sábado, 2 de novembro de 2013

O Ponto Chic e a Boemia Paulistana



Ponto de encontro da Boemia com a História.
Por César Alves

Se a História também aprecia o Happy Hour, em São Paulo escolheu o Ponto Chic como parada obrigatória. Essa é a impressão que temos ao ler Ponto Chic – Um Bar na História de São Paulo, de Angelo Iacocca. Um dos mais antigos e tradicionais bares da cidade, o Ponto Chic faz parte da vida noturna da cidade há mais de nove décadas.
Mais que um estabelecimento comercial, foi incorporado como parte do cotidiano e, principalmente, da vida noturna da metrópole com a qual sua trajetória se confunde. De sua inauguração, ainda nas primeiras décadas do século vinte, aos dias atuais, o Ponto Chic tem sido testemunha ocular e, em alguns casos, cenário  das mudanças políticas, estruturais, culturais e comportamentais ocorridas na cidade.
Muitos dos provocadores e agentes de tais transformações, tinham o estabelecimento como seu local preferido para momentos de lazer e ponto de encontro etílicos, nos quais, além de descontração, buscavam debater acontecimentos e ideias. Sendo assim, não é exagero supor que, entre uma rodada de chope e outra, algumas discussões e conversas que ali aconteceram, tiveram impacto não só sobre a vida dos paulistanos, como também de todos os brasileiros.

Inaugurado no número 27 do Largo do Paissandu por Odilio Cecchini, um italiano boêmio e fanático pelo Palestra Itália, o bar e lanchonete logo se tornou parte importante da vida noturna que se desenvolvia ao longo da Avenida São João. Ali se encontravam a maioria dos cinemas, teatros, confeitarias e casas noturnas. Foi fundado pouco depois da Semana de Arte Moderna de 1922 e, entre os primeiros dos muitos notáveis que fariam parte de sua clientela, estavam os modernistas Oswald de Andrade e Sérgio Milliet. Em seus anos dourados, que vão da década vinte ao final dos anos sessenta, passaram pelo Ponto Chic artistas do circo, celebridades do cinema e da televisão, jornalistas, advogados, políticos, escritores, empresários e socialites, numa lista estelar que traz nomes como Anselmo Duarte, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Lygia Fagundes Telles, Jorge Mautner, Antônio Bivar, Inácio de Loyla Brandão, que escreve o prefácio, entre outros. Adoniran Barbosa costumava se encontrar com os parceiros do Demônios da Garoa nas mesas do Ponto Chic e ali teria começado ou finalizado algumas de suas famosas composições como “Viaduto Santa Ifigênia”. Era também ponto de encontro de profissionais do futebol que para lá rumavam depois dos jogos no Pacaembu. As histórias envolvendo partidas marcantes, negociatas entre dirigentes dos times, jogadores boêmios e discussões entre torcedores afoitos representam alguns dos melhores momentos do livro.

O ambiente, no entanto, sempre foi democrático e ali também se encontravam populares como taxistas, bancários, professores e também representantes do submundo como prostitutas, cafténs e malandros. Teriam sido estes frequentadores os responsáveis por chamar o local de “ponto de gente chique” que, depois de abreviado para Ponto Chic, foi adotado pelos proprietários como nome oficial.

Casa oficial do Bauru

Os estudantes de direito da São Francisco são parte importantes dessa história. Jovens ainda anônimos, eles estavam entre os primeiros a adotar o estabelecimento como ponto de encontro e, no futuro, muitos teriam seus nomes incorporados à história do país. Um deles, Casimiro Pinto Neto, ficaria famoso como locutor do noticioso O Repórter Esso de São Paulo, mas seu nome seria eternizado como o criador do mais paulistano dos lanches. Apelidado pelos colegas Bauru, em referencia a sua cidade natal, em um dia de muita fome, Casimiro pediu ao sanduicheiro que abrisse um pão francês, tirasse o miolo e botasse queijo derretido dentro. Notando a falta de albumina, proteína e vitamina, o estudante completou o lanche com umas fatias de rost beef e rodelas de tomate. Os colegas o imitaram pedindo: “Me vê um do Bauru!” Nascia assim, sua Excelência, o Bauru.

Através de depoimentos de funcionários, frequentadores célebres e anônimos e uma profunda pesquisa, Iacocca parte da trajetória do Ponto Chic para traçar um histórico não só de São Paulo como da sociedade brasileira durante o século vinte, colaborando para fazer deste Ponto Chic - Um Bar na História de São Paulo  leitura deliciosa entre a uma ressaca e outra.  

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