segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O Evangelho, Segundo o Estranho Misterioso Mark Twain



O Evangelho, segundo o Estranho Misterioso Mark Twain
Por César Alves

Era com admiração e entusiasmo que Samuel Langhorn Clemens assistia o surgimento das maravilhas científicas e tecnológicas que, em meados do século dezenove, imprimiam às previsões sobre o futuro da humanidade a marca da grandeza. Signatário do manifesto contra as atrocidades praticadas pelo soberano da Áustria, Leopoldo, e o domínio de seu país no território do Congo, durante o neocolonialismo europeu no continente africano, Clemens não se dobrava diante das injustiças praticadas pela mesma espécie, quando se mostrava indigna do destino grandioso que tais invenções pareciam descortinar.
Amigo pessoal de Nikola Tesla, Clemens sonhava com o potencial para o bem da humanidade que os experimentos com a eletricidade realizados pelo colega e testemunhados por ele, mas não deixava de ver com desconfiança o verdadeiro uso que seria feito das novas tecnologia, diante da ganância humana, nas mãos erradas.

Era um humanista, mas um humanista descrente da vocação do homem para a prática do humanismo e do bem comum. Autor de clássicos incontestáveis da literatura universal como As Aventuras de Tom Sawyer e Hunckleberry Finn, Clemens ficou famoso como Mark Twain, mas é em seus escritos menos conhecidos – a maioria, datada de seus últimos anos de vida e publicados de forma póstuma – que tal característica é mais evidente.
Exemplo e também o predileto deste que vos escreve é O Estranho Misterioso. Foi o livro que despertou meu interesse pelo autor, quando costumava desprezar autores indicados por pessoas mais velhas e desconfiar de livros que meus professores gostavam, por volta dos dezessete anos, li pela primeira vez.
Aqui você não encontrará o satirista notório e as tramas juvenis que fizeram a fama do autor. Ambientado em uma pacata aldeia da Idade Média, a trama gira em torno de um garoto e uma estranha criança que aparece de forma misteriosa e muda completamente a vida dos habitantes do lugar. Capaz de prever o futuro e operar milagres, como é do feitio dos anjos, seu nome é Satã e é em suas falas que se encontram alguns dos melhores momentos da narrativa, como por exemplo: “(...) Deus não existe, nenhum universo, nenhuma raça humana, não há vida terrena, nem céu, nem inferno. É tudo um sonho, um sonho grotesco e tolo Nada existe, a não ser você . E você é mais um pensamento, um pensamento vadio, um pensamento inútil, um pensamento andarilho, vagando abandonado entre as eternidades vazias!”

Trata-se uma das histórias mais densas e filosóficas de Twain e revela muito sobre o estado psicológico e emocional do autor em seus últimos anos. Fora de catálogo, ainda deve ser possível encontrar exemplares da tradução brasileira que conheço, da editora Axis Mundi, em alguns sebos e livrarias de usados.
Como testemunha ocular e protagonista da história do Gênese, o Anjo Caído também aparece, como orientador dos ingênuos Adão e Eva, em alguns dos melhores momentos dos textos que compõem este recente lançamento da editora Hedra, Diários de Adão e Eva.
Carregado de humor e menos denso do que o primeiro título, Diários de Adão e Eva é apresentado como relatos íntimos e pessoais do Primeiro Casal Bíblico, da expulsão do Éden aos problemas com os filhos, Caím e Abel.
Apesar da carga polêmica que os personagens que protagonizam a narrativa possuem, é preciso ler o livro como uma análise do comportamento humano, principalmente o relacionamento amoroso e conjugal, e não como uma obra religiosa.
Ambas as obras ainda muito atuais, oferecem-nos uma faceta menos conhecida de Mark Twain.

Serviço:
Autor: Mark Twain
Título: Diários de Adão e Eva
Editora: Hedra
140 páginas

Título: O Estranho Misterioso
Editora: Axis Mundi
214 páginas



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