O Desregramento dos Sentidos de Rimbaud
Depois de quase duas
décadas fora de catálogo, obra testamento de um dos maiores poetas franceses
volta às livrarias brasileiras.
Por César Alves
Dentre as personalidades inaugurais da poesia
moderna, Arthur Rimbaud é o tipo de artista que, embora possa ser considerado o
primeiro de muitos, possui obra e biografia únicas. Como o próprio Rimbaud
previra – arroubos provocativos de arrogância juvenil, para alguns; momento visionário e exposição
corajosa de alguém capaz de enxergar adiante, típica do artista seguro de seu
talento, originalidade e, portanto, da longevidade de sua obra, para
muitos – sua poesia, mais que divisora de águas, fez-se um marco e abriu as
portas para a invasão bárbara, promovida por outros, dotados de seu mesmo
espírito anárquico e experimental, que o seguiram e transformaram os conceitos
estéticos e padrões artísticos, até então, estabelecidos.
Direta ou indiretamente, Rimbaud influenciou quase
tudo o que aconteceu de relevante na historia da cultura e arte ocidental posterior a
ele. Dos Surrealistas aos Beatniks,
passando pelas vanguardas artísticas e movimentos modernistas europeus e
americanos; da Contracultura aos patet... – ooops!
– “poetas” do rock brasileiro. Tudo no curto período de sua vida que vai de
seus 17 aos 21 anos de idade, tornando quase impossível evitar o clichê
comumente associado a seu nome, Infant
Terrible.
Uma trajetória marcada por criatividade
intensa, ousadia – tanto poética, quanto comportamental – e boemia, que, para
muitos, encontra em Iluminuras (Gravuras
Coloridas) seu testamento poético. O livro, cuja tradução brasileira, feita
pelos poetas Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Mendonça, havia desaparecido das
livrarias ha quase duas décadas, acaba de ser relançado, em edição revista da Editora Iluminuras (mesma casa
editorial das edições anteriores).
Escrito entre 1873 e 1875, durante suas
passagens por Londres, Paris, Alemanha, Holanda e Dinamarca, em meio aos
momentos de paixão e fúria que marcaram seu conturbado relacionamento com o
poeta Paul Verlaine e pouco tempo antes de seu inexplicável rompimento com a
literatura, Iluminuras, ao lado de
seu livro anterior Uma Temporada no
Inferno – título que o precede, traduzido no Brasil por Ledo Ivo –, se
inscreve entre as grandes e fundamentais obras da poesia moderna.
Considerar Iluminuras
como obra-testamento da poesia de Rimbaud não é mera característica criada por
especialistas e críticos para catalogar a importância de um título específico,
dentro da obra de determinado artista.
Se o ímpeto experimental e a proposta de
promover uma rebelião contra as formas estéticas e dogmas temáticos e
estilísticos que pontuavam a produção de sua época, já estavam visíveis em sua
obra desde que o autor de O Barco Bêbado chamou a atenção do Panteão Literário
francês, sob as bênçãos de Victor Hugo para aquele jovem poeta de 17 anos, é
aqui que sua proposta de uma “alquimia verbal” se confirma. Aqui, “o poeta se
faz vidente por um longo, imenso e irracional desregramento de todos os
sentidos”, em instantâneos caleidoscópicos de sonhos, alegorias e experimentos
líricos, harmônicos e textuais.
Como este que vos escreve não passa de um mero
admirador do gênero, está longe de ser um especialista ou crítico de poesia e,
principalmente, para evitar exageros verborrágicos e frases pretensiosas, como
as que fecham o parágrafo anterior, paro por aqui com minha análise da obra e
sugiro aos colegas a leitura obrigatória do livro.
Bilíngue, a nova edição de Iluminuras traz
também um ensaio crítico, assinado pelos tradutores.
Nascido em Charleville, em 1854, Jean-Nicolas
Arthur Rimbaud escreveu cerca de vinte livros de poesia antes dos 21 anos, até abandonar
de vez o ofício da escrita. Depois disso, empreendeu uma série de jornadas
clandestinas, chegando a se alistar no Exército Colonial Holandês, simplesmente
para poder entrar livremente em Java (Indonésia). Tais viagens o levaram ao
continente africano, onde atuou como traficante de armas. Última “profissão”
que exerceu, antes de sua morte, aos 37 anos, quando retornou a Paris, depois
de uma gangrena que o levou a amputar uma das pernas.
Serviço:
Título: Iluminuras
Tradução, notas e ensaio:
Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça
Editora: Iluminuras
192 páginas
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