Bendita era a Senhor.
Periódico que mudou a cara de nosso jornalismo impresso, a revista
Senhor está de volta em livros que contam sua trajetória e compilam alguns de
seus melhores artigos organizados por Ruy Castro.
Por César Alves
Em 1959 o país ainda respirava os
ares de modernidade insuflados pelo governo Juscelino Kubitschek. A construção
de Brasília e o surgimento de movimentos estéticos como a Bossa Nova e o Cinema
Novo, entre outros, davam a impressão de que um outro Brasil começava a nascer.
Na esteira dessa nova nação, notava-se também a presença de um novo brasileiro.
Maduro e mais sofisticado, ele se interessava por política, livros, cinema,
música e viagens. Estava em sintonia com seu tempo e, portanto, carente de uma
publicação brasileira que refletisse seus gostos e hábitos. Sócios da editora
Delta-Larousse, Simão e Sérgio Waissman identificavam-se com este público e
assumiram a missão de atender a essa reivindicação.
Sua ideia era criar um veículo
direcionado a profissionais liberais, com bom poder aquisitivo, que valorizasse
o texto e a criatividade na produção gráfica e, ao mesmo tempo, funcionasse
como um cartão de visitas de sua marca junto a seus clientes. Para assumir o
posto de editor e redator-chefe, convidaram Nahum Sirotsky que trouxe consigo a
equipe e o conceito estético editorial que colocariam as revistas brasileiras
em pé de igualdade com o que de melhor era produzido na imprensa internacional.
Com as águas de março que fecharam o verão daquele ano, chegou também às nossas
bancas a primeira edição da revista
Senhor – ou Sr. A Revista do Senhor,
como era intitulada no início – destinada a atender justamente aos gostos deste
novíssimo homem brasileiro e que acabou também por mudar a cara de nosso
jornalismo cultural. Quase meio século desde sua derradeira edição, Senhor está
de volta, agora em dois livros, com o lançamento de Uma Senhora Revista e O
Melhor da Senhor.
Concebidos por Maria Amélia Mello
e organizados por Ruy Castro, ambos merecem desde já figurar entre os mais gratificantes
lançamentos do ano. Não só por atender a uma antiga reivindicação dos
saudosistas do periódico, mas, principalmente, por disponibilizar para as novas
gerações, alguns dos momentos mais brilhantes de nossa imprensa escrita e
literatura. Em seus cinco anos de existência, passaram pela redação de Senhor,
nomes como Paulo Francis, Carlos Scliar, Nahum Sirotsky, Jaguar, Luiz Lobo e
Ivan Lessa, que formaram o núcleo criativo responsável pelo conceito estético e
editorial que seriam sua marca até o fim. O time de colaboradores forma uma
lista de notáveis que aqui ocuparia toda uma página, merecendo destaque Jorge
Amado, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Clarice
Lispector, Glauber Rocha, Darcy Ribeiro, Zuenir Ventura, Carlos Drummond de Andrade,
Vinicius de Moraes, Luiz Carlos Maciel, Ferreira Gullar, Otto Lara Resende,
Otto Maria Carpeaux, entre outros.
O primeiro volume, Uma Senhora Revista, dedica-se a contar
a história da Senhor através daqueles que a fizeram. Os artigos são escritos pelos
principais protagonistas da aventura editorial, em textos assinados por Naum
Sirotsky, Paulo Francis, Luiz Lobo e Ivan Lessa. Como escreve Ruy Castro na
introdução do livro, Senhor já nasce pronta. Desde o primeiro número a revista
já dizia a que vinha. Assuntos mais sérios como economia e política ficavam a
cargo da dupla Naum Sirotsky e Paulo Francis que também era responsável pela
crítica cultural e literária e por selecionar os contos e novelas de autores
nacionais e internacionais publicados mensalmente na Senhor. O design gráfico
revolucionário, que acabou por angariar prêmios internacionais na época, vinha
de Carlos Scliar. Os cartuns de Jaguar e o texto de Luiz Lobo imprimiam a dose
de humor que se tornaria referencia em publicações futuras e característica
evidente já na apresentação de sua primeira edição.
Apesar de ser um veículo
destinado ao público masculino, seu primeiro editorial era destinado às
leitoras. Iniciava-se com um respeitoso “Minhas
Senhoras” e dizia que, apesar de ser uma revista masculina, a Senhor era
direcionada às mulheres, uma vez que eram elas na verdade quem compravam ou
condenavam uma revista à morte. Em seu auge, devido ao número de leitores que
se ofereciam para escrever na revista, partiu de Jaguar e Lessa o anúncio “O
leitor também pode colaborar com a Senhor, comece escrevendo aqui:”. O “aqui”
guiava o leitor para um cupom para adquirir uma assinatura da revista.
Bendita também pelo que tinha de
maldita, a publicação fez história, valorizando a criatividade, o bom texto, a
ousadia gráfica e contando com um time de bambas de nosso jornalismo e
literatura. A seleção de reportagens, artigos, contos e reproduções de capas,
anúncios e ensaios fotográficos realizada por Ruy Castro para O Melhor da Senhor, faz deste volume a cereja
do bolo. Estão no livro as beldades, devidamente vestidas, mas, nem por isso,
desprovidas do poder da sedução, que faziam a cabeça dos marmanjos, como Odete
Lara linda e deliciosamente esparramada na beira da piscina. Otto Maria
Carpeaux narra seus encontros com Franz Kafka. Em seu único diálogo com o autor
de O Processo, Carpeux não teria
compreendido a pronuncia do nome e a conversa teria transcorrido da seguinte
forma: “KAUKA.” “Como é o nome?” “KAUKA!” “Muito prazer”. O leitor vai se
deleitar com o brilhante artigo de Armando Nogueira em num clássico da crônica
esportiva, intitulado Didi: O Homem Que
Passa, e Glauber Rocha discorrendo sobre as ousadias cinematográficas de
Luis Buñuel.
A literatura era um dos
principais focos de Senhor que trouxe em suas páginas autores como Clarice
Lispector, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, entre outros, em
contos e novelas, alguns inéditos, como A
Morte e A Morte de Quincas Berro D´Água, do criador de Gabriela, Tiêta e
dos Capitães da Areia. Também foram traduzidos, exclusivamente para a revista,
textos de Kafka, Truman Capote, Dorothy Parker e muitos outros, alguns destes
autores sendo apresentados pela primeira vez ao leitor brasileiro.
No auge, a revista contava com 45
mil assinantes e média de 20 a 30 páginas de anúncios para cerca de 100 de
editorial, chegando a ser difícil entender como um projeto editorial como este
chegou ao fim. A derrocada da revista, no entanto, está mais ligada às
incertezas políticas e econômicas que assolaram o país a partir da década de
sessenta do que à má administração. A Senhor não sobreviveu para ver o período
sombrio representado pelo golpe militar, ocorrido dois meses depois de seu
último suspiro. Porém, não é errado dizer que a revista está na raiz de todo o
jornalismo de resistência – em maior ou menor grau – representado pela imprensa
alternativa surgida nos meses e anos subsequentes. Muitos de seus colaboradores
estiveram por traz de títulos como O Pasquim, A Flor do Mal e outros. É
possível detectar sua influência no melhor que nossa imprensa escrita produziu
depois. O lançamento da Imprensa Oficial é, sem sombra de dúvida, certeza de
leitura prazerosa e deleite visual, graças ao belo acabamento gráfico,
reprodução de capas, fotos e anúncios publicitários da época. Aos colegas de
profissão e estudantes da área, a obra representa aquisição obrigatória, tanto
como fonte de pesquisa, como de inspiração. Nós, que tanto amamos este ofício –
por vezes ingrato, mas sempre prazeroso –, oremos: Senhor, olhai por nós!
Serviço: O Melhor da Senhor – 412 páginas; Uma Senhora Revista – 108
páginas. Lançamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
(texto publicado originalmente na revista Brasileiros)
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