quinta-feira, 31 de julho de 2014

Família Sagrada - William Goldwin, Mary Wollstonecraft e Mary Shelley



A Sagrada Família do Fim da Tradição e da Propriedade
por César Alves

O Século Dezoito tem como principal marca o fortalecimento das idéias iluministas e seus efeitos políticos, sociais e culturais. Lembrar as revoluções e o declínio das monarquias e a aurora das grandes democracias que seguiram as trilhas dos novos pensamentos filosóficos da época é chover no molhado. Além do mais, não é bem o tema do texto aqui. É que, falando com um amigo sobre o conceito de família dentro dos ideais libertários e que a palavra “família” nem sempre combina com “tradição” e “propriedade”, como muita gente gostaria, lembrei-me de uma família constituída em meio a emergência daquele século, cujos principais membros colaboraram com a construção de muitas das idéias propagadas e ainda hoje debatidas e puseram em prática algumas de suas teorias. A família do jornalista, filósofo e novelista, William Goldwin.

Tido como um dos primeiros intelectuais do pensamento utilitarista de John Stuart Mills, Goldwin, no entanto, merece lugar mesmo é entre os mais importantes pensadores anarquistas. Ainda hoje importantes, seus livros Inquérito Acerca da Justiça Política, As Coisas Como Elas São ou As Aventuras de Caleb Williams; o primeiro um ataque corajoso contra as instituições políticas da época; o segundo é considerado o primeiro romance de mistério e, além de inaugurar o gênero ainda hoje popular, faz uso da fina ironia para ridicularizar e criticar os privilégios da aristocracia.
Os livros causaram grande rebuliço nos meios acadêmicos, quando lançados – ambos escritos no intervalo de um ano e publicados praticamente juntos –, e se tornaram verdadeiros sucessos editoriais para aqueles dias, alçando o nome de seu autor ao de celebridade intelectual do momento, que acabou conquistando a admiração e o respeito da elite culta britânica, principalmente dos mais radicais entre eles.
Se Goldwin estava na vanguarda do pensamento libertário da época, não é de estranhar seu interesse por uma mulher, tão inteligente e disposta a repensar a sociedade e as relações humanas quanto ele, embora não tão bem vista nos meios que o glorificavam com os louros do reconhecimento, senhorita Mary Wollstonecraft.

Apesar de os dias serem de discursos entusiasmados em favor da igualdade, liberdade e fraternidade entre os homens, Mary Wollstonecraft era figura não grata nos meios intelectuais da época justamente por defender tais ideais, mas de forma ainda mais radical. Como se não bastasse ser mulher e escritora, numa época em que poucas pessoas do sexo feminino chegavam além da educação básica, a moça pregava aos quatro ventos que os Direitos dos Homens não deveriam ser restringidos aos proprietários de um órgão genital fálico, mas estendidos também às mulheres, o que, para muitos, representava um absurdo. Ela criticava instituições intocáveis como o casamento e pregava a emancipação feminina, muito antes de alguém sequer pensar na palavra Feminismo.
Comprovando que aqueles que amam o fogo, quando encontram um incêndio querem mesmo é se queimar, Goldwin ficou de joelhos pela rapariga que, na época, era mãe solteira de uma menina – fruto de um breve romance com o diplomata americano Gilbert Imlay – e com ela iniciou um relacionamento, amoroso e intelectual. Contrariando a opinião de ambos sobre o casamento, firmaram matrimônio, pouco depois.
Embora feliz e produtivo – colaboravam entre si em seus projetos intelectuais e literários –, o casamento não durou muito e teve um triste fim quando Mary faleceu, aos trinta e oito anos de idade, quando dava à luz à única filha do casal, Mary.
Criada sob a influencia dos pensamentos dos pais e rodeada por livros, Mary é hoje o mais conhecido membro da família de notórios.
Seu livro de horror gótico, influenciado pelas revoluções científicas e as questões éticas que as mesmas levantavam, O Moderno Prometeu, foi sucesso de vendas, crítica e hoje se inscreve entre os cânones da ficção universal. A tragédia do Doutor Victor Frankenstein e sua criação, o monstro feito de partes de cadáveres e atormentado pela solidão, o questionamento filosófico sobre a alma e o anseio por respeito e aceitação, acabaram por ir além da literatura, tornando-se alguns dos mais duradouros e cultuados ícones da cultura popular universal. No texto, é possível identificar referências à vida da própria autora, como parágrafos inteiros sobre a solidão tiradas da nota de suicídio de sua meia Irma, Fanny Imlay, e o tormento que lhe causava pensar que a mãe, que admirava, mas só conhecia por relatos do pai e por seus escritos, perdera a vida ao trazê-la ao mundo.
Mas Mary Shelley está além de sua obra clássica e também merece ser lembrada por sua trajetória ousada e, assim como sua mãe, dona de um comportamento além de seu tempo. Aos dezessete anos de idade, Mary fugiu com seu amante, o poeta Percy B. Shelley, para dar início a um relacionamento baseado nos conceitos defendidos por seus pais, como o Amor Livre. A relação apaixonada dos dois, que durou até a morte de Shelley, incluía convidados de alcova como o poeta e superstar Lord Byron e suas muitas amantes.
A tríade Mary-Percy-Byron e sua comunhão poliamorosa, artística e etílica, é praticamente pioneira no que, décadas depois, seria a Contracultura. Beatniks avant La lettre. Hippies com cérebro. Hipsters que não se contentavam com colecionar livros, mas que os liam e também escreviam os seus (provocação desnecessária, eu sei – mas a necessidade nunca foi motor da minha provocação, ehehe).


Curiosidade (Epílogo): Provando que o pensador nem sempre é o pensamento, o filosofo William Goldwin, que pregava contra o casamento tradicional, “instituição decadente”, e defendia o amor livre, parou de falar com Mary, depois de ela fugir para viver com seu pupilo, Shelley, devido ao poeta ser casado na época e não querer que a filha vivesse um relacionamento clandestino. Só perdoou os jovens e voltou a falar com ela, anos depois, quando o casal oficializou o casamento, após o suicídio e a viuvez do poeta tornar possível o casamento.


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Ada Byron a.k.a. Lady Lovelace
Por César Alves

Aliás, já que falei do casal Mary e Percy Shelley, Byron e toda essa gente visionária hoje cedo, vai bem encerrar com a filha do poeta Lord Byron, Ada Byron, mais conhecida como Lady Lovelace, que, de tão a frente de seu tempo, quase antecipou a revolução dos computadores em mais de um século. De olhos voltados para o futuro, ainda adolescente, a dama ouviu sobre a Máquina Diferencial do matemático Charles Babbage e, quando adulta, juntou forças com ele para financiar a construção da máquina em meados de 1840. A elite da época, no entanto, não enxergou o potencial do projeto de Babbage e o entusiasmo da moça, recusando financiá-lo. Ada brigou pelo projeto até o fim de seus dias e a Máquina Diferencial de Charles Babbage só foi construída no final dos anos 1930, como protótipo de um projeto de outro matemático, Alan Turing para a construção de uma máquina mais sofisticada que poderia decodificar as mensagens criptografadas dos países do Eixo, durante a segunda guerra. Foi a inspiração para o supercomputador Colossus e para que Turing desse início à ciência da computação.






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