Antologia do Medo
Contos e algumas das mais assustadoras lendas de
terror compiladas em livro que reúne Edgar Allan Poe, Théophile Gautier, Guy de
Maupassant, Alexandre Dumas, Émile Zola e outros.
por César Alves
Um dos mais
antigos de nossos instintos primordiais, o medo talvez esteja na raiz de nosso
sucesso evolutivo e seja uma das razões de nossa espécie ainda estar por aqui.
Deve estar ao lado da fome entre os motivos que nos levaram a desenvolver
instrumentos de caça e defesa, impulsionando assim nossa ascensão na cadeia
alimentar e reduzindo também o risco de sermos devorados vivos por feras. Afugentar
as mesmas feras e iluminar a noite, reduzindo assim o perigo de ser
surpreendido na escuridão por um grande predador, talvez tenha tido no medo, talvez,
antes do desejo de aquecer nossos corpos e alimentos, o ponto de partida para
aprendermos nos relacionar com o fogo.
Tamanha importância,
talvez explique o que nos move a evitar situações de risco real a nossas vidas,
mas, ao mesmo tempo, sermos atraídos pela sensação, mesmo que controlada e por
um período de tempo determinado e sob controle, ao ponto de pagarmos para
sermos amedrontados em salas de cinema, casas assombradas de parques de
diversão e, principalmente, contos e histórias de horror.
Teorias
evolutivas à parte – há gente muito mais indicada mais indicada para falar
sobre o assunto e nem é este o tema deste artigo –, apreciamos causos de
fantasmas, demônios, criaturas sobrenaturais e outras histórias horripilantes,
desde o início da civilização, tendo sido contadas e recontadas em volta da
fogueira por griots (contadores de
histórias cuja tradição remete dos primeiros agrupamentos humanos aos dias de
hoje), avôs e avós, à luz de vela quando falta energia elétrica, através dos
séculos, tendo sobrevivido, através da narrativa oral, ao passar dos tempos.
Se hoje uma
parcela milionária da indústria do entretenimento é movida por nossos piores
medos, é sempre bom lembrar que, muito antes de surgir o cinema e ganhar rostos
no imaginário pop com as interpretações de Boris Karloff, Peter Lorre, Bela
Lugosi, Lon Chaney, Christopher Lee e Vincent Price, entre outros, foram os
escritores os primeiros a perceber no filão uma fonte inesgotável de inspiração
e leais seguidores.
De consagrados
expoentes do gênero, como Edgar Allan Poe, Ambrose Bierce, H. P. Lovecraft, E.T.A.
Hoffmann e Bram Stoker – entre os mais notórios –, a Émile Zola, Alexandre
Dumas, Gautier e outros; praticamente, todos os grandes nomes da literatura, em
um ou mais momentos de sua carreira, flertaram com o segmento. Um bom exemplo é
Medo – Histórias de Terror, coletânea que reúne contos e histórias de terror
que a Companhia das Letras acaba de lançar.
Dividido em Histórias de Fantasmas, Aparições e
Espectros; Histórias de Diabos; Histórias de Cemitérios; Histórias de Animais e Histórias do Reino dos Mortos; o livro reúne
contos de autores consagrados, como alguns dos citados acima, com lendas e
histórias populares, sem autor conhecido, narradas a gerações, através da
tradição oral. Além de oferecer um apanhado dos diversos tipos de narrativas de
terror, uma leitura mais atenta pode revelar como se deu o processo evolutivo
da narrativa fantástica dos mitos ancestrais do início das civilizações ao
terror moderno.
Aqui estão clássicos
conhecidos, como o brilhante tratado sobre a culpa, O Gato Preto e o assustador A
Máscara da Morte Rubra, ambos do imaginário de Poe; o antológico A Mão de Maupassant, a obra também
contém textos menos difundidos dos poetas Théophile Gautier, O Pé da Múmia e
Dois atores para um Papel; e Gerard Nerval – o brilhante A Ceia dos Enforcados
fecha o livro – ao lado das mais assustadoras lendas populares sobre
assombrações, criaturas sobrenaturais, descidas ao Inferno, pactos diabólicos,
o medo da morte e, talvez o maior dos terrores, o de ser enterrado vivo.
É justamente a
terrível possibilidade de ser dado como morto e, ainda mais sustador, estar
consciente de sua situação, que conduz um dos destaques do livro, o conto A Morte de Ollivier Becaille. Tão assustador
quanto é bonito, o conto é fruto da mente de Émile Zola e está mais para
suspense psicológico do que para sobrenatural.
Narrado em
primeira pessoa por um homem que acaba de falecer – o Olivier Becaille do
título –, a narrativa acompanha o desespero do personagem, desde a descoberta
de sua condição pela esposa, passando pela confirmação do óbito, a chegada do
caixão, o velório e sepultamento, nos quais o personagem descreve tudo que se
passa em sua volta e, ao mesmo tempo, reflete sobre sua vida até aquele
momento. Aos leitores cabe descobrir se o narrador é um espírito ou vítima de
catalepsia e é justamente o suspense da dúvida o que nos prende no início.
A maestria
narrativa de Zola nos arrasta para dentro do personagem, provando da tensão e
desespero que o afligem e vai além, fazendo uso da situação surreal de seu
personagem apenas como pano de fundo para uma profunda análise da condição
humana.
Serviço:
Título: Medo – Histórias de Terror
Autor: Vários
Organização: Héléne Montardre
Editora: Companhia das Letras
240 páginas
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