quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Friedrich Schiller – Do Sublime ao Trágico



Friedrich Schiller – Do Sublime ao Trágico

Destaque da 26ª edição da revista Cenário, lançamento da Autêntica joga luz sobre os conceitos estéticos de um dos maiores nomes do Romantismo alemão.
Por César Alves

Em meados do século dezoito, a beleza mostrou-se insuficiente para descrever o que faz da criação artística uma obra de arte. Mais do que os valores impressos na proporção e conveniência que convergem em delicadeza, pureza, clareza de cor, graça e elegância, a experiência estética também exigia o desafio aos sentidos, “(...) aquilo que produz a mais forte emoção que o espírito é capaz de sentir”, como descreve Edmund Burke em sua Pesquisa filosófica sobre a origem de nossas idéias do Sublime e do Belo, publicado em 1759. Assim, em reação ao Belo artístico, o conceito de Sublime ganha a atenção dos estudiosos e apreciadores das belas artes.
O Sublime, na definição de Burke, caracterizava-se por provocar em quem aprecia um quadro ou uma obra literária emoções antagônicas de admiração e terror. Tal conceito não era exatamente uma novidade, tendo em vista que já havia sido proposta, séculos antes, por Pseudo-Longino, autor de um tratado sobre o Sublime, escrito na era Alexandrina, que circulava entre intelectuais setecentistas. O autor britânico também não foi o único pensador da época a se debruçar sobre o tema e é na Crítica da faculdade de juízo (1790), de Emmanuel Kant, que as diferenças entre o Belo e Sublime são definidas com precisão.

Vem da leitura de Kant o interesse de Friedrich Schiller pelas manifestações do Sublime na arte, objeto de alguns de seus mais importantes escritos teóricos, publicados nas revistas Neue Thalia e Die Horen – em parceria com Goethe – e depois revistos nas suas obras completas. O artigo Do Sublime ao Trágico, publicado recentemente no Brasil pela editora Autêntica, está catalogado entre suas diversas e importantes contribuições para as pesquisas e estudos sobre estética.
Para o autor, assim como o é para Kant, a experiência Sublime remete à natureza e nossos instintos naturais. Ao contrário do Belo, cuja atração está ligada a um sentimento nato que nos leva ao deleite frente ao que parece agradável e organizado aos nossos olhos, o Sublime instiga nossa natureza física e racional. Diante do objeto Sublime, como seres físicos, dotados de corpos frágeis que podem ser feridos por uma avalanche ou tempestade, despertamos para nossa inferioridade frente à magnitude do mundo natural; e, como criaturas racionais, capazes de sobrepujar e alterar a natureza, experimentamos de uma liberdade que vai além dos limites.
Schiller também chama a atenção para a característica diversa do Sublime em suas representações artísticas. É possível experimentar o Sublime de forma passiva, como quando observamos o Viajante diante do mar de nuvens (1818), de Caspar David Friedrich; ou de forma direta, tomado pelas águas ameaçadoras que levam ao naufrágio a embarcação da cena pintada por William Turner em O Navio Negreiro (1840), exemplos deste que vos escreve.

Segundo ele, o distanciamento proporcionado pela reprodução em um quadro é o que faz da experiência Sublime nas artes superior a Natureza. Como no caso do segundo exemplo, quem aprecia a cena de Turner, uma vez distante do evento trágico, pode provar do horror do episódio e racionalizá-lo, o que seria impossível fazê-lo estivesse ele no lugar das vítimas ali representadas.
Ao contrário do Belo, a experiência do Sublime não seduz e sim provoca. Apela para nossos instintos de sobrevivência e autopreservação e, ao mesmo tempo, para nossa razão, o que torna o gosto pelo Sublime uma característica dos espíritos mais elevados.

Serviço:
Do Sublime ao Trágico
Autor: Friedrich Schiller
Tradução: Pedro Sussekind e Vladimir Vieira
Editora: Autêntica
128 páginas

(O artigo faz parte da edição de número 26 da revista Cenário, atualmente em circulação: www.revistacenario.art.br)



sábado, 30 de julho de 2016

O Homem que Desenhava Gatos - Louis Wain



Louis Wain ou a Trágica História do Homem que Desenhava Gatos

Popular, na Inglaterra Vitoriana, como criador de simpáticos cartões postais estrelados por felinos, o artista passou seus últimos anos internado em clínicas psiquiátricas, devido à esquizofrenia.
Por César Alves

Talvez você nunca tenha ouvido falar de seu nome, mas certamente já tenha visto uma reprodução de seus desenhos de início de carreira: cartões postais e imagens cotidianas estreladas por gatos em situações humanas. Ilustrador popular e respeitado na Inglaterra Vitoriana, Louis Wain (1960-1939) é conhecido como “o homem que desenhava gatos” e um caso ainda hoje estudado por especialistas e estudantes das ciências neurológicas.
Como ilustrador, seu talento para o desenho ganhou reconhecimento, não só pela beleza de seu traço e acabamento, como também por sua criatividade para compor peças com apelo infantil e temática, quase sempre adultas.

Recluso e muito ligado à sua família, sua vida e sua obra viriam a mudar drasticamente, após passar por tragédias como as mortes da irmã, da mãe e de sua esposa, num curto espaço de tempo. A eclosão da Primeira Guerra Mundial teria sido a gota d´água para um colapso nervoso que o levaria a um estado esquizofrênico progressivo, aos 64 anos. Depois disso, o artista passaria o resto de sua vida como interno em diversas instituições mentais.
Se a doença condenou o artista a uma vida de depressão, clausura e sofrimento, sua dedicação ao trabalho e sua fixação por gatos, no entanto, mantiveram-se intactas. Seu estilo, porém, tomou outra direção.
Quase como um espelho do que ocorria em sua mente, os gatos antropomórficos de Wain, a partir daí, ganham características estranhas que parecem evoluir conforme evoluía sua esquizofrenia. Os gatos dissolvem-se em abstrações e coloridos caleidoscópicos, chegando a antecipar a arte experimental – muitas vezes, sob o efeito de drogas – e psicodélica dos anos 60.
Mas são os olhos de seus gatos, criados durante essa fase, que mais impressionam. Depois da esquizofrenia, os felinos, antes simpáticos e sorridentes, agora parecem olhar fixamente, com fúria, desprezo e desconfiança para quem os observa. Reflexo, dizem especialistas, da própria doença, tendo em vista que os pacientes de esquizofrenia costumam projetar nos olhares dos outros sentimentos de hostilidade e ameaça.
Louis Wain morreu numa clínica psiquiátrica em 1939, mas sua obra, pelo menos para este que vos escreve, tornou-se eterna, tanto no sentido estético, quanto clínico.


terça-feira, 28 de junho de 2016

Ryunosuke Akutagawa, o Mestre da Narrativa Breve



Sob o signo do Dragão

Pai do conto japonês, influência para o cinema de Akira Kurosawa e um dos arquitetos da literatura moderna de seu país, Ryunosuke Akutagawa volta às livrarias brasileiras em nova tradução e textos inéditos.
Por César Alves

Descrito como uma mistura de réptil com marsupial de corpo humanoide e baixa estatura, o Kappa é quase uma espécie de Chupa-Cabras dotado do mesmo espírito zombeteiro de nosso Saci.
Parte das lendas da cultura milenar japonesa, conta-se que vive a espreita na beira dos rios para pregar peças nos viajantes que passam.  Permeado por criaturas fantásticas assim, o rico folclore nipônico deu a ele uma reputação duvidosa. Apesar da aparência engraçada que muitas das descrições podem sugerir, o hábito de afogar pescadores e banhistas desatentos faz do Kappa criatura traiçoeira. Tal característica pode estar entre os motivos que levaram Ryunosuke Akutagawa a escolher os Kappas como protagonistas do conto alegórico que abre a coletânea Kappa e o Levante imaginário, lançamento da editora Estação Liberdade.
Publicado em 1927, Kappa é um dos últimos textos conhecidos de Akutagawa. Narrado por um interno em um hospital psiquiátrico que alega ter sido levado ao mundo dos kappas e convivido com as criaturas, a trama gira em torno de seu relato fantástico.
Denominado apenas como Paciente de número 23, ele descreve uma sociedade não muito diferente da dos humanos, mas com características muito particulares. Um bebê kappa, por exemplo, já nasce falando e, no momento do parto, é questionado se está pronto ou não para vir ao mundo. Sendo a resposta negativa, um tubo é inserido no ventre da mãe e seu conteúdo sugado, como que esvaziando a um balão. Embora suas religiões sejam as mesmas que as nossas, a mais influente é a Modernista ou Vitalista. Conforme o personagem descobre durante visita a um de seus templos, seus seguidores têm como apóstolos Strindberg, Nietzsche, Tolstói, Doppo Kunikida e Wagner.
Sob o divertido e inocente disfarce de fábula infantil, o texto esconde uma contundente crítica à sociedade moderna. Na época de sua publicação, foi acusado de ser um manifesto em defesa do socialismo, pelo qual Akutagawa nutria simpatia. Uma das críticas, no entanto, enxergava em suas linhas uma visão sombria em relação à humanidade como um todo, ganhando aprovação do autor como a leitura mais próxima de suas intenções.
Akutagawa e Kurosawa
Celebrado como o pai do conto japonês e mestre da narrativa curta, sua escrita é marcada pela preocupação detalhista ao descrever ambientes, épocas e situações. Em sintonia com a nova literatura praticada na época, fruto da liberdade criativa proposta pelas vanguardas ocidentais, seu estilo abre espaço para experiências no que diz respeito à forma e conteúdo. Em No Matagal, por exemplo, a investigação do assassinato de um samurai nos apresenta o mesmo fato pela ótica de sete personagens diferentes, em um caso de mistério onde nada é o que parece ser. Sua maestria na condução da trama prende o leitor e oferece um final surpreendente. Quase uma transposição da literatura policial do ocidente para o Japão feudal, o conto forneceu a Akira Kurosawa o enredo para o premiado Rashomon, filme dirigido por ele em 1950 e que entrelaça em adaptação para o cinema dois contos de Akatagawa – o outro, do qual o cineasta tirou o título, também está presente aqui.
Os dez contos que compõem Kappa e o Levante imaginário revelam a versatilidade e ecletismo de um autor apaixonado por seu ofício. Desde a infância, Akutagawa encontrou refugio nos livros. De forma compulsiva, leu todos os títulos da biblioteca da família, composta praticamente de literatura antiga japonesa e chinesa. Homem de seu tempo sofreu também influência de autores ocidentais como Ibsen, Strindberg, Baudelaire, Oscar Wilde e outros. A forma como combinou tais referências para criar uma obra única e original, faz dele um dos principais arquitetos na construção da moderna literatura japonesa. Seja na fase feudal de Os Salteadores, ou na nação moderna que despontava no início do século XX de Rodas dentadas, é sempre o Japão a fornecer o ambiente pelo qual o autor passeia com desenvoltura. Não é a toa que seu nome batiza hoje o mais importante prêmio literário de seu país.
Breve e trágica, vida refletiu na obra
Não espere por fábulas edificantes ao entrar no universo de Ryunosuke Akutagawa. Se existe uma moral da história aqui, é a amoralidade incrustada nas profundezas do espírito humano. Na maioria das vezes, seus personagens são criaturas à margem e prontas a mentir e até realizar atrocidades, alguns por puro deleite pessoal, outros, em nome da sobrevivência ou em situações limite que os colocam em confronto com o lado mais sombrio de sua natureza. Como descobre o servo solitário que protagoniza Rashomon, “não há espaço para escrúpulos quando se quer remediar uma situação irremediável”.
Reconhecida hoje como uma das principais colaborações do Japão à literatura universal, a obra de Ryunosuke Akutagawa possui forte traço autobiográfico. Sua percepção aguçada e negativa em relação à índole humana é fruto de sua origem e vivência pessoal. Nascido em 1892, o autor veio ao mundo em meio a um país que tentava se afirmar como parte da comunidade internacional, apenas quarenta anos após a revogação do xogunato, responsável por trezentos anos de isolamento e estagnação. Na época, o Japão praticamente se dividia em dois mundos distintos: Um que tentava se recuperar do atraso e firmar os pés na modernidade, importando tecnologia e sendo invadido pela cultura ocidental; e outro que rejeitava adaptar-se aos novos tempos, mantendo-se fiel às tradições e superstições que regiam o período feudal, caso de sua família.
O autor teria nascido no ano do dragão, no dia do dragão e na hora do dragão. Para completar, as idades de seus pais na época, segundo os conceitos numerológicos de suas crenças, eram representativas de mau agouro, o que o tornava duplamente amaldiçoado. Pela tradição, a criança deveria ser abandonada a própria sorte. Tentando enganar os deuses, sua família bolou um estratagema que consistia em deixá-lo em local conhecido para que um amigo o encontrasse e o levasse para casa, o que foi feito. Vitimada pela loucura, sua mãe veio a falecer poucos anos após seu nascimento, sendo seguida pelo pai meses depois. Isso colaborou para que fosse considerado de sangue ruim e destinado ao fracasso, tornando-se quase um pária em seu núcleo social.
Criado por um tio, Akutagawa cresceu sob a marca da rejeição, sentimento que o acompanhou por toda a vida e que, ao lado do medo de ter herdado da mãe o gene da loucura, contribuiu para o quadro depressivo que pontuou sua trajetória e refletiu em sua literatura. Sofrendo de abatimento nervoso, problemas gastrointestinais e ataques de alucinações, o autor morreu aos 35 anos de overdose de cianeto de potássio. Era sua terceira tentativa de suicídio. Em nota de despedida, escreveu: “Por mais paradoxal que pareça, agora que estou pronto, acho a natureza mais bela do que nunca. Vi, amei e compreendi mais que os outros.”


Serviço: Kappa e o Levante imaginário, tradução Shintaro Hayashi, Editora Estação Liberdade, 352 páginas.

Publicado originalmente na revista Brasileiros, em 13.10.2011

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Cinefilia na Alcova - Cinema Explícito




Cinefilia na Alcova

A representação cinematográfica do sexo através da história é tema de Cinema Explícito, livro de Rodrigo Gerace.
Por César Alves

Representado de forma sugerida, simulada ou explícita, o sexo divide a mesma alcova com o cinema, em cumplicidade lasciva, desde o surgimento do cinematógrafo. Ainda assim, poucos são os estudos sérios e aprofundados sobre o sexo no cinema a ir além das preliminares. Talvez, devido ao elevado nível de tabu e controvérsia que – surpreendentemente, em pleno século 21 – ainda gira em torno do tema, são poucos os estudiosos que ousam passar do flerte ou, diante do assunto, antecipar a broxada.
Não é o caso de Rodrigo Gerace, autor de Cinema Explícito – As Representações Cinematográficas do Sexo, lançado recentemente pela Editora Perspectiva em parceria com as Edições Sesc. Resultado de sua tese de doutorado, a obra faz justiça ao que se propõe, promovendo um mergulho aprofundado na maneira como o ato sexual vem sendo mostrado no cinema, do nascimento do gênero até os nossos dias.

Sociólogo e Crítico de Cinema, Gerace se viu seduzido pelo tema a partir de sua paixão pela sétima arte e, depois de assistir à exibição de Os Idiotas (1997), de Lars Von Trier, suas interrogações sobre o erótico e o pornográfico, o implícito e o explícito e o que faz uma película cinematográfica ser considerada obscena. A partir daí o autor empreendeu uma extensa pesquisa que incluiu assistir a cerca de mil filmes e uma jornada pela Europa em busca de museus e acervos de colecionadores particulares.
O autor parte dos primeiros filmes com temática “erótica”, ainda na fase inicial da sétima arte. Eram filmes como Sandow: Strong Man (1894) de Thomas Edson, que, de tão inocentes para os padrões de hoje em dia, dificilmente dá pra acreditar na polêmica que causaram. O Beijo (1896), dirigido por William Heise e também produzido por Edson, por exemplo, apresentava apenas um pequeno “selinho” entre dois atores que, na época, encenavam uma peça na Broadway. Por mais ingênua que a cena parece hoje em dia, uma vez deslocada do palco e apresentada em close-up, foi vista como tão obscena que um crítico de Chicago chegou a apelar para a polícia pela intervenção de sua divulgação, devido ao risco que a fita representava à moral e aos bons costumes.

Mas é bom lembrar que tratar como caso de polícia as manifestações da sensualidade na arte, já naquela época, não era bem uma novidade. Já em 1873 o congresso norte-americano aprovou o Ato de Supressão do Comércio e Circulação de Literatura Obscena e Artigos Imorais, que criminalizava a distribuição através dos correios de obras literárias, artigos censurados e qualquer material impresso cujo conteúdo fosse considerado contrário aos padrões morais da época. O conjunto de leis foi proposto pelo congressista, chefe dos correios e arauto da luta pela moralidade e controle da vida sexual alheia, Anthony Comstock. A Lei Comstock, como ficou conhecida, promovia uma verdadeira caçada a textos proibidos, como traduções clandestinas de Sade, por exemplo, mas também barrava textos médicos e panfletos sobre métodos contraceptivos.
Quem leu o brilhante livro reportagem de Gay Talese, A Mulher do Próximo – e, para quem não leu, fica aqui a dica –, deve se lembrar que a lei teve papel importante na repressão à livros como O Amante de Lady Chatterly, de D.H. Lawrence, e foi fundamental para barrar a publicação nos Estados Unidos de autores como James Joyce, por exemplo. A lei serviu também para impedir a difusão, através do correios, dos controversos Stag films, (aqui também analisados), que eram curtas de conteúdo erótico, produzidos na época do cinema mudo, como o argentino El Satario (1907), de autor desconhecido, e A Free Ride (1915), de A Wise Guy.  Mas viria de um ex-colaborador e pupilo de Anthony Comstock, o líder do Partido Republicano, William H. Hays, a verdadeira repressão ao sexo no cinema.

Aprovado em 1921 e em vigência até meados do século XX, o Código Hays impunha uma série de regras e condutas a serem seguidas pelos produtores de cinema, para que os filmes fossem exibidos, da sugestão de que um casal nunca poderia aparecer indo dormir no mesmo quarto, com exceção de quando eram casados e, mesmo assim, não na mesma cama, mas em camas separadas, até a duração de um beijo que, dos quatro segundos, na época da primeira publicação da lei, chegou a ser reduzido para um segundo e meio, a partir de 1930.
De O Cão Andaluz a Garganta Profunda
Mas Gerace não se limita a analisar o aparelho repressor do “empata foda jurídico” Estatal contra o sexo no cinema e, se o assunto são as representações do sensual e do erótico na grande tela, o autor promove um verdadeiro compêndio do que até aqui foi feito, tanto no cinema comercial das grandes salas, quanto no circuito independente Cult e underground, passando pela indústria pornô. É o caso de Garganta Profunda (1972), de Gerard Damiano, estrelado por Linda Lovelace, que causou polêmica no meio acadêmico e dividiu o movimento feminista entre aquelas que enxergavam no filme uma propaganda machista e falocêntrica, enquanto outras o viam como libertador e um marco contracultural do movimento pela liberdade e igualdade sexual. Reflexo disso ou não, Garganta Profunda ganhou admiração de gente como Truman Capote e, dos 25 mil dólares gastos para realizá-lo, acabou faturando 600 milhões de dólares em todo o mundo, consolidando o potencial financeiro da indústria cinematográfica do cinema adulto.

De O Cão Andaluz, de Dali e Buñuel, aos experimentos de Andy Warhol; de O Diabo em Miss Jones a Ninfomaníaca, de Lars VonTrier, passando por Pasolini, John Waters, o cinema gay e o movimento New Queer, mais que um registro histórico, o autor pautou-se pela analise sociológica e acadêmica e teve como referência não só os filmes e os registros publicados sobre eles, mas também a obra de grandes autores que também debruçaram-se sobre o tema, como Susan Sontag e, principalmente, Michel Foucault.
Mas não pense o leitor que Gerace limitou sua pesquisa às manifestações do sexo no cinema internacional, o Brasil não ficou de fora, com direito a um capitulo especial sobre a produção marginal da Boca do Lixo paulistana e a Pornochanchada.
Ricamente ilustrada, a obra nos oferece um deleite quase orgástico, graças ao excelente trabalho de pesquisa, a escrita nada cansativa e produção visual, com reproduções de cartazes pouco vistos e cenas antológicas dos filmes citados.
Rodrigo promete um livro sobre Lars Von Trier para os próximos meses. Então, ainda falaremos muito dele por aqui.

Serviço:
Título: Cinema Explícito
Autor: Rodrigo Gerace
Lançamento: Editora Perspectiva e Edições Sesc
320 páginas



segunda-feira, 14 de março de 2016

Sobre Mitos, Heróis e Deusas - Joseph Campbell



Sobre Mitos, Heróis e Deusas

Joseph Campbell vive nas livrarias brasileiras com a reedição de O Herói de Mil Faces, livro de cabeceira de roteiristas e mitólogos mundo afora, e a publicação de Deusas – Os Mistérios do Divino Feminino e As Transformações do Mito Através dos Tempos.
Por César Alves


Falecido em 1987, Joseph Campbell entrou para a história do século vinte como um dos mais importantes especialistas em mitologia universal, ganhando respeito e notoriedade no meio acadêmico e também no universo da indústria cultural, como o autor predileto de nove entre dez roteiristas de Blockbusters Hollywoodianos, principalmente depois de George Lucas citá-lo como referência na construção de sua saga Star Wars.

Embora sua bibliografia em português esteja longe de ser completa, já que o autor, além de seus trabalhos publicados em vida, deixou, sob os cuidados de instituição que leva o seu nome, uma enorme quantidade de textos, transcrições de palestras e entrevistas, que costumam render obras póstumas, Campbell possui uma boa quantidade de títulos publicados por aqui. A lista acaba de engrossar com a chegada às nossas livrarias de O Herói de Mil Faces, As Transformações do Mito Através dos Tempos e Deusas.

O primeiro, O Herói de Mil Faces (Editora Pensamento), é a reedição de sua obra mais conhecida e que despertou a atenção dos figurões da indústria do entretenimento. Publicado originalmente em 1949, o livro parte do conceito do “Monomito”, no qual é possível identificar pontos em comum e similaridades na estrutura lógica das narrativas antigas sobre diversos personagens míticos, em inúmeras culturas e povos, mesmo que separados na história, tanto no tempo como no espaço. Dos contos de fada e do folclore às narrativas sobre os feitos dos heróis mitológicos clássicos, passando também pelas narrativas bíblicas e livros sagrados das demais religiões, o autor defende que todas representam simultaneamente as várias fases de uma mesma história. Valendo-se da psicologia, estabelece o relacionamento entre seus símbolos intemporais e os símbolos detectados nos sonhos e a interpretação das palavras proferidas por grandes líderes espirituais, como Moisés, Jesus, Maomé, Lao-Tzu e os Anciãos das tribos australianas.
As Transformações do Mito Através do Tempo (Editora Cultrix) compila uma série de treze palestras ministradas por Campbell no final de sua vida que examinam o vasto campo do desenvolvimento da mitologia em todo o mundo e em todas as épocas. Ilustrado com imagens que acompanham as conferências originais, a obra expõe a compreensão de Campbell sobre como o mito reconcilia os seres humanos com os mistérios da vida.
Embora nunca tenha escrito um livro específico sobre as manifestações do divino feminino nas mitologias universais, Joseph Campbell tinha muito a dizer sobre o tema. Tanto que, entre 1972 e 1986 ministrou cerca de 20 palestras dedicadas ao tema que a especialista e editora Safron Rossi reuniu no ótimo Deusas – Os Mistérios do Divino Feminino (Editora Palas Athena). Aqui Joseph Campbell traça a evolução do divino feminino desde a Grande Deusa até as muitas deusas da Antiga Europa do Neolítico até a Renascença. Lança nova luz sobre temas clássicos e revela seus símbolos das energias arquetípicas de transformação, iniciação e inspiração.
Ainda hoje considerado uma das maiores autoridades em mitologia, Joseph Campbell teve seu interesse pelo tema despertado ainda na infância, incentivado por seu pai, que costumava levá-lo ao Museu Americano de História Natural de Nova York, onde, maravilhado, tomou contato com impressionantes coleções antropológicas. Embora tenha começado seus estudos na área da biologia e matemática, dirigiu os seus estudos acadêmicos para a literatura inglesa e literatura medieval, tema de seu mestrado na Universidade de Columbia.
Também é autor das Séries As Máscaras de Deus (Palas Athena) e O Poder do Mito.




Serviço:
Título: O Herói de Mil Faces
Autor: Joseph Campbell
Editora: Pensamento
416 páginas

Título: As Transformações do Mito Através do Tempo
Autor: Joseph Campbell
Editora: Cultrix
264 páginas

Título: Deusas – Os Mistérios do Divino Feminino
Autor: Joseph Campbell
Editora: Palas Athena


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Dramaturgia Elizabetana - Barbara Heliodora (Livro)




Além de Shakespeare

Organizado por Bárbara Heliodora, Dramaturgia Elizabetana reúne peças escritas por dois dos mais importantes contemporâneos do bardo.
Por César Alves

Em 15 de maio de 1593, Thomas Kyd foi preso, sob a acusação de alta Traição. Após passar por uma série de torturas, teria acusado Christopher Marlowe de ser o verdadeiro dono de documentos heréticos que estariam em seu poder. Preso, logo em seguida, Marlowe teria assumido a responsabilidade pelos papéis e, até onde se cogita, a passagem estaria diretamente ligada ao seu misterioso assassinato, no dia 30 de maio do mesmo ano, dez dias após ser liberado da prisão.
A história, que poderia estar entre os atos de uma tragédia de William Shakespeare, é apenas um dos poucos e desencontrados dados biográficos de dois dos mais importantes contemporâneos do Bardo, cujas peças A Tragédia Espanhola, de Kyd; e Tamerlão e A Trágica História do Doutor Faustus, de Marlowe, chegam às livrarias brasileiras nas páginas de Dramaturgia Elizabetana (Editora Perspectiva), organizado pela crítica teatral, Bárbara Heliodora.
A Dramaturgia Elisabetana está diretamente ligada ao Renascimento. Revolução de idéias que viria a alterar de forma profunda e irreversível o pensamento e a própria civilização ocidental, iluminando as trevas que marcaram a Idade Média e encerrando uma das noites mais longas da história, a Renascença tem como epicentro a Itália e principais protagonistas famílias poderosas dispostas a promover um retorno ao belo estético clássico, vislumbrando, principalmente, a arquitetura e as artes, incentivando financeiramente ou adotando como protegidos, os mais promissores artistas disponíveis.
Da Itália o Renascimento se espalhou para o resto da Europa e, na Inglaterra, é no universo das letras que seu reflexo se mostrou mais impactante, principalmente na dramaturgia de William Shakespeare que viria a se tornar um dos pilares da cultura ocidental, exercendo influencia sobre tudo o que foi feito na literatura e dramaturgia até os dias de hoje.

O bardo, no entanto, não é astro solitário na constelação conhecida como Dramaturgia Elisabetana. De Ben Johnson a John Webster, passando inclusive por um ancestral distante do poeta americano T.S. Eliot, Sir Thomas Elyot, a era de ouro da dramaturgia, que vai do reinado da rainha Elizabeth I (1558-1603) e James (1603-1625), foi marcada por uma efervescência de obras e autores que vão muito além das tragédias de Shakespeare e é aqui que reencontramos os dois protagonistas do primeiro parágrafo, Thomas Kyd e Christopher Marlowe.
Thomas Kyd é tido como um dos dramaturgos da Era Elisabetana que teriam influenciado a obra de William Shakespeare. Pai do gênero que se tornou conhecido como “Tragédia de Vingança”, é aqui representado pelo texto que lhe valeu o título. Trama de sangue e vingança, A Tragédia Espanhola revela semelhanças incontestáveis com diversos dos textos do bardo, principalmente, Hamlet. Como o leitor poderá conferir na tradução, até então inédita, realizada por Bárbara Heliodora para a presente edição.

Sympathy for the Devil
Alguém já disse que Shakespeare está para a dramaturgia e poesia da Era Elisabetana como os Beatles para a musica do século vinte. Sendo assim, com o perdão da analogia pop previsível, a ninguém menos do que Christopher Marlowe cabe o título de Rolling Stones. Mente perigosa, tanto para momento político e social em que viveu quanto para sua própria segurança – como seu trágico destino acabou por comprovar –, Marlowe produziu uma série textos fundamentais para a poesia e dramaturgia elisabetana durante sua existência fugaz, dentre os quais se destacam Tamerlão e A Trágica História do Doutor Faustus da presente edição. Se o primeiro comprova de maneiro inquestionável o lugar de seu autor entre os maiores dentre os precursores do Bardo – se não o maior –, o segundo o coloca de forma definitiva entre os grandes nomes da dramaturgia ocidental.

Livre pensador, poeta, dramaturgo e adepto dos excessos do tabaco, do álcool e da carne – fáustico por natureza, dizem alguns, não sem razão – é praticamente inevitável fugir do clichê “artista que encarna a própria obra”, quando se trata de Marlowe e sua peça mais conhecida. Afinal, é em A Trágica História do Doutor Fausto que as idéias de Christopher Marlowe se manifestam de forma aberta, além de traçar as premissas que possibilitariam uma nova forma de teatro a partir da herança medieval.
Inspirado em um personagem real, o mito do homem de ciências que aceita barganhar com o Diabo em troca de conhecimento ilimitado já era encenado como peça moral, durante a Idade Média, mas é na adaptação de Marlowe – e, depois, Goethe – que ganha as características que dão forma à maneira como o conhecemos hoje, em suas diversas manifestações através dos anos – indo da releitura de Thomas Mann ao cinema de Murnau. Aqui, a tradição de peça moralizante cristã é mantida em sua estrutura básica, com direito aos personagens do Anjo Bom e o Anjo Mau, representação da consciência e tentação nas profundezas da alma pecadora. Mas Marlowe subverte a tradição, principalmente nas falas do Demônio, antigamente representado como ser caricato e cômico, na interpretação da igreja. O Diabo de Marlowe, mais que um mercador de alma trapaceiro, está para um advogado que nutre simpatia pela humanidade e é em suas falas que mais se identificam a voz do próprio autor.
Filho de um sapateiro que demonstrou muito cedo talento para as artes e vocação para a transgressão, Marlowe também manteve uma atuação política secreta, atuando como espião a serviço de sua majestade. Espírito contestador numa época em que a contestação poderia resultar em sérios riscos, seu assassinato, aos 29 anos de idade, motivado por uma conta de bar, segundo a versão oficial, é carregado de mistérios, dignos de uma trama policial – como o episódio que abre este texto, por exemplo – e, ainda hoje, gera diversas teorias conspiratórias.

Caminhos do Teatro Ocidental
Bárbara Heliodora faleceu em abril do ano passado e, além deste Dramaturgia Elizabetana, publicou, poucos meses antes de sua partida, pela mesma editora, o excelente Caminhos do Teatro Ocidental. Como o próprio título já diz, a obra traça um histórico do fazer teatral no Ocidente, partindo do teatro clássico grego, passando pela Idade Média, Renascimento, até chegar aos nossos dias. Obra de referência, é apenas parte de um colossal legado que a escritora nos deixa para história da crítica e estudos das artes dramáticas que deverá ficar para sempre.

Serviço:

Título: Dramaturgia Elizabetana
Autor: Bárbara Heliodora
Editora Perspectiva
352 páginas

Título: Caminhos do Teatro Ocidental
Autor: Bárbara Heliodora
Editora Perspectiva
424 páginas






quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Alice no País das Maravilhas - 150 anos Depois



Obra infantil que alçou Lewis Carroll ao cânone universal ainda encanta e desperta polêmica.

Ocupando o terceiro lugar – depois de Shakespeare e da Bíblia – entre os livros mais vendidos em todo mundo, Alice no País das Maravilhas completa 150 anos. Celebrando a data, o livro ganha novas edições em nossas livrarias e é tema de documentário, produzido pela BBC.
Por César Alves

“Obras brilhantes podem ser concebidas por pessoas horríveis e não vejo problema nisso”, diz Will Self ao entrevistador, talvez irritado com sua insistência em focar a conversa mais no comportamento polêmico e moralmente duvidoso do autor do que nas qualidades estéticas e importância da obra sobre a qual teria sido convidado a dar seu depoimento, que completava 150 anos desde sua primeira publicação.
Autor de títulos brilhantes – pelo menos para este que vos escreve –, como Cock & Bull (Geração Editorial), a ficha corrida de polêmicas de Self talvez o faça, aos olhos de muitos “uma pessoa horrível”. Entre seus feitos, por exemplo, é conhecido o episódio, revelado pelo próprio autor, de que ele teria tomado heroína no banheiro do avião do primeiro ministro inglês, quando fez parte de uma comitiva diplomática, reunindo políticos e escritores britânicos, para a abertura de um evento cultural – transformando o ato de fumar maconha na casa da rainha, praticado pelos Beatles, uma travessura adolescente. Sua declaração poderia ser interpretada como defesa em causa própria, não fosse o livro em questão nada além do revolucionário, enigmático e surpreendente Alice no País das Maravilhas, seu autor, Lewis Carroll, e as duvidas e suspeitas que cercam sua relação com Alice Liddell, que teria inspirado sua personagem mais famosa.
A cena está em The Secret World of Lewis Carroll, documentário para televisão, produzido pela BBC, que vem sendo exibido desde o início de julho, como especial que celebra o aniversário do livro infantil que, desde sua primeira edição, nunca deixou as listas de mais vendidos em todo o mundo. Explorada e debatida por especialistas, psicólogos, biógrafos e outros, a fixação de Lewis Carroll, um homem adulto, na casa dos trinta, por sua musa inspiradora – na época com dez anos de idade – é, no mínimo, suspeita, claro. Porém tanto já se falou e escreveu a respeito, sem chegar a lugar nenhum, que a equipe do programa não vai além do mais do mesmo do jornalismo de fofoca, perdendo a oportunidade de desvendar o que faz a obra ser ainda hoje tão relevante e capaz de encantar crianças e adultos.
Como o objetivo do texto são os livros, Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, estrelados pela personagem, não é minha vontade entrar no debate se Carroll era ou não pedófilo, assim como não me interessa decidir se Bentinho era mesmo corno. Cabe ao amigo leitor decidir se o autor era mesmo “uma pessoa horrível”, mas recomendando que – ainda que sua conclusão seja “sim”, “ele era uma péssima pessoa” – não deixe que o julgamento, em relação a supostos desvios morais de Lewis Carroll, desmereça ou diminua a obra.

E, em se tratando da personagem clássica, criada por Carroll, nossas livrarias estão repletas de motivos para comemorar. Tanto o primeiro livro, Alice no País das Maravilhas, quanto o segundo, Alice Através do Espelho e o que Ela Encontrou por Lá, possuem excelentes edições nacionais, como a tradução e adaptação de Nicolau Sevcenko, da Cosac e Naify, e a de Pepita de Leão e Marcia Feriotti Meira, lançamento da Martin Claret.
Merecem atenção também a edição luxo de bolso, reunindo os dois livros, publicada recentemente pela Zahar; e Alice no Jardim da Infância, da Iluminuras, que também lançou Algumas Aventuras de Silvia e Bruno, obra do mesmo autor, pouco conhecida dos leitores brasileiros.
Verdadeiro primor é a edição especial  comemorativa publicada em parceria pela Editora 34 e Livraria Cultura, As Aventuras de Alice (No País das Maravilhas e Através do Espelho), traduzida por Sebastião Uchoa Leite, trazendo as ilustrações originais, que se tornaram tão conhecidas quanto o texto, de John Tenniel.

Seja através do desenho animado da Disney, a recente adaptação para cinema de Tim Burton ou apropriações de personagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come round here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, todo mundo reconhece Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Publicado na Inglaterra Vitoriada, em 15 de julho de 1865, Alice no País das Maravilhas já surge como obra revolucionária por sua explosão de criatividade, inovação narrativa e ousadia, deixando claro que, a partir dali, a literatura infantil jamais seria a mesma. Verdadeiro divisor de águas, a obra rompe a tradição da escrita para crianças – marcadas por uma mensagem edificante e pontuadas por um fundo moral – dos autores da época e, praticamente, inventa o gênero literário infantil moderno, mais voltado a estimular o intelecto – através de jogos de palavras, charadas, questionamentos – e incentivar a imaginação.
Mas Carroll – mais por acidente do que intencionalmente – foi além do universo infantil, chegando a influenciar a literatura adulta, sendo citado por nomes que vão de James Joyce a Jorge Luis Borges, passando pelos Surrealista e ícones da cultura jovem, como John Lennon.
Apropriações de passagens e trechos da obra pelo universo da cultura pop – Tom Petty, como o chapeleiro louco, no videoclipe de Don´t come around here no more, ainda hoje deve estar registrado na cabeça de quem tem mais de 35 anos –, através dos anos, fizeram com que todo mundo reconheça Alice e demais personagens emblemáticos – como o Gato Chashiere, o Chapeleiro Maluco, A Rainha de Copas e tantos outros –, mesmo que nunca tenha lido o livro.

Grace Slick – primeiro, com seu Great Society; depois, na gravação mais conhecida, com o Jefferson Airplane –. assim como Dylan apresentou a maconha aos Beatles, introduziu Alice ao universo do LSD, nos versos clássicos de White Rabbit: “One pill makes you larger and one pill make you small. And the ones that mother gives you don´t do anything at all”. Desde então, a menininha curiosa e aventureira de Carroll nunca mais foi a mesma.
Cinematográfica de berço, ainda que nascida antes do cinema, não faltam referências à obra dentro da linguagem áudio visual, como no universo de Matrix, por exemplo. Mas, mesmo antes da adaptação em desenho animado da Disney ou de Tim Burton, a menina protagonizou suas aventuras, através da tela grande. A primeira foi Alice in Wonderland (1903), dos diretores britânicos Cecil M. Hepworth e Percy Stow e, desde então, do cinema mudo ao falado; do preto e branco ao Tecnicolor, o livro de Carroll serviu de base para dezenas de adaptações, em diversos países – o amigo aqui indicaria o experimental e lisérgico Alice in Wonderland (1966), de Jonathan “Wolf” Miller.
As ilustrações icônicas do original, criadas por Tenniel, inspiraram mais de uma dezena de artistas a dar seu toque pessoal ao universo de Lewis Carroll, incluindo Salvador Dalí e o parceiro de Hunter Thompson, Ralph Steadman.


Alice na Casa das Rosas
Como parte das comemorações, a Casa das Rosas promove o evento 150 Anos de Alice no País das Maravilhas, no próximo domingo, com intervenção e contação de história de Camila Feltre e Rafael Copetti, a partir das 15h.
O evento também conta com exposição de trinta e dois desenhos de Sir John Tenniel.

Serviço:
Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Avenida Paulista, 37, São Paulo, tel. 0XX11 3285-6986 / 3288-9447.