Mostrando postagens com marcador São Paulo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador São Paulo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

São Paulo na ótica do Flaneur – O Coração da Pauliceia Ainda Bate



São Paulo na ótica do Flaneur

Reunindo artigos inéditos e outros publicados em jornais, O Coração da Paulicéia ainda bate revela o olhar apaixonado de José de Souza Martins sobre a história, personagens, gentes e ruas da cidade de São Paulo.
Por César Alves

Ocupante da cadeira de número 22 na Academia Paulista de Letras, doutor em Sociologia pela USP e professor aposentado da mesma universidade, o escritor José de Souza Martins é também um mestre na arte do flâneur.
Palavra de origem francesa, derivada de flâner que pode ser traduzida para o português como “passear”, embora o verbo passear seja incapaz de resumir todas as particularidades e características do termo francês, objeto de estudo de Walter Benjamin e, antes dele, Charles Baudelaire. Correndo o risco de ser simplista demais em minha tentativa de explicação, o passeio do flâneur vai muito além do vagar pela cidade, aproximando-se do ato de se deixar perder por suas ruas com o olhar atento, entre o deslumbre, o encantamento e o desejo de decifrar seus mistérios. É este o olhar que se percebe durante a leitura de O coração da paulicéia ainda bate, obra que reúne crônicas inéditas e outras publicadas ao longo de nove anos na coluna assinada pelo autor no caderno Metrópole do jornal O Estado de São Paulo.
Atento aos detalhes e nuances da maior cidade da América do Sul, o professor José de Souza Martins traduz na sua prosa de excelente cronista, instantâneos captados pela ótica do poeta que busca inspiração na arquitetura, nas ruas, nas personagens, nas questões sociológicas e, principalmente, na história. “Na praça em frente, o largo da Liberdade, existia o pelourinho, símbolo da autonomia municipal e da justiça, destinado ao suplício de escravos condenados ao castigo público. Por isso o bairro foi conhecido como o bairro do quebra-bunda, referência aos cativos que dali saiam descadeirados(...). Dizia-se que São Paulo era uma cidade esquisita. A rua Direita era torta, o cemitério ficava na Consolação e a forca na Liberdade”.
Leitor das ruas e fotógrafo do espírito urbano e sociológico, o autor deixa-se perder pelas ruas da metrópole em busca de seus infinitos mistérios, estampados nos contornos de casarões e prédios antigos e arranha-céus modernos; na arte que se espalha feito museu a céu aberto, muitas vezes, sem ser notada pelos que por ali apressadamente passam; nos olhos dos atores que juntos protagonizam o drama da São Paulo de nossos dias e também nos fantasmas daqueles que o protagonizaram no passado e, de alguma forma, por ali ainda vagam. Assim como o é a alma de sua musa, os textos de Martins passeiam por histórias que se confundem entre o cômico e do trágico, passando pelo primeiro carnaval, o de 1856; a triste história de Dona Yayá, rica órfã, declarada louca em 1919, aprisionada na própria casa por mais de 40 anos “até receber o habeas corpus tardio da morte”; e o assassinato, em 1906, de uma filha pelo pai, ex-governador, que se suicidou em seguida, para impedir-lhe o casamento incestuoso com o poeta Batista Cepelos também seu filho com uma ex-escrava, fato que beira a mais trágica das tragédias gregas.
Com prefácio do poeta Paulo Bonfim, a quem a obra é dedica, e ilustrado com mapas, propagandas e fotografias, O coração da Pauliceia ainda bate chega como uma das mais belas e interessantes obras dedicadas à cidade de São Paulo produzida nos últimos anos. Altamente recomendável.

Serviço:
O Coração da Pauliceia Ainda Bate
Autor: José de Souza Martins
Editora: Unesp e Imprensa Oficial

427 páginas

sábado, 2 de novembro de 2013

O Ponto Chic e a Boemia Paulistana



Ponto de encontro da Boemia com a História.
Por César Alves

Se a História também aprecia o Happy Hour, em São Paulo escolheu o Ponto Chic como parada obrigatória. Essa é a impressão que temos ao ler Ponto Chic – Um Bar na História de São Paulo, de Angelo Iacocca. Um dos mais antigos e tradicionais bares da cidade, o Ponto Chic faz parte da vida noturna da cidade há mais de nove décadas.
Mais que um estabelecimento comercial, foi incorporado como parte do cotidiano e, principalmente, da vida noturna da metrópole com a qual sua trajetória se confunde. De sua inauguração, ainda nas primeiras décadas do século vinte, aos dias atuais, o Ponto Chic tem sido testemunha ocular e, em alguns casos, cenário  das mudanças políticas, estruturais, culturais e comportamentais ocorridas na cidade.
Muitos dos provocadores e agentes de tais transformações, tinham o estabelecimento como seu local preferido para momentos de lazer e ponto de encontro etílicos, nos quais, além de descontração, buscavam debater acontecimentos e ideias. Sendo assim, não é exagero supor que, entre uma rodada de chope e outra, algumas discussões e conversas que ali aconteceram, tiveram impacto não só sobre a vida dos paulistanos, como também de todos os brasileiros.

Inaugurado no número 27 do Largo do Paissandu por Odilio Cecchini, um italiano boêmio e fanático pelo Palestra Itália, o bar e lanchonete logo se tornou parte importante da vida noturna que se desenvolvia ao longo da Avenida São João. Ali se encontravam a maioria dos cinemas, teatros, confeitarias e casas noturnas. Foi fundado pouco depois da Semana de Arte Moderna de 1922 e, entre os primeiros dos muitos notáveis que fariam parte de sua clientela, estavam os modernistas Oswald de Andrade e Sérgio Milliet. Em seus anos dourados, que vão da década vinte ao final dos anos sessenta, passaram pelo Ponto Chic artistas do circo, celebridades do cinema e da televisão, jornalistas, advogados, políticos, escritores, empresários e socialites, numa lista estelar que traz nomes como Anselmo Duarte, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Lygia Fagundes Telles, Jorge Mautner, Antônio Bivar, Inácio de Loyla Brandão, que escreve o prefácio, entre outros. Adoniran Barbosa costumava se encontrar com os parceiros do Demônios da Garoa nas mesas do Ponto Chic e ali teria começado ou finalizado algumas de suas famosas composições como “Viaduto Santa Ifigênia”. Era também ponto de encontro de profissionais do futebol que para lá rumavam depois dos jogos no Pacaembu. As histórias envolvendo partidas marcantes, negociatas entre dirigentes dos times, jogadores boêmios e discussões entre torcedores afoitos representam alguns dos melhores momentos do livro.

O ambiente, no entanto, sempre foi democrático e ali também se encontravam populares como taxistas, bancários, professores e também representantes do submundo como prostitutas, cafténs e malandros. Teriam sido estes frequentadores os responsáveis por chamar o local de “ponto de gente chique” que, depois de abreviado para Ponto Chic, foi adotado pelos proprietários como nome oficial.

Casa oficial do Bauru

Os estudantes de direito da São Francisco são parte importantes dessa história. Jovens ainda anônimos, eles estavam entre os primeiros a adotar o estabelecimento como ponto de encontro e, no futuro, muitos teriam seus nomes incorporados à história do país. Um deles, Casimiro Pinto Neto, ficaria famoso como locutor do noticioso O Repórter Esso de São Paulo, mas seu nome seria eternizado como o criador do mais paulistano dos lanches. Apelidado pelos colegas Bauru, em referencia a sua cidade natal, em um dia de muita fome, Casimiro pediu ao sanduicheiro que abrisse um pão francês, tirasse o miolo e botasse queijo derretido dentro. Notando a falta de albumina, proteína e vitamina, o estudante completou o lanche com umas fatias de rost beef e rodelas de tomate. Os colegas o imitaram pedindo: “Me vê um do Bauru!” Nascia assim, sua Excelência, o Bauru.

Através de depoimentos de funcionários, frequentadores célebres e anônimos e uma profunda pesquisa, Iacocca parte da trajetória do Ponto Chic para traçar um histórico não só de São Paulo como da sociedade brasileira durante o século vinte, colaborando para fazer deste Ponto Chic - Um Bar na História de São Paulo  leitura deliciosa entre a uma ressaca e outra.