quarta-feira, 12 de março de 2014

Cinema da Boca do Lixo - Trilogia do Terror

 
Trilogia do Terror – Candeias, Mojica e Person
por César Alves
 Lançado em 1968 A Trilogia do Terror (não confundir com o nome que recebeu por aqui o filme Body Bags do John Carpenter) é uma produção cinematográfica de Antonio Polo Galante da era de ouro da Boca do Lixo de São Paulo.
A idéia do filme partiu do programa semanal de José Mojica Marins Além, muito além do além – qualquer semelhança com o clássico enlatado americano Além da imaginação (The Twilight Zone)  não é mera coincidência –, que fazia sucesso na época, exibido pela TV Bandeirantes e é composto de três histórias dirigidas por três dos diretores mais criativos do cinema de São Paulo. Embora todas as tramas tenham o sobrenatural e o terror psicológico como pano de fundo, cada uma delas traz características próprias de seus realizadores.
Sob a direção de Ozuldo Candeias, O acordo conta o drama de uma mãe desesperada por “curar” e desencalhar a filha, acabando por fazer um acordo com o “das profundas” para resolver seu problema. Em troca, o tinhoso pede o sacrifício de “uma donzela”. Com narrativa fragmentada, o episódio tem várias das características que marcaram a trajetória de Candeias, como a predileção por climas rurais, muitas vezes remetendo ao western americano, cultos populares e a boa velha sensualidade rústica, que não deve ser confundida com mera sacanagem (ehehehe).
Prestem atenção na trilha sonora incidental do Rogério Duprat que mescla experimentalismos como a cacofonia, guitarras elétricas com fuzz, microfonia e violas caipiras, remetendo aos arranjos que, na mesma época, o maestro produzia para aqueles maravilhosos álbuns tropicalistas. Alguém precisava tentar recuperar isto e lançar em disco.
Já Luis Sérgio Person buscou inspiração no conto de terror clássico de nosso folclore, A procissão dos mortos. A história é conhecida e possui várias versões (vide Câmara Cascudo). Na mais famosa reza sobre uma fofoqueira que gostava de bisbilhotar os outros pela janela e certa noite ouve um barulho e abre a janela para ver o que é. Dá de cara com uma procissão silenciosa. Um dos que seguem o grupo se aproxima e lhe dá uma vela para que a guarde, pois virá buscar na noite seguinte. Já de manhã, a velha descobre que a tal vela é na verdade um osso humano! Minha avó costumava tirar meu sono com essa história, mas Flávio de Carvalho provou, com sua “Experiência No. 2”, que a procissão dos vivos pode ser mais perigosa, né? Apesar de aproveitar o título do conto, Person subverte a história substituindo os beatos do além túmulo por guerrilheiros fantasmas, numa clara referência ao contexto político do momento.
O mestre do terror brasileiro, José Mojica Marins, explora o lado psicológico do horror. Seu episódio, Pesadelo macabro, fala de Cláudio, rapaz atormentado pelo medo de ser enterrado vivo. Devo confessar que também guardo este medo desde que li o conto do Edgar Allan Poe, então, se eu me for antes de vocês, façam-me o favor de providenciar “furos de respiro” em meu caixão, como fez o caçula dos Brunden, Vardaman, para sua mãe.
Brincadeiras pretensiosas (só para citar Faulkner) à parte, aqui estão lá todas as cobras, lagartos, aranhas, ratos e os fantásticos rituais sadomasoquistas que nos fazem amar esse cara.
Foi lançado ha pouco tempo em DVD, mas pode ser visto completo, dividido em partes de dez minutos, pelo Youtube.

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