritmo e do risco, formada por Herc, Grand Master Flash e Afrika Bambataa, defende a música como a pedra fundamental da batida do rap. E, embora na época de seu lançamento “Bongo Rock” não tenha representado um sucesso arrebatador em vendas, hoje o vinil é disputado a tapas por DJs ao redor do mundo.
Mas este disco vai muito além de “Apache”, tratando-se de um dos melhores exemplares de “disco-para-balançar-as-pistas” já feito. Ao longo das oito faixas originais que compunham o álbum, todo ele instrumental, encontram-se pérolas como a versão do grupo para “In-A-Gadda-Da-Vida”, clássico proto-heavy metal (se é que isso existe) do Iron Butterfly, ou “Let There Be Drums”, famosa tanto na versão de Sandy Nelson, como na dos Ventures, num misto de groove funky, guitarras psicodélicas e percussão poderosa. É deixar rolar e a festa pegar fogo!

Mas a coisa não termina ai. Como todo clássico Cult, “Bongo Rock” possui uma história digna de um romance pulp experimental, carregado de humor e violência bizarra.
Começa quando Michael Viner, depois de perder seu emprego na campanha de Bob Kennedy, após o assassinato do congressista, muda-se para Hollywood para assumir o papel de executivo no departamento de trilhas sonoras dos filmes da MGM.
Encarregado de cuidar da trilha de um terror B intitulado “The Thing With Two Heads (1972)", Viner decidiu reunir uma turma de músicos de estúdio para gravar duas faixas para o filme: “Bongo Rock” e “Bongolia”. Embora até ai a colaboração entre os músicos fosse temporária, limitando-se a composição e gravação das musicas do filme, a banda foi batizada Incredible Bongo Band.
O projeto, no entanto, ganhou outras proporções quando DJs passam a executar as duas primeiras gravações em pistas de casas noturnas, resultando no inesperado sucesso, como grandes hits do momento.
Viner e seus empregadores viram a possibilidade do lucro extra que poderia render a  gravação de um álbum inteiro e assim foi feito.
Uma das histórias mais cômicas envolvendo o lançamento, partiu dos executivos de marketing da gravadora. Baseando-se em uma pesquisa, o departamento acabou por concluir que o público consumidor do gênero predominante na maioria das faixas jamais investiria seu dinheiro em um disco de Black Music feito por um grupo composto por muitos integrantes brancos e poucos negros. A banda concordou e a estratégia utilizada para driblar o problema foi contratar belos modelos afro para posarem nas fotos do encarte e da capa do disco, como se fossem os integrantes da banda (deve ter sido a escola dos produtores do Milli Vanilli).

Como a banda era cada vez mais requisitada para apresentações ao vivo (embora elas nunca tenham acontecido), não demoraria para a farsa ser desmascarada.  O bom senso veio à tona e a arte teve de ser mudada às pressas. Somente a primeira tiragem circulou com as fotos da banda falsa. Hoje, quando aparece uma das cópias no mercado, chega a ser disputado a tapas por colecionadores.
Apesar do sucesso de execuções, na época, o disco não chegou a confirmar as expectativas de vendas. O fracasso, no entanto, tem mais a ver com falhas na distribuição e promoção do álbum do que com as teorias mercadológicas raciais dos executivos. Talvez tenha mais a ver com o fato de, apesar de requisitadas apresentações, uma turnê de promoção do lançamento nunca aconteceu. Muito provavelmente pela dificuldade de reunir o time e sintonizar a agenda dos músicos que gravaram o álbum.
É que, na verdade, a Incredible Bongo Band é uma banda de estúdio que acabou ganhando outras proporções. A cozinha era formada por Michael Viner, músicos de estúdio e uma série de baixistas e bateristas contratados, dentre os quais se destaca o baterista Jim Gordon que tocou, entre muitos outros, com nomes como Frank Zappa, Traffic, John Lennon e Eric Clapton, na fase Derek and The Dominoes. É dele a bateria da gravação original de “Layla”.
Excelente baterista, Gordon teve uma trajetória marcada pela tragédia e aqui entra a violência bizarra prometida no início do texto.
Afundando-se em drogas e dono de um histórico clínico que ia das síndromes maníaco-depressivas aos surtos psicóticos, Gordon acabou por assassinar a própria mãe a golpes de martelo. Impossível não pensar na participação dele, durante as gravações de "Imagine", sem enxergar a carga irônica por trás de John Lennon entoando seu hino à paz e, ao fundo, o Norman Bates do rock na percussão, somente a participação de Charles Manson no Live Aid conseguiria ser mais grotesca. Gordon foi condenado pelo crime e, ainda hoje vive internado em um hospital psiquiátrico.
A Bongo Band ainda gravou um segundo disco em 1974, batizado “Return of The Incredible Bongo Band”. Tão bom quanto o primeiro e fracasso de vendas ainda maior, o disco foi último suspiro ou o epitáfio a ser gravado na lápide de uma carreira que definhava. A Bongo Band nunca retornou dos mortos, mas seu legado, no entanto, ainda vive é sentido nas pistas de dança, já que suas músicas têm sido sampleadas à exaustão por nomes do rap e música eletrônica em geral.

Ah, onde o Ringo Starr entra nessa história? Uma das lendas não confirmadas sobre o ex-Beatle é a de que seriam do narigudo algumas das percussões gravadas no primeiro álbum. Amigo de Viner e do resto dos músicos, sua presença no estúdio é confirmada durante a maioria das sessões. Mas não se sabe se teria gravado em algumas das faixas e, sendo assim, quais delas teriam sua participação.