Ponto de encontro da Boemia com a História.
Por César Alves
Se a História também aprecia o Happy Hour, em São Paulo escolheu o
Ponto Chic como parada obrigatória. Essa é a impressão que temos ao ler Ponto Chic – Um Bar na História de São Paulo,
de Angelo Iacocca. Um dos mais antigos e tradicionais bares da cidade,
o Ponto Chic faz parte da vida noturna da cidade há mais de nove décadas.
Mais que um estabelecimento
comercial, foi incorporado como parte do cotidiano e, principalmente, da vida
noturna da metrópole com a qual sua trajetória se confunde. De sua inauguração, ainda nas primeiras décadas do século vinte, aos
dias atuais, o Ponto Chic tem sido testemunha ocular e, em alguns casos, cenário das mudanças políticas, estruturais,
culturais e comportamentais ocorridas na cidade.
Muitos dos provocadores e agentes de tais transformações, tinham o estabelecimento
como seu local preferido para momentos de lazer e ponto de encontro etílicos, nos quais, além de descontração, buscavam debater acontecimentos e ideias. Sendo assim, não é exagero supor
que, entre uma rodada de chope e outra, algumas discussões e conversas que ali aconteceram, tiveram
impacto não só sobre a vida dos paulistanos, como também de todos os
brasileiros.
Inaugurado no número 27 do Largo
do Paissandu por Odilio Cecchini, um italiano boêmio e fanático pelo Palestra
Itália, o bar e lanchonete logo se tornou parte importante da vida noturna que
se desenvolvia ao longo da Avenida São João. Ali se encontravam a maioria dos
cinemas, teatros, confeitarias e casas noturnas. Foi fundado pouco depois da
Semana de Arte Moderna de 1922 e, entre os primeiros dos muitos notáveis que
fariam parte de sua clientela, estavam os modernistas Oswald de Andrade e
Sérgio Milliet. Em seus anos dourados, que vão da década vinte ao final dos
anos sessenta, passaram pelo Ponto Chic artistas do circo, celebridades do
cinema e da televisão, jornalistas, advogados, políticos, escritores,
empresários e socialites, numa lista estelar que traz nomes como Anselmo
Duarte, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Lygia Fagundes Telles, Jorge Mautner,
Antônio Bivar, Inácio de Loyla Brandão, que escreve o prefácio, entre outros. Adoniran
Barbosa costumava se encontrar com os parceiros do Demônios da Garoa nas mesas
do Ponto Chic e ali teria começado ou finalizado algumas de suas famosas
composições como “Viaduto Santa Ifigênia”. Era também ponto de encontro de
profissionais do futebol que para lá rumavam depois dos jogos no Pacaembu. As
histórias envolvendo partidas marcantes, negociatas entre dirigentes dos times,
jogadores boêmios e discussões entre torcedores afoitos representam alguns dos
melhores momentos do livro.
O ambiente, no entanto, sempre
foi democrático e ali também se encontravam populares como taxistas, bancários,
professores e também representantes do submundo como prostitutas, cafténs e
malandros. Teriam sido estes frequentadores os responsáveis por chamar o local
de “ponto de gente chique” que, depois de abreviado para Ponto Chic, foi
adotado pelos proprietários como nome oficial.
Casa oficial do Bauru
Os estudantes de direito da São
Francisco são parte importantes dessa história. Jovens ainda anônimos, eles
estavam entre os primeiros a adotar o estabelecimento como ponto de encontro e,
no futuro, muitos teriam seus nomes incorporados à história do país. Um deles,
Casimiro Pinto Neto, ficaria famoso como locutor do noticioso O Repórter Esso
de São Paulo, mas seu nome seria eternizado como o criador do mais paulistano
dos lanches. Apelidado pelos colegas Bauru, em referencia a sua cidade natal, em
um dia de muita fome, Casimiro pediu ao sanduicheiro que abrisse um pão
francês, tirasse o miolo e botasse queijo derretido dentro. Notando a falta de
albumina, proteína e vitamina, o estudante completou o lanche com umas fatias
de rost beef e rodelas de tomate. Os
colegas o imitaram pedindo: “Me vê um do Bauru!” Nascia assim, sua Excelência,
o Bauru.
Através de depoimentos de
funcionários, frequentadores célebres e anônimos e uma profunda pesquisa, Iacocca
parte da trajetória do Ponto Chic para traçar um histórico não só de São Paulo
como da sociedade brasileira durante o século vinte, colaborando para fazer deste Ponto Chic - Um Bar na História de São Paulo leitura deliciosa entre a uma ressaca e outra.
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