sábado, 23 de novembro de 2013

Kurosawa e Honda - Stray Dog



Stray Dog – Da amizade de Korosawa e Honda
por César Alves

É lendária a amizade que existia entre Akira Kurosawa e Ishiro Honda. Ícones de sua geração, os realizadores tornaram-se referência de duas vertentes – para muitos, antagônicas – do cinema japonês.
Se Kurosawa é citado entre os monstros sagrados da cinematografia de seu país, Honda criou o monstro sagrado definitivo das matinês: Godzilla. Uma anedota contada entre cinéfilos japoneses brinca com o relacionamento dos cineastas.
Amigos de juventude, mesmo quando o trabalho os mantinha afastados, encontravam-se sempre no mesmo restaurante, pelo menos uma vez por ano. Na confraternização de 1954 a conversa teria sido a seguinte:

Honda: Akira, meu amigo! Há quanto tempo! Como é bom te ver!


Kurosawa: Muito bom te ver também, Ishiro! E o momento pede comemoração, pois acabo de finalizar “Os Sete samurais”!

Honda: Que ótima notícia, Akira!

Kurosawa: E você, Ishiro? Quero saber das novidades! O que você tem feito meu amigo?



Honda: Eu também estou muito feliz, Akira! Acabo de terminar “Godzilla”.

Kurosawa (disfarçadamente olhando para os lados): Você acha que chove hoje, Ishiro?


Embora divertida, a piada reflete mais o preconceito dos fãs do cinema dito “de arte” do que a realidade. Ambos nutriam respeito um pelo outro e admiravam-se mutuamente.


Conta-se que Kurosawa teria sugerido a Honda uma visita a Hiroshima para encontrar idéias para seu projeto ainda embrionário e que, anos depois, se tornaria “The H-man(1958)”, ficção científica inspirada no clássico B “A Bolha”, escondendo nas entrelinhas uma crítica aos bombardeios a Hiroshima e Nagasaki, assunto ainda tabu e engasgado na garganta do povo japonês. O pesadelo atômico como uma das marcas do “pai dos piores temores de Tóquio” teria surgido ai.

Honda, por sua vez, teria indicado ao colega certo jovem ator, um pouco indisciplinado, mas muito talentoso. Seu nome? Toshiro Mifune.
 
Lendas a parte, a parceria entre os dois mestres durou até a morte de Kurosawa. Clássicos como Ran, Sonhos e Rapsódia em Agosto, entre outros, tem Honda como produtor e até sua colaboração técnica.


Realizado pela dupla, Nora Inu/Stray Dog (1949), no Brasil “Cão Danado”, inaugura o cinema NipoNoir. O roteiro teria sido escrito pelo jovem Kurosawa como uma novela inspirada em George Simenon.


A trama gira em torno de uma pistola 45 roubada e depois utilizada em uma série de assassinatos misteriosos. Seu dono é o detetive Murakami, interpretado pelo jovem Toshiro Mifune. No Japão do pós-guerra, decidido a criar uma cultura pacifista depois da derrota frente aos aliados e a tragédia nuclear, poucos eram os oficiais da lei com direito a portar armas de fogo.
Como o samurai que perde sua espada, o policial que tem seu armamento extraviado é atingido em seu orgulho. Recuperá-lo é questão de honra.
É a deixa para que Murakami dê início a uma caçada implacável pelo submundo de Tóquio. A jornada sombria tem como mote: “O cão danado (prefiro vira-latas) só enxerga o que ele caça.”
Grande filme lançado por aqui com distribuição da Europa Filmes e também parte daquele Box do Kurosawa que saiu há coisa de uns dois anos. Vale a pena conferir.

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