quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O Novo Jornalismo (Gonzo?) nos Dias da Peste



O Novo Jornalismo (Gonzo?) nos Dias da Peste
por César Alves

“O New Journalism é como o Punk: Tem tantos pais que,se a concepção não ocorreu durante uma orgia, as mães, certamente, não acreditam na monogamia”, já disse a colegas de profissão, em diversas ocasiões, quando o assunto é o Jornalismo Literário e a geração americana que ganhou notoriedade como Novo Jornalismo.
A brincadeira tem mais a intenção de fazer rir do que provocar e, muito menos, ofender a(s) progenitora (s) - longe de mim, isso de colocar a mãe no meio (risos) - um gênero ligado a gente que me influenciou muito, como Gay Talese, Truman Capote, Tom Wolfe, Norman Mailer, Hunter Thompson – na sua própria versão, o Jornalismo Gonzo – e outros.
Por outro lado, não é de toda desprovida de sentido. Afinal, como jornalismo literário, técnica de reportagem que une formas narrativas e estilo vindos da literatura ao texto jornalístico não é exatamente uma criação da América do pós-guerra. John Reed e outros já o faziam no início do mesmo século. Aqui no Brasil, Joel Silveira, A Víbora, já dava às suas reportagens o ritmo e o tratamento que os grandes escritores dão à ficção na década de 40 – para ficar apenas no meu predileto, entre muitos outros brasileiros que souberam unir muito bem o jornalismo e a literatura.
Mas é possível afirmar que, muito antes disso, jornalismo e literatura deitavam-se na mesma cama. O que dizer, por exemplo, dos textos escritos pelo poeta alemão, ícone do romantismo germânico, Heinrich Heine, durante o período em que se exilou na França e decidiu aproveitar sua boa relação com a efervescente agitação cultural parisiense para cobrir espetáculos teatrais e grandes eventos sociais para editores de seu país de origem? São do início do século dezoito.

Sendo possível construir uma árvore genealógica do New Journalism e mesmo do estilo Gonzo de Hunter Thompson – como o leitor irá descobrir mais adiante –, a partir dos exemplos citados acima, o autor de Robinson Crusoé e Moll Flanders, Daniel Defoe, talvez tenha lugar privilegiado, como um dos primeiros a praticá-lo. Seu Um Diário do Ano da Peste (A Journal of The Plague Year – 1722) foi defendido por muita gente – Gabriel Garcia Marquez, entre os mais notórios – como um dos primeiros livros reportagens da história.
E não é pra menos. Inquietante e surpreendente, a obra narra os dias sombrios da epidemia que assolou Londres entre os anos de 1665 e 1666, resultando em um número de vítimas calculado entre 75 e 100 mil mortos – um quinto da população da cidade.
Conta-se que Defoe teria se recusado a aceitar o conselho de familiares e amigos para que buscasse refúgio fora de Londres, até que o contágio fosse controlado, como fizeram todas as pessoas de posses e membros da elite londrina. Acreditando que fugir seria inútil e, conforme a praga fosse se espalhando, cedo ou tarde ela o pegaria, não importando sua localização. Decidido a não se trancar em casa, o autor passou a registrar os acontecimentos durante a epidemia, como registro histórico para a posteridade ou forma de passar o tempo, até que a doença fosse controlada ou o vitimasse.
Trata-se uma reportagem completa, com direito a dados estatísticos sobre número de contagiosos e vítimas fatais, entrevistas com famílias e descrição dos fatos, trazendo já em sua essência uma das características mais marcantes do Novo Jornalismo: O repórter, narrador, também como agente participante da história.
Bom, o amigo leitor pode achar meus argumentos convincentes, quanto ao livro ter características de jornalismo literário e até do New Journalism, mas estar se perguntando: Onde o Gonzo entra na história?
Já explico.
Além de autor de ficção, Defoe era também jornalista – editou seu próprio periódico, The Review, por conta própria –, e escreveu sua obra como depoimentos de uma testemunha ocular da história e, durante muito tempo, muita gente a enxergou assim. O relato fidedigno, os dados numéricos comprovados com exatidão, o fato histórico e a seriedade narrativa apóiam a tese e assim a obra continuou sendo divulgada mesmo muitos anos após a morte de Defoe.

Décadas depois, no entanto, biógrafos de Daniel Defoe se depararam com uma questão surpreendente em relação ao Diário do Ano da Peste: os números não batiam! Comparando as datas de nascimento do autor com o ano em que ocorreu a epidemia de peste bubônica em Londres, os relatos não poderiam ter sido registrados por ele que, na época, estaria com idade entre cinco e seis anos!
Ora, mister Defoe não só abusou do estilo jornalismo literário, como também deve ter feito o primeiro livro reportagem Gonzo conhecido. No mínimo, uma pegadinha digna de Hunter Thompson!
As experiências jornalístico-literárias de Daniel Defoe, no entanto, não terminam ai. Em 1723, durante uma visita à Escócia, o autor tomou conhecimento da história de um fora-da-lei local, Rob Roy. Pesquisando a respeito de sua história, tomou conhecimento de que o bandido era na verdade Robert Roy McGregor, do clã McGregor, que, após aderir à Rebelião Jacobita e ser derrotado na batalha de Glen Shiel, teria tido suas terras expropriadas e partido para a clandestinidade, realizando roubos e assaltos que eram contados como lendas pela população local.
Vendo ai uma grande história, Defoe escreveu um relato romanceado, dando seus toques pessoais a trama, contando as aventuras de Rob Roy, como o rebelde libertário que “roubava dos ricos para dar aos pobres”, Highland Rougue. O texto fez sucesso, tanto na Escócia como em toda a Europa, e elevou a lenda de Robin dos Bosques para a de herói nacional. Graças ao texto, em 1723, o Rei George I acabou vendo-se obrigado a dar a seu desafeto político o perdão real.



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