Retrato do Realismo
quando Jovem Mágico
Por César Alves
“Emma Bovary c´est moi” (Emma Bovary sou eu), teria
declarado Gustave Flaubert, perante o tribunal, defendendo-se das acusações de ofensa à moral, à religião e aos bons costumes, referindo-se à
sua personagem mais famosa, a protagonista de Madame Bovary, uma das obras mais importantes do Realismo, na
historia da literatura universal.
O autor foi absolvido, veredicto tão justo quanto
absurdos eram as acusações e o próprio julgamento.
Bom, sobre Flaubert, Bovary, vida e obra do
autor, muita coisa já foi escrita e por gente mais gabaritada do este escriba
que prefere, então, ir direto ao verdadeiro tema deste artigo, os contos de
juventude escritos por ele e reunidos no ótimo Gothica, lançado pela editora Berlendis & Vertecchia.
Aqui, encontramos um outro Gustave Flaubert. O
jovem Gustave Flaubert que escrevia contos de inclinação fantástica e
experimentava com a fantasia e o sobrenatural. Em Raiva e Impotência, o sono pesado do personagem é o estopim para que
o autor explore um de nossos piores medos e dos mais caros à literatura de
horror clássica: ser enterrado vivo. Bibliomania
conta a historia de um colecionador de livros compulsivo, dono de uma vasta biblioteca
que busca aumentar a qualquer custo de forma doentia. A genialidade da trama –
tão absurda quanto é o final surpreendente – está numa característica do
alfarrabista fóbico: ele não sabe ler.
Fosse obrigado a escolher dois contos, entre os
cinco ótimos que compõem a coletânea, ficaria com o maior deles, O Sonho do Inferno, e O Funeral do Doutor Mathurim, que não
irei descrever aqui para sugerir ao leitor que vá atrás do livro e descubra por
conta própria do que estou falando.
Se já era Bovary, aqui não vem ao caso. Ainda
não era o Flaubert – pelo menos, o que conhecemos. Na época, aliás, poucos
apostariam que o garoto um dia iria abalar as estruturas de instituições
sagradas, como o casamento, e chocar a sociedade burguesa com seus romances
corajosos, que chafurdavam na lama de temas, até então, cascudos, como o
adultério e a hipocrisia da religião e dos valores burgueses. Era jovem, ambicioso e ainda um tanto quanto
mágico para alguém que viria a se tornar um dos pilares do Realismo. Talvez o
período de gestação do grande escritor que viria a ser e conceber Bovary.
Embora demonstrando certa ingenuidade
filosófica juvenil, típica da idade, já dizia a que vinha. Basta ler ao conto
de maldição, traição e vingança, A Peste
em Florença, e seus protagonistas para entender do que falo.
Serviço:
Título: Gothica
Autor: Gustave
Flaubert
Editora: Berlendis
& Vertecchia
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