Entre as Vanguardas do Novo Mundo e transformistas do
submundo
Jorge Schwartz aborda as vanguardas Latino-Americanas
e o submundo paulistano no trabalho de sua mãe, a fotógrafa Madalena Schwartz.
Por César Alves
Diretor do Museu
Lasar Segall desde 2008 e também professor titular de literatura
hispano-americana da USP, Jorge Schwartz é um incansável estudioso, pesquisador
e crítico de arte. Com principal foco nas produções latino-americanas, ele é
autor de incontáveis livros e artigos sobre artes visuais e literatura, além de
possuir um currículo de fazer inveja como curador de diversas e importantes
exposições.
Nascido em 1944,
sua colaboração para com o segmento que escolheu como objeto de estudo e
atividade profissional possui diversidade, constância e quantidade de formatos
o suficiente para imaginar que o autor pouco tenha descansado nas últimas
décadas, tornando quase impossível encontrar outra palavra que descreva sua
relação com o universo das artes além de paixão. São frutos dessa paixão dois
títulos que trazem sua assinatura, que recentemente chegaram às nossas
livrarias.
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O primeiro
deles, lançamento fresquinho da Companhia das Letras, chama-se Fervor das Vanguardas. Se o título não
diz muito ou até pode fazer com que alguns leitores torçam o nariz, devido ao
número de picaretagens pretensiosas associadas à palavra “vanguarda” que hoje
aparecem em nossas livrarias e salas de exposições, o subtítulo talvez deixe
mais claro do que se trata e explique sua importância: Arte e Literatura na América Latina.
O tema não é
novidade para o autor dos importantes Vanguardas
Latino-Americanas e Vanguardas
Argentinas – o segundo escrito em parceria com May Lorenzo Alcala –, ambos
lançados pela Editora Iluminuras. Fervor
das Vanguardas chega para ser associado a estes títulos e enriquecer ainda
mais a bibliografia sobre o assunto em nossas prateleiras. A obra reúne uma
série de ensaios e artigos de Schwartz produzidos ao longo dos últimos anos.
Autor de estudos
aprofundados sobre as obras de Oswald de Andrade e Oliverio Girondo, dois dos
nomes mais emblemáticos das vanguardas do Brasil e Argentina, ambos aparecem
aqui em novos textos que abordam aspectos específicos de seus trabalhos e sua
importância. É justamente Oswald um dos protagonistas do artigo que abre o
livro, o ótimo Tarcila e Oswald na sábia
preguiça solar, que traça um estudo sobre a colaboração conjugal e
artística do casal emblemático do Modernismo Brasileiro, batizado por Mario de
Andrade de “Tarciwald”. Mario, que assim como Oswald figura em vários dos textos
que compõe a obra, também teria sido um dos primeiros a estabelecer uma ponte
entre os modernistas brasileiros e argentinos, divulgando por aqui os nomes de
Jorge Luis Borges e Oliverio Girondo, poeta que, antes dos beatniks e da
contracultura, empreendeu uma jornada pelo Oriente no início dos anos 1920,
como ficamos sabendo em Ver/ler: O júbilo
do olhar em Oliverio Girondo.
Merece destaque
o artigo Surrealismo no Brasil?: Décadas
de 1920 e 1930. O texto parte da estadia do surrealista francês Benjamin
Péret no Rio de Janeiro e em São Paulo entre os anos de 1929 e 1931, quando se
casou com a cantora brasileira Elsie Houston,
vinculada a Heitor Villa-Lobos, e estabeleceu relações e colaborou com
expoentes de nosso modernismo até ser expulso do país devido a sua ação
política com o trotskismo – Perét chegou a ser preso em sua segunda visita em
1956, quando veio assistir ao casamento de seu filho –, para falar do flerte de
nossos artistas com o Movimento liderado por André Breton. Schwartz assinala o
embarque na aventura surrealista de nomes como Ismael Nery, Cícero Dias,
Vicente Rego Monteiro, Tarcila do Amaral, Flávio de Carvalho (“um antropófago avant la lettre”) e Jorge de Lima, entre
outros, mas responde à questão que da título ao artigo concluindo que não
existe um surrealismo brasileiro, mas sim obras de artistas nacionais de
inspiração surrealista.
Também discute a
reivindicação de Vicente Rego Monteiro de ter sido ele o precursor da Antropofagia
modernista e a obra do lituano radicado no Brasil, Lasar Segall – tema de três
capítulos do livro –, como ponto de confluência de um itinerário
afro-latino-americano nos anos 1920.
Verdadeiro
passeio em busca de pontos em comum entre as produções artísticas de vanguarda
do Brasil, Argentina e Uruguai, o livro traz 128 páginas só com reproduções das
obras citadas. Além dos nomes acima, a obra também vislumbra os trabalhos do
uruguaio Joaquím Torres García e dos argentinos Xul Solar e Horácio Coppola.
Filho da
fotógrafa Madalena Schwartz (1921-1923), Jorge também assina a curadoria da
exposição Crisálidas, reunindo
trabalhos de sua mãe. Moradora do Edifício Copan na década de 1970, Madalena
focou seu olhar sob os personagens do Centro de São Paulo. São da época os
cliques de transformistas, travestis e performers
que compõem a mostra que fica no Museu da diversidade até setembro. A exposição
acabou gerando também um livro que reúne 100 fotografias, com destaque para os
ensaios com Ney Matogrosso na fase-Secos & Molhados e os Dzi Croquettes,
todas extraídas dos mais de 16 mil negativos que fazem parte do acervo do
Instituto Moreira Salles que também edita a obra.
De origem
húngara, Madalena Schwartz descobriu a fotografia por acaso, depois de o filho
Julio ganhar um prêmio do programa de Bibi Ferreira na extinta Tv Excersior.
Com o dinheiro, ele comprou uma câmera, mas foi sua mãe quem se interessou pelo
aparelho. Da simples necessidade de registrar seu olhar afetivo sobre a cidade,
a fotografia acabou por se tornar profissão. Em sua carreira, Madalena Schwartz
passou por publicações como as revistas Claudia, Planeta, Status, Lui e Vogue.
Serviço:
Livros: Fervor das Vanguardas, Jorge Schwartz,
Companhia das Letras, 376 páginas. Crisálidas, Madalena Schwartz, Editora IMS, 136
páginas.
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