sexta-feira, 18 de maio de 2018

Marcello Quintanilha lança novo livro e fala sobre roteiro na sede da editora Veneta






Marcello Quintanilha lança novo livro e fala sobre roteiro na sede da editora Veneta


Evento também promove a adaptação cinematográfica da premiada graphic novel, Tungstênio, que chega aos cinemas em junho, e conta com as participações de Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Heitor Dhalia, roteiristas e diretor do filme.
Por Cesar Alves


No próximo sábado, dia 19 de maio, a editora Veneta abre suas portas para um encontro com um dos nomes mais importantes dos quadrinhos brasileiros, Marcello Quintanilha, para o lançamento de seu mais novo trabalho, Todos os santos, que acaba de ser publicado pela casa. O evento promove um bate-papo com o autor sobre o novo livro e também sobre criação de roteiro para cinema a partir dos quadrinhos. Caso de sua graphic novel, Tungstenio, que acaba de ganhar adaptação cinematográfica dirigida por Heitor Dhalia, com Fabrício Boliveira, Jose Dumont, Samira Carvalho e Wesley Guimarães, no elenco, e roteiro de Marçal Aquino e Fernando Bonassi.

Também autor de Talco de vidro e Hinário nacional, começou profissionalmente ainda adolescente, ilustrando quadrinhos na extinta Bloch Editores. Colaborou com as revistas General, Metal Pesado, Nervos de Aço e Heavy Metal, entre outras. Estreou como autor de graphic novels em 1999, com a publicação de A Fealdade de Fabiano Gorila, inspirada na vida de seu pai, um ex-jogador de futebol.
Todos os Santos faz um resumo da obra do artista, reunindo ilustrações e historias em quadrinhos do inicio de sua carreira aos dias atuais. A obra recupera alguns dos primeiros trabalhos publicados pelo autor nas revistas de terror e artes marciais dos anos 1980 e trechos de suas primeiras investidas como ilustrador profissional, como os quadrinhos Os dragões de Bali, A ciência única, Catacumbas de lava e Bast, o olhar maligno da múmia.
O livro conta com raridades como a cultuada vencedora do premio da primeira Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro de 1991, Acordados!! Acordados!! – que nunca havia sido publicada. Traz ainda textos de Aldir Blanc e Marcio Paixão Nunes e uma entrevista com pesquisador e critico inglês Paul Grevett.
Também participam do encontro, Marçal Aquino e Fernando Bonassi, roteiristas do filme que chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 21 de junho.


Serviço:
Lançamento de Todos os Santos e bate-papo sobre roteiro
Com: Marcello Quintanilha, Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Heitor Dhalia
Sábado (19 de maio, 15h)
Local:
Editora Veneta –rua Araujo, 124 – 1º. Andar – Republica


segunda-feira, 14 de maio de 2018

Uma vida política – Norberto Bobbio






Uma vida política – Norberto Bobbio

Um dos mais relevantes pensadores políticos italianos do século vinte oferece seu testemunho pessoal em autobiografia organizada por Alberto Papuzzi.
Por Cesar Alves


Nascido em 1909, Norberto Bobbio teve o inicio de sua vida marcada pela ascensão de Mussolini ao poder na Itália. Ter crescido sob a pressão do regime fascista foi fundamental na formação de seu pensamento e no fortalecimento de suas convicções, vindo a se tornar uma das vozes mais ativas em favor das causas democráticas no século vinte.
Organizado por Alberto Papuzzi, traduzido por Luiz Sergio Henriques e publicado pela editora Unesp, Autobiografia: Uma vida política oferece uma jornada por alguns dos mais significativos eventos que marcaram a historia do ultimo século, bem como a vida e a obra do pensador italiano, através de seu testemunho pessoal. O texto nos envolve desde o inicio, devido a sua prosa vivida e a carga dramática impressa em cada depoimento, descrevendo momentos de sua vida pessoal e fatos históricos fundamentais para a construção do mundo como o conhecemos. Sem deixar de avaliar a importância que tiveram na formação de seu pensamento e na concepção de sua obra.
Norberto Bobbio vinha de uma família de classe media de Turim, que, embora não apoiasse o fascismo, via nele um “mal necessário” frente ao que consideravam o verdadeiro perigo: o bolchevismo. Foi na escola e, mais tarde, no ambiente universitário que o futuro pensador se deu conta do erro de pensar como seus pais, fazendo vista grossa ao que já se mostrava vir da eclosão do ovo da serpente. A partir daí, passa a integrar ativamente o grupo de jovens  intelectuais anti-fascistas italianos que incluía nomes como os escritores Cesare Pavese e Carlo Levi; seu futuro editor, Giulio Einaud; o critico Leone Guinsburg e Vittorio Fuo.
Após a queda de Mussolini, em setembro de 1943, Norberto Bobbio e outros de sua geração foram catapultados da completa exclusão participativa na vida política de seu pais para o envolvimento mais que engajado dentro da mesma.
Desde os anos 1930, Bobbio vinha participando do movimento liberal socialista que mais tarde se tornou parte do Partido da ação. Embora de forma tímida, Bobbio chegou a se engajar em algumas operações clandestinas contra a ocupação alemã e chegou a ser preso.
Apesar de sua influencia intelectual e uma breve participação nas eleições da assembléia constituinte italiana de 1946, Norberto Bobbio optou por uma carreira acadêmica ao invés da política. Especialista em jurisprudência e filosofia, Norberto Bobbio foi professor e autor de alguns dos livros mais importantes na sua área.
Morto em 2004, Norberto Bobbio foi uma das vozes mais atuantes e ativas contra quaisquer ameaças aos valores democráticos e as sombras do totalitarismo se faziam presentes. Defensor do dialogo racional e moderado frente ao perigo dos extremos, Bobbio teria muito a dizer nos dias que correm.
Mais que um livro de memórias, Autobiografia: Uma vida política faz um histórico do século vinte e, de certa forma, nos oferece a chance de entender os erros do passado que parecemos prestes a repetir no presente.

Serviço:
Autobiografia: Uma vida política
Autor: Norberto Bobbio
Organizador: Alberto Papuzzi
Editora Unesp
276 paginas







quarta-feira, 25 de abril de 2018

Animais Domésticos e Outras Receitas - Luana Chnaiderman








Animais Domésticos e Outras Receitas

Autora do celebrado livro infantil, Minhocas, surpreende em seu primeiro livro de contos voltados ao público adulto.
Por César Alves

Autora do elogiado livro infantil Minhocas, publicado pela extinta editora Cosac & Naify em 2014, e também do belo Fuga (FTD, 2017), no qual explora com ousadia e delicadeza temas relevantes ao universo adolescente, Luana Chnaiderman ganhou notoriedade no universo literário como uma das mais gratas surpresas da nova prosa infanto-juvenil. Agora, provando que sua prosa não está a serviço de um único segmento etário, a autora nos surpreende mais uma vez com Os Animais Domésticos e outras receitas.
Lançado na semana passada pela editora Perspectiva, o livro marca sua estréia como autora de ficção adulta e não decepciona.
Dona de uma prosa calcada na lírica poética e harmonia quase musical, que pode ser detectada na escolha das palavras e na formatação e organização do texto, a obra reúne contos breves que, na maioria das vezes, versam sobre a vida urbana e cotidiana em contraste com o inevitável chamado do mundo natural, numa ambientação quase onírica.
Divididas em categorias como Do Mar, Da Terra e Do Ar, as histórias aqui narradas são de uma delicadeza que quase engana o leitor desavisado quanto à profundidade melancólica e o turbilhão de sentimentos no qual se encontram imersas as personagens que as protagonizam. Sim. Há receitas, conforme promete o título da obra. Mas também há um taxidermista apaixonado por seu zoológico de animais domésticos e selvagens mortos – muitos dos quais só conhece sobre seus hábitos e comportamentos quando vivos, através de documentários sobre o mundo natural – e também séries de exercícios físicos programados para o horário marcado na academia. Como o leitor irá perceber, a prosa de Luana Chnaiderman é saborosa, mas de um sabor agridoce.
Mestre pelo Departamento de Letras Orientais da USP, Luana cresceu rodeado por livros, o que, segundo a própria autora, ajudou-a a vencer a timidez, encontrando naquele universo uma espécie de refúgio. Vinda de uma família de intelectuais – ela é neta de Boris Scnaiderman, tradutor de Dostoiévski e um dos nomes mais respeitados de nossa literatura contemporânea –, desde muito nova a autora percebeu que seu destino estaria, de alguma forma, relacionado ao universo da literatura.
Além do recém-lançado Os Animais Domésticos e outras receitas e dos dois títulos citados no início do texto, Luana Chnaiderman também recontou mitos ancestrais deixados por Griots e preservados pela tradição oral das tribos africanas em Contos de Moçambique (FTD, 2017).
O novo livro, aliás, faz parte da coleção Arranha-Céu da editora Perspectiva, que promete trazer às prateleiras de nossas livrarias o melhor e mais ousado da prosa contemporânea em português.


Serviço:
Animais Domésticos e outras receitas
Autor: Luana Chnaiderman
Editora Perspectiva
Coleção Arranha-Céu
144 páginas



terça-feira, 10 de abril de 2018

Símbolos que representam a si mesmos – Roy Wagner





Símbolos que representam a si mesmos – Roy Wagner

Roy Wagner destrincha e importância dos símbolos e seu papel na construção e desenvolvimento da cultura em Símbolos que representam a si mesmos, lançamento da editora Unesp.
Por César Alves.

Professor de antropologia na Universidade de Virginia, Roy Wagner é autor daquele que é tido como um dos mais importantes títulos da antropologia contemporânea, não só por sua importância histórica, como também por sua relevância ainda hoje, A Invenção da Cultura.
Publicado em 1975, no livro o autor trazia à luz o argumento de que a cultura surge da dialética entre o individual e o mundo social. Sua análise tinha como base as relações entre invenção e convenção, inovação e controle e significado e contexto, insistindo na importância da criatividade e colocando a humanidade, como espécie inventora por natureza, no coração do processo que dá origem à cultura.
Anos depois, Roy Wagner retomaria o argumento de a Invenção da Cultura, em Símbolos que Representam a si mesmos, que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela Editora Unesp. Tão importante quanto a obra que a precedeu, aqui Roy Wagner aborda a importância dos símbolos e seu papel na criação da cultura.
Fazendo uso de exemplos tirados de sua relação pessoal com os povos Daribí, da Guinéa, e também da cultura ocidental, Wagner aborda a questão da criação de significado, examinando as qualidade não referenciais dos símbolos, do ponto de vista estético e das propriedades de sua forma, que autoriza aos símbolos comunicarem por si mesmos.
Em resumo, a obra aborda o sentido como poder organizador e constitutivo na vida cultural. Seu argumento é de que o fenômeno humano é uma ideia única e coerente, organizada mental, física e culturalmente em torno da forma de percepção que chamamos de “sentido”. Essa ideia possibilita uma perspectiva em desdobramento, simples e unificada, em vez do mosaico explanatório gerado pela colisão acidental entre um fenômeno genérico conhecido e disciplinas acadêmicas particulares.


Serviço:
Símbolos que representam a si mesmos
Autor: Roy Wagner
Tradução: Priscila Santos da Costa
Editora Unesp
197 páginas


sábado, 7 de abril de 2018

Hey That´s no Way to Say Goodbye





Hey That´s no Way to Say Goodbye
Por César Alves

 “Bird on a wire”, filme de Tony Palmer, registra a turnê de mesmo nome realizada por Leonard Cohen em 1972. Como é de conhecimento geral, Cohen já vinha de uma carreira internacional bem sucedida, como poeta e escritor.
Embora tenha participado de uma banda country ainda na adolescência, sua incursão na música aconteceu quase que por acidente, após Judy Collins gravar duas de suas composições. Sua participação no Newport Folk Festival de 1966, abriu os olhos do produtor John Hammond, que já tinha no currículo Aretha Franklin, Billie Holliday e Bob Dylan entre outros, e convidou o canadense para gravar um álbum. O resultado foi a obra – de lirismo e importância incontestáveis – “Songs of Leonard Cohen” de 1968. Com os discos, vêm também as apresentações ao vivo e turnês. É ai que a coisa se complica. Como muitos de seus pares, Cohen também sofre da timidez característica da maioria dos gênios. O artista nunca escondeu seu desconforto diante de uma grande audiência.
É notório que Cohen sofre de depressão desde os nove anos. Idade que tinha na época do falecimento de seu pai. E isto, em parte, explica os grandes períodos de reclusão por que sua trajetória vez ou outra passou. É justamente esta faceta do artista que fica clara em um dos momentos mais tensos e também belos da turnê de 72. Cohen tenta em vão introduzir os primeiros acordes de uma de suas mais lindas canções “Bird on a wire”, mas é sempre interrompido pelos aplausos e gritos de reverência da platéia. Ele chega a pedir que as pessoas não aplaudam, mas levantem as mãos para demonstrar que reconhecem e gostam da música, mas é em vão.
Extremamente constrangido e irritado, ele se levanta e abandona o palco quase lembrando momentos de nosso João Gilberto. Nos bastidores, os organizadores e parte de seu entourage tenta convencê-lo a voltar e obtêm do artista respostas como: “...eu não posso”, “...não consigo mais fazer isto”. Fica claro que não se trata de “frescura” de artista, mas sim do estranhamento natural de quem não se sente parte daquilo. A platéia, então, começa a entoar o cântico “hevenu shalom alechem”.
É ai que a poesia se manifesta como que arquitetada pelo acaso. Está no sorriso constrangido e na timidez quase infantil de Cohen – na época um garoto de quase quarenta anos –, está naqueles quatro ou cinco integrantes da platéia que se esquecem do motivo da confusão e arriscam aplausos também tímidos e também no silêncio do público quando o artista volta ao palco para tocar “Hey, that´s no way to say goodbye”, quase como um pedido de desculpas. Mas está, principalmente, no olhar da garota que olha hipnotizada para o palco. Estaria ela pensando num jeito de dizer adeus a alguém? Acho que não existe uma maneira correta para se dizer adeus. Principalmente, quando ainda não queremos partir...


(César Alves, 24 de Maio de 2010)

terça-feira, 3 de abril de 2018

Bob Dylan e Greil Marcus




Bob Dylan e Greil Marcus

Menos disponível nas prateleiras brasileiras do que sua prosa merece, Greil Marcus se inscreve entre os cronistas do universo musical predileto deste que vos escreve.
Por César Alves

Nascido em 1945, Greil Marcus presenciou – às vezes in loco – momentos que redefiniram a musica contemporânea, trabalhando para veículos como Rolling Stone, Creem e Village Voice. Alguns de seus livros, como “Mystery train” (1975) são considerados revolucionários na forma de se fazer crítica de rock. Marcus não acredita no hype e, quando segue uma pauta, vai além do objeto estudado considerando fenômenos sociais e seu contexto histórico.
Daí que seus textos podem citar heréticos medievais, o Dada (é sempre bom lembrar que não existe dadaísmo e, se você não concorda, você é Dada!) e os Situacionistas para chegar ao punk. Infelizmente no Brasil seus livros não são publicados com frequência. Que eu saiba, saiu por aqui apenas a coletânea “A última transmissão”, parte da ótima coleção iêiêiê da Conrad Books (que saudades dessa editora!), cuja reportagem sobre o novo punk (Pós-punk, se preferir), representado por bandas como o Gang of Four e o, ainda iniciante, selo Rough Trade é exemplo do que escrevi acima.
Agora chega às nossas livrarias “Like a Rolling Stone: Bob Dylan na Encruzilhada”, lançamento da Companhia das Letras. Aqui, Marcus debruça-se sobre a histórica gravação de mister Robert Zimmermann de “Like a Rolling Stone”, canção que abre o álbum histórico “Highway 61 Revisited”. O jornalista teve acesso às sessões de gravações do clássico, ocorridas em 15 de junho de 1965, período conturbado na carreira do artista. Dylan vinha de sua estréia com instrumentos elétricos, ocorrida no álbum anterior “Bringing it all back home”, e suas apresentações normalmente culminavam com gritos de “Judas!” vindo da platéia mais purista, que o havia alçado a posto de seu porta-voz – só não perguntaram antes se ele aceitava o cargo.
A verdade é que “Like a Rolling Stone” representa uma virada no conceito criativo do rock. A partir dali, o rock, que também havia influenciado Dylan para sua guinada elétrica, começa a abandonar os temas leves e pode-se dizer que só a partir dai ganha status de arte. Marcus, no entanto, não se fecha numa biografia da música, fazendo uma análise da importância de Dylan através dos artistas que influenciou e o fato de sua obra ainda ser relevante nos dias de hoje.
Curiosidade: Os teclados, que são uma das marcas da canção são tocados pelo lendário guitarrista Al Kooper. A verdade é que Kooper nunca havia tocado um instrumento de teclas antes – pelo menos é o que reza a lenda – e o que está ali é o guitarrista “tentando” fazê-lo.




sábado, 3 de março de 2018

Guido Crepax e A História de "O"





Pauline Reagé, segundo Crepax

Clássico da literatura erótica do século 20, A História de “O”, de Pauline Reagé – pseudônimo da jornalista francesa Anne Célline Desclós –, ganhou uma magistral adaptação para os quadrinhos sob a condução do maestro dos quadrinhos e criador de Valentina.
Por César Alves


Em meio à atual febre de tramas eróticas nas livrarias de todo o mundo, fenômeno ressuscitado pela série de livros Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James, é bom lembrar que sexo e arte sempre se deitaram na mesma cama. Seus segredos, no entanto, podem ter tido representação gráfica muito antes do aparecimento da imprensa. Papiro de Turim, documento descoberto em 1822, mostra desenhos feitos pelos egípcios de suas atividades sexuais, talvez seja a prova de que o gosto pelo erotismo vem muito antes de Gutenberg criar a primeira impressora no século 14 e tornar, algum tempo depois, a literatura acessível e os “livros proibidos” virarem tão populares quanto a Bíblia – muitos estudiosos consideram o documento egípcio “a primeira revista erótica da história”.
Artista gráfico e autor das mais originais histórias em quadrinhos, Guido Crepax entendeu o recado. Com as aventuras de sua personagem Valentina, criada em 1965 para a revista Linus, Crepax se tornou o mestre do erotismo gráfico e um dos artífices do movimento de emancipação feminina no universo da Cultura pop. Graças a seu traço inconfundível, argumentação que, mais que o erotismo, flerta com a filosofia e o diálogo entre o onírico e o psicológico, sem abrir mão do experimentalismo no formato narrativo e visual, é também considerado um dos responsáveis por elevar os quadrinhos ao status de arte.
Agora, sua obra começa a retornar às livrarias brasileiras, mais uma vez pela L&PM Editores – que lançou vários livros seus na década de 1980. O primeiro relançamento é o clássico A História de “O”, uma das poucas obras do autor que, contraditoriamente, não traz Valentina como protagonista. A editora promete ainda relançar outros títulos, no total de oito volumes programados.
O fato de não ter Valentina não representa exatamente uma decepção aos leitores – nem mesmo para quem adora a fotógrafa que usa botas de couro e espartilho e se tornou ícone da emancipação feminina na década de 1960. A História de “O” é baseada na obra publicada em 1953, na França, escrita por Pauline Reagé (um dos pseudônimos da escritora e jornalista francesa Anne Célline Desclos, que também assinava Dominic Áury). Na trama, a personagem “O” é uma mulher independente, levada para um castelo por seu amante, René, onde as mulheres eram ensinadas a ser submissas sexualmente aos homens. Apesar de aprender a ser escrava sexual do namorado, “O” é consciente de seu poder sobre os homens e, assim, coloca prazer e submissão lado a lado para alcançar o prazer. Nada mais polêmico e escandaloso.

Ainda que o roteiro não seja de Crepax, a adaptação que ele próprio fez traz todas as características que marcaram a sua obra: erotismo explícito e sem pudores, como no texto original, paixão por desenhar espartilhos e bondages – um deleite para voyeuristas, traço inconfundível e narrativa que exige mais de uma leitura, em que imagem, composição e distribuição dos quadros vão além dos balões de diálogos. A apropriação da trama por Crepax, embora fiel à narrativa original, faz da novela gráfica uma obra diferenciada – é bom ler as duas versões. Essa HQ revela o gosto de Crepax por adaptações literárias, o que fez desde o início de sua carreira. Sua primeira história, aliás, foi uma adaptação de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, que desenhou aos 12 anos.
Filho do primeiro violoncelista do Teatro Scala, de Milão, Itália, Crepax nasceu em 1933. Estudou arquitetura pela Universidade de Milão e, ao mesmo tempo, atuou como ilustrador em trabalhos de publicidade. Produziu capas de revistas e livros, pôsteres e ilustrações para capas de LPs – que lhe deu reputação no meio musical. Até decidir-se pelas histórias em quadrinhos, transitou por assuntos variados, mas seu maior mote foi o erotismo.

“Valentina sou eu!”
Valentina, sua mais famosa criação, veio a se tornar um dos ícones culturais do século 20, chegando a ser considerada a primeira mulher emancipada made in Italy. Assim como – dentro da Cultura Pop e o universo dos quadrinhos – a Mulher Maravilha está para os movimentos de sufrágio e liberação feminina da primeira metade do último século, Valentina está para a mulher moderna que retoma com força os ideais feministas tanto quanto o foi nos anos da contracultura e da revolução sexual, época em que foi criada. Protagonista e regente de seu destino, livre das amarras sociais e comportamentais, pronta a explorar seus desejos sem culpa e abrir caminho à frente de sua história, sem se preocupar com a opinião de uma sociedade falocêntrica ou pedir licença a um homem, surgiu como personagem secundária no terceiro episódio das aventuras do herói Neutron e tomou o lugar do protagonista logo nas primeiras aparições.
Morto em 2003, além de Valentina, Crepax criou outras heroínas, com destaque para Bianca e Anita, publicadas no Brasil pela L&PM, além de adaptar obras de Edgar Allan Poe e Marquês de Sade, entre outros. Sobre sua obra, o cineasta francês Alain Resnais disse: “Seguidamente, é necessário tomar uma página de Crepax e ler várias vezes para captar certos detalhes”. Para novos leitores, A História de “O” é um excelente ponto de partida.

(Originalmente publicado na extinta Revista Brasileiros)