O Soldado Dave Brubeck e a Grande Lição de um Pai
por César Alves
Antes de se tornar legenda no
capítulo piano da história do Jazz, Dave Brubeck alistou-se como voluntário na
expectativa de ir para o campo de batalha e fazer a diferença durante a 2ª. Guerra.
O ano era 1942 e, apesar de não da maneira como esperava, ele fez. Amante das
teclas desde criança, filho de uma pianista de formação clássica, responsável
por suas primeiras aulas no instrumento e por despertar seu interesse pela
música, muito novo Dave dava sinais de uma carreira promissora.
A descoberta de sua paixão e veículo
através da qual expressaria seu talento chegou pelo rádio. Aparelho
revolucionário e peça das mais importantes para um século que chegara para
escancarar as portas do futuro, o rádio era a maravilha moderna capaz de captar
as ondas sonoras que traziam ao jovem Brubeck as batidas fortes de uma música nova
e selvagem. Embora desse a impressão de ter sido enviado como presente por
civilizações mais avançadas de planetas muito distantes, o ritmo que o
conquistara tinha suas origens nas comunidades negras de New Orleans e de lá se
espalhado pelo país, assumindo o Harlem como residência oficial. Se o século
vinte seria o século do futuro, o jazz era a trilha sonora dos homens do
amanhã. Sua popularidade havia rompido as barreiras raciais que poucos anos
antes pareciam intransponíveis e, se ainda faltava muito para que a luta pelos
direitos civis ganhasse força e se tornasse uma realidade, pode-se dizer que os
primeiros passos foram dados ai.
Graças à onda do swing e o sucesso
das Big Bands nas primeiras décadas do século, brancos e negros se divertiam
juntos em casas históricas como o Savoy. Dave queria fazer parte dessa
história, mas no caminho surgira o conflito que definiria a política do século
e a ameaça fascista parecia motivo o suficiente para adiar qualquer sonho.
É ai que reencontramos o soldado
Brubeck do início do texto. Parte da minoria branca que não aceitava o
segregacionismo racial dominante em seu país, Dave ficou chocado ao saber que,
mesmo em tempos de guerra, tal pensamento vingava dentro do exército. Até o
sangue para transfusão era separado entre, sangue branco, para soldados
brancos; e negro, para soldados negros.
Logo após aportar na Europa, já
acampado com seu regimento num posto aliado, aguardava às ordens para sua
primeira missão. Foi durante a visita de um grupo de artistas, num dos eventos
promovidos para distrair as tropas, que perguntaram entre os soldados se havia
alguém capaz de tirar algumas notas no piano. A trupe tinha o instrumento, mas
não o instrumentista. Já sentindo falta das teclas, Brubeck não perdeu a
oportunidade e se ofereceu.
Sua performance agradou tanto que
recebeu ordens de seus superiores para formar uma banda do exército. Acatou as
ordens, porém fez questão de incluir negros entre seus músicos. Brigou
principalmente por dois nomes, Gil White, mestre de cerimônias, e Richard
Flowers, trombone. Em suas palavras, “se havia segregacionismo no exército, na
Dave Brubeck Wolf Pack Band (nome que dera ao projeto) não haveria!”
A história está bem documentada
na série “A história do jazz” de Ken Burns. Brubeck conta que, ao final da
guerra, logo após desembarcar com seus músicos num porto Norte-Americano,
decidiram todos almoçar e beber para comemorar. O dono do estabelecimento
recusou-se a servi-los, alegando que, se eles insistissem em comer ali, os
negros do grupo teriam que se alimentar na cozinha. Brubeck recusou e, ao
saírem, ouviu de Richard Flowers: “Acabo de voltar de uma guerra que não era
minha, disposto a dar meu sangue pelo meu país. Vi coisas que vão ficar comigo
para sempre, como uma marca em minha alma. E, agora, nem posso me sentar para
beber na mesma mesa que vocês, meus amigos. Qual o motivo daquilo tudo porque
passamos?”
No mesmo episódio, o pianista
conta que aprendeu a respeitar as diferenças com seu pai. Lembra-se do primeiro
homem negro que viu. Segundo Brubeck, ainda era criança quando, certo dia, seu
pai o chamou. “Quero que conheça meu amigo, filho.” Ao chegarem na casa desse
amigo, que era negro, seu pai pediu: “Tire a camisa e mostre as suas costas
para ele.” Havia marcas de açoites cicatrizadas deformando todo o corpo do
homem. De forma severa, seu pai lhe disse: “Trouxe você aqui para que entenda,
filho. Agora você tem idade para compreender e é bom guardar bem essa imagem.
Esse tipo de coisa não pode acontecer nunca mais!”
Bons pais fazem grandes homens!
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