quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Medo - Histórias de Terror



Antologia do Medo

Contos e algumas das mais assustadoras lendas de terror compiladas em livro que reúne Edgar Allan Poe, Théophile Gautier, Guy de Maupassant, Alexandre Dumas, Émile Zola e outros.
por César Alves


Um dos mais antigos de nossos instintos primordiais, o medo talvez esteja na raiz de nosso sucesso evolutivo e seja uma das razões de nossa espécie ainda estar por aqui. Deve estar ao lado da fome entre os motivos que nos levaram a desenvolver instrumentos de caça e defesa, impulsionando assim nossa ascensão na cadeia alimentar e reduzindo também o risco de sermos devorados vivos por feras. Afugentar as mesmas feras e iluminar a noite, reduzindo assim o perigo de ser surpreendido na escuridão por um grande predador, talvez tenha tido no medo, talvez, antes do desejo de aquecer nossos corpos e alimentos, o ponto de partida para aprendermos nos relacionar com o fogo.
Tamanha importância, talvez explique o que nos move a evitar situações de risco real a nossas vidas, mas, ao mesmo tempo, sermos atraídos pela sensação, mesmo que controlada e por um período de tempo determinado e sob controle, ao ponto de pagarmos para sermos amedrontados em salas de cinema, casas assombradas de parques de diversão e, principalmente, contos e histórias de horror.
Teorias evolutivas à parte – há gente muito mais indicada mais indicada para falar sobre o assunto e nem é este o tema deste artigo –, apreciamos causos de fantasmas, demônios, criaturas sobrenaturais e outras histórias horripilantes, desde o início da civilização, tendo sido contadas e recontadas em volta da fogueira por griots (contadores de histórias cuja tradição remete dos primeiros agrupamentos humanos aos dias de hoje), avôs e avós, à luz de vela quando falta energia elétrica, através dos séculos, tendo sobrevivido, através da narrativa oral, ao passar dos tempos.
Se hoje uma parcela milionária da indústria do entretenimento é movida por nossos piores medos, é sempre bom lembrar que, muito antes de surgir o cinema e ganhar rostos no imaginário pop com as interpretações de Boris Karloff, Peter Lorre, Bela Lugosi, Lon Chaney, Christopher Lee e Vincent Price, entre outros, foram os escritores os primeiros a perceber no filão uma fonte inesgotável de inspiração e leais seguidores.
De consagrados expoentes do gênero, como Edgar Allan Poe, Ambrose Bierce, H. P. Lovecraft, E.T.A. Hoffmann e Bram Stoker – entre os mais notórios –, a Émile Zola, Alexandre Dumas, Gautier e outros; praticamente, todos os grandes nomes da literatura, em um ou mais momentos de sua carreira, flertaram com o segmento. Um bom exemplo é Medo – Histórias de Terror, coletânea que reúne contos e histórias de terror que a Companhia das Letras acaba de lançar.
Dividido em Histórias de Fantasmas, Aparições e Espectros; Histórias de Diabos; Histórias de Cemitérios; Histórias de Animais e Histórias do Reino dos Mortos; o livro reúne contos de autores consagrados, como alguns dos citados acima, com lendas e histórias populares, sem autor conhecido, narradas a gerações, através da tradição oral. Além de oferecer um apanhado dos diversos tipos de narrativas de terror, uma leitura mais atenta pode revelar como se deu o processo evolutivo da narrativa fantástica dos mitos ancestrais do início das civilizações ao terror moderno.
Aqui estão clássicos conhecidos, como o brilhante tratado sobre a culpa, O Gato Preto e o assustador A Máscara da Morte Rubra, ambos do imaginário de Poe; o antológico A Mão de Maupassant, a obra também contém textos menos difundidos dos poetas Théophile Gautier, O Pé da Múmia e Dois atores para um Papel; e Gerard Nerval – o brilhante A Ceia dos Enforcados fecha o livro – ao lado das mais assustadoras lendas populares sobre assombrações, criaturas sobrenaturais, descidas ao Inferno, pactos diabólicos, o medo da morte e, talvez o maior dos terrores, o de ser enterrado vivo.
É justamente a terrível possibilidade de ser dado como morto e, ainda mais sustador, estar consciente de sua situação, que conduz um dos destaques do livro, o conto A Morte de Ollivier Becaille. Tão assustador quanto é bonito, o conto é fruto da mente de Émile Zola e está mais para suspense psicológico do que para sobrenatural.
Narrado em primeira pessoa por um homem que acaba de falecer – o Olivier Becaille do título –, a narrativa acompanha o desespero do personagem, desde a descoberta de sua condição pela esposa, passando pela confirmação do óbito, a chegada do caixão, o velório e sepultamento, nos quais o personagem descreve tudo que se passa em sua volta e, ao mesmo tempo, reflete sobre sua vida até aquele momento. Aos leitores cabe descobrir se o narrador é um espírito ou vítima de catalepsia e é justamente o suspense da dúvida o que nos prende no início.
A maestria narrativa de Zola nos arrasta para dentro do personagem, provando da tensão e desespero que o afligem e vai além, fazendo uso da situação surreal de seu personagem apenas como pano de fundo para uma profunda análise da condição humana.


Serviço:
Título: Medo – Histórias de Terror
Autor: Vários
Organização: Héléne Montardre
Editora: Companhia das Letras
240 páginas



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