A Intencionalidade
Superior de Robert Walser
Livro reúne 41 textos
curtos do autor suíço que influenciou nomes como Elias Canetti, Franz Kafka e
Herman Melville, entre outros, oferecendo nova oportunidade aos leitores
brasileiros de mergulhar no universo literário de um dos grandes autores
europeus esquecidos por nossas editoras.
Por César Alves
No Brasil, podemos ler menos coisas de Robert
Walser do que sobre ele. O que não significa que estamos bem servidos de
material biográfico sobre o autor, já que sua trajetória pessoal continua
envolta em mistério, passagens jamais confirmadas de fontes pouco confiáveis e
um sem número de lendas que, graças ao culto em torno de Walser e sua obra, só
fizeram crescer, desde sua morte. Mas, ao contrário do que diz Walter Benjamin
na abertura de seu artigo sobre Robert Walser, mal parafraseado por este amigo
que vos escreve, no Brasil o autor é muito comentado e muito, muito pouco
mesmo, lido.
Praticamente ignorado por nossas casas
editoriais, apesar do peso de seu nome – além de Benjamim, Walser é citado como
referência e verdadeira admiração por nomes como Herman Melville e Franz Kafka,
entre outros – e da incontestável qualidade e grandiosidade de sua obra, tendo
apenas uma quantidade miserável de seus títulos traduzidos e publicados por
aqui – se não me engano, até agora, apenas dois de seus livros haviam sido
lançados no Brasil. Motivo mais que justo para recebermos com festejos e fogos
de artifício a chegada de Absolutamente
nada e outras histórias, que a editora 34 acaba de lançar.
Reunindo 41 textos curtos do autor, o volume
foi traduzido diretamente do alemão por Sérgio Tellaroli e oferece oportunidade
imperdível aos leitores brasileiros de entrar em contato com autor cuja
simplicidade narrativa – carregada de imaginação, inventividade e
sensibilidade, no que diz respeito ao conteúdo – ultrapassa o sublime, expondo
uma complexidade temática, filosófica e lírica, poucas vezes vista na
literatura universal.
O que este escriba traduz aqui – muito
porcamente – por simplicidade narrativa e que Walter Benjamin chamou,
corretamente, de “extrema ausência de
intenção”, em seu excelente artigo sobre Robert Walser (pode ser encontrado
na edição brasileira de Magia + Técnica.
Arte + Política, de Walter Benjamin, publicado no Brasil pela Editora
Brasiliense), seria um dos motivos de o autor ser tão pouco explorado e praticamente
ignorado por estudiosos e especialistas em literatura, tão dedicados que são às
formas e técnicas da construção estética, como reguladora e juízo de valor da
escrita como arte. O fato de o próprio Robert Walser, certa vez, ter declarado
jamais revisar seus textos, ao que tudo indica, talvez tenha colaborado para
que sua obra, embora reconhecida, cultuada e sempre reeditada na Europa, tenha
recebido muito menos atenção dos especialistas do que realmente merece, ao
longo dos anos e décadas.
É ao artigo de Benjamin que, novamente, recorro
para dizer que é justamente na ausência de intencionalidade de Walser que pode
estar o grande valor de sua escrita de inventividade. Sua despretensão, no
fundo, revela uma “intencionalidade
superior”, conforme descreve Walter Benjamin – tomado de empréstimo para
intitular este texto.
Tal intencionalidade superior em sua ausência
de intenções é nítida nos textos que compõem o recente lançamento. O autor
levou sua vida de forma nômade e é justamente o olhar humano de um viajante,
traduzindo a complexidade da existência, sob a simplicidade da vida e o que ela
oferece de melhor e pior o que encontramos em cada uma das deliciosas páginas
do livro. Walser amava as mulheres e aqui há muitas delas, no que todas elas têm
de delicado e também no que não têm; o amor é força motriz de algumas
histórias, portanto, há amor, mas também não há, posto que, para o autor, no
fundo, todo individuo é um solitário.
Aqui o autor discorre sobre o romance
impossível de uma cegonha e um porco espinho; um anjo que não come porque a
comida cansa; a descoberta do amor por um macaco; e a nitidez com que se
desmascara a frágil existência humana, quando vista do alto, durante um passeio
de balão. Mas há também ensaios sobre a liberdade, considerações sobre O Idiota de Dostoiévski, uma cara de
solicitação de emprego nada corriqueira e um humor, fino e sarcástico
maravilhoso.
Exemplo da genialidade e brilhantismo do autor
de dizer muito, parecendo dizer absolutamente
nada, é o brilhante conto que dá nome ao livro. Num breve e pobre resumo
deste que vos escreve, fala sobre uma Esposa que vai ao mercado fazer compras,
com o objetivo de oferecer um jantar especial ao Marido. Ela pode escolher o
que quiser levar e se perde em meio a tanta variedade de produtos e
possibilidades disponíveis. Podendo levar de tudo, ela decide levar
“absolutamente nada”.
Quando, à noite, o Esposo chega do trabalho,
pergunta à Mulher:
“O que teremos para o jantar?”
“Absolutamente, nada!”
Ela responde.
Seu cônjuge estranha, mas nada diz. E a mulher
esclarece:
“Precisamos variar o cardápio, pois é um dia
especial. Então, hoje me dediquei a preparar absolutamente nada.”
O marido sorri com ternura e sente-se feliz com
a dedicação de sua amada.
Eles, então, se sentam à mesa. Preenchem seus
pratos com absolutamente nada, saboreiam e se fartam com porções de
absolutamente nada e, no final, sentem-se satisfeitos com absolutamente nada.
Nascido em Biel, Suíça, em 1878, Robert Walser
escreveu três romances, diversos volumes de contos e prosas curtas, além de
incontáveis páginas e artigos para jornais e revistas. Apesar de sua importância
e do reconhecido valor de sua obra, até agora, apenas dois títulos de sua
autoria estavam disponíveis em nossas livrarias, vertidos para o português: O Ajudante (Arx, 2003), traduzido por Zé
Pedro Antunes; e Jacob van Gunten
(Cia das Letras, 2011), tradução de Sérgio Tellaroli, o mesmo tradutor de Absolutamente nada e outras histórias,
objeto de nosso artigo.
Após uma produção intensa, em 1925, Robert
Walser publicou seu último texto Die Rose (A Rosa). Em 1929, aos 50 anos de
idade, o autor teria se internado numa
clínica psiquiátrica. Seu estado psicológico só agrava a partir daí, gerando
diversas internações, até a última delas, em 1933, na qual permaneceria até o
fim de seus dias. Walser teria falecido no natal de 1956, enquanto caminhava
solitário, como costumava fazer, nas dependências da instituição mental. Seu
corpo teria sido encontrado caído na neve por funcionários.
O culto a Robert Walser e sua obra, só fez
aumentar, depois de sua morte. Até hoje, a possibilidade de o autor ter escrito
inéditos posteriores a 1925, ainda gera lendas e histórias jamais confirmadas.
Uma das lendas relativas aos seus últimos anos de que gosto conta que, durante
sua última internação, depois de mais de duas décadas sem publicar e muita
duvida no meio literário sobre se o autor ainda estaria ou não vivo, um jovem
repórter teria conseguido se infiltrar no hospital para tentar uma entrevista. Segundo
reza a lenda, Walser não se comunicava com ninguém, passava seus dias passeando
pelas dependências da instituição e cuidando de um jardim, onde teria
acontecido o suposto encontro. O repórter teria tentado estabelecer contato com
o autor de várias formas. Walser, no entanto, apenas teria ignorado suas
investidas, dedicando-se aos cuidados para com o jardim, como se ele não
estivesse ali.
Cansado de tentar, certo de que não arrancaria
nada e conformado em não obter qualquer resposta às suas perguntas, teria feito
uma última tentativa:
_ Se puder me responder ao menos uma pergunta,
senhor Walser, me diga se o senhor ainda escreve...
Tendo
como resposta apenas o silêncio, o jovem se despediu e seguiu seu caminho. Já
de costas, poucos passos a frente, em direção da saída, o escritor teria
exclamado em voz baixa:
_ Eu não estou aqui para escrever. Estou aqui
para ser louco.
Fato ou ficção, acho a lenda, no que tem de
bela e melancólica, digna de um ficcionista cuja própria vida gera ficção.
Serviço: Absolutamente
nada e outras histórias
Autor: Robert Walser
Tradução: Sérgio
Tellaroli
Editora: Editora 34
170 páginas
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