Cinefilia na Alcova
A representação cinematográfica
do sexo através da história é tema de Cinema Explícito, livro de Rodrigo
Gerace.
Por César Alves
Representado de forma sugerida, simulada ou explícita,
o sexo divide a mesma alcova com o cinema, em cumplicidade lasciva, desde o
surgimento do cinematógrafo. Ainda assim, poucos são os estudos sérios e aprofundados
sobre o sexo no cinema a ir além das preliminares. Talvez, devido ao elevado nível
de tabu e controvérsia que – surpreendentemente, em pleno século 21 – ainda
gira em torno do tema, são poucos os estudiosos que ousam passar do flerte ou,
diante do assunto, antecipar a broxada.
Não é o caso de Rodrigo Gerace, autor de Cinema Explícito – As Representações
Cinematográficas do Sexo, lançado recentemente pela Editora Perspectiva em
parceria com as Edições Sesc. Resultado de sua tese de doutorado, a obra faz
justiça ao que se propõe, promovendo um mergulho aprofundado na maneira como o
ato sexual vem sendo mostrado no cinema, do nascimento do gênero até os nossos
dias.
Sociólogo e Crítico de Cinema, Gerace se viu seduzido
pelo tema a partir de sua paixão pela sétima arte e, depois de assistir à
exibição de Os Idiotas (1997), de
Lars Von Trier, suas interrogações sobre o erótico e o pornográfico, o implícito
e o explícito e o que faz uma película cinematográfica ser considerada obscena.
A partir daí o autor empreendeu uma extensa pesquisa que incluiu assistir a
cerca de mil filmes e uma jornada pela Europa em busca de museus e acervos de
colecionadores particulares.
O autor parte dos primeiros filmes com temática
“erótica”, ainda na fase inicial da sétima arte. Eram filmes como Sandow: Strong Man (1894) de Thomas
Edson, que, de tão inocentes para os padrões de hoje em dia, dificilmente dá
pra acreditar na polêmica que causaram. O
Beijo (1896), dirigido por William Heise e também produzido por Edson, por
exemplo, apresentava apenas um pequeno “selinho” entre dois atores que, na
época, encenavam uma peça na Broadway. Por mais ingênua que a cena parece hoje
em dia, uma vez deslocada do palco e apresentada em close-up, foi vista como
tão obscena que um crítico de Chicago chegou a apelar para a polícia pela
intervenção de sua divulgação, devido ao risco que a fita representava à moral
e aos bons costumes.
Mas é bom lembrar que tratar como caso de
polícia as manifestações da sensualidade na arte, já naquela época, não era bem
uma novidade. Já em 1873 o congresso norte-americano aprovou o Ato de Supressão do Comércio e Circulação de
Literatura Obscena e Artigos Imorais, que criminalizava a distribuição
através dos correios de obras literárias, artigos censurados e qualquer
material impresso cujo conteúdo fosse considerado contrário aos padrões morais
da época. O conjunto de leis foi proposto pelo congressista, chefe dos correios
e arauto da luta pela moralidade e controle da vida sexual alheia, Anthony
Comstock. A Lei Comstock, como ficou
conhecida, promovia uma verdadeira caçada a textos proibidos, como traduções
clandestinas de Sade, por exemplo, mas também barrava textos médicos e
panfletos sobre métodos contraceptivos.
Quem leu o brilhante livro reportagem de Gay
Talese, A Mulher do Próximo – e, para
quem não leu, fica aqui a dica –, deve se lembrar que a lei teve papel
importante na repressão à livros como O
Amante de Lady Chatterly, de D.H. Lawrence, e foi fundamental para barrar a
publicação nos Estados Unidos de autores como James Joyce, por exemplo. A lei
serviu também para impedir a difusão, através do correios, dos controversos Stag films, (aqui também analisados), que
eram curtas de conteúdo erótico, produzidos na época do cinema mudo, como o
argentino El Satario (1907), de autor
desconhecido, e A Free Ride (1915),
de A Wise Guy. Mas viria de um
ex-colaborador e pupilo de Anthony Comstock, o líder do Partido Republicano, William
H. Hays, a verdadeira repressão ao sexo no cinema.
Aprovado em 1921 e em vigência até meados do
século XX, o Código Hays impunha uma
série de regras e condutas a serem seguidas pelos produtores de cinema, para
que os filmes fossem exibidos, da sugestão de que um casal nunca poderia aparecer
indo dormir no mesmo quarto, com exceção de quando eram casados e, mesmo assim,
não na mesma cama, mas em camas separadas, até a duração de um beijo que, dos
quatro segundos, na época da primeira publicação da lei, chegou a ser reduzido
para um segundo e meio, a partir de 1930.
De O Cão Andaluz a
Garganta Profunda
Mas Gerace não se limita a analisar o aparelho
repressor do “empata foda jurídico” Estatal contra o sexo no cinema e, se o
assunto são as representações do sensual e do erótico na grande tela, o autor
promove um verdadeiro compêndio do que até aqui foi feito, tanto no cinema
comercial das grandes salas, quanto no circuito independente Cult e
underground, passando pela indústria pornô. É o caso de Garganta Profunda (1972), de Gerard Damiano, estrelado por Linda Lovelace,
que causou polêmica no meio acadêmico e dividiu o movimento feminista entre
aquelas que enxergavam no filme uma propaganda machista e falocêntrica,
enquanto outras o viam como libertador e um marco contracultural do movimento
pela liberdade e igualdade sexual. Reflexo disso ou não, Garganta Profunda ganhou admiração de gente como Truman Capote e,
dos 25 mil dólares gastos para realizá-lo, acabou faturando 600 milhões de
dólares em todo o mundo, consolidando o potencial financeiro da indústria
cinematográfica do cinema adulto.
De O Cão
Andaluz, de Dali e Buñuel, aos experimentos de Andy Warhol; de O Diabo em Miss Jones a Ninfomaníaca, de Lars VonTrier, passando
por Pasolini, John Waters, o cinema gay e o movimento New Queer, mais que um registro histórico, o autor pautou-se pela analise
sociológica e acadêmica e teve como referência não só os filmes e os registros
publicados sobre eles, mas também a obra de grandes autores que também debruçaram-se
sobre o tema, como Susan Sontag e, principalmente, Michel Foucault.
Mas não pense o leitor que Gerace limitou sua
pesquisa às manifestações do sexo no cinema internacional, o Brasil não ficou
de fora, com direito a um capitulo especial sobre a produção marginal da Boca
do Lixo paulistana e a Pornochanchada.
Ricamente ilustrada, a obra nos oferece um deleite
quase orgástico, graças ao excelente trabalho de pesquisa, a escrita nada cansativa
e produção visual, com reproduções de cartazes pouco vistos e cenas antológicas
dos filmes citados.
Rodrigo promete um livro sobre Lars Von Trier
para os próximos meses. Então, ainda falaremos muito dele por aqui.
Serviço:
Título: Cinema
Explícito
Autor: Rodrigo Gerace
Lançamento: Editora Perspectiva
e Edições Sesc
320 páginas
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